terça-feira, 27 de julho de 2010

¿Adios?

Nasceu em uma tarde fria e pesarosa, debilitado e sedento por vermes, aquela criatura não podia balbuciar mais do que alguns agudos e intermitentes pedidos de auxílio para aquela mancha negra que bloqueava sua vista. Sua protetora e progenitora atendia licenciosamente as necessidades que um foco de vida nascente clamava. Foram alguns dias ou talvez semanas - para um amor incondicional o tempo não é uma questão importante - de dedicação e oração. A fase de dependência atravessava a incerteza da sobrevivência de um físico prematuro para alcançar as frias conseqüências da liberdade.
A frieza se traduz em ingratidão e abandono; dor que é dissimulada com o orgulho e respeito pelas proezas de um espírito principiante e pujante. Auto-suficiência aqui é também desobediência de um peito robusto, asas estendidas e lá se vai a prole em sua primeira aventura. Não há despedidas nos processos biológicos naturais e por isso também não existem lágrimas. O aconchego e calor de um ninho de gramíneas e penas velhas não chegam aos residentes do céu, então, porque tanta resistência a uma certeza? Desconsolo ou desacomodação a uma nova situação? Essa é a historia de um abrigo vazio e quantos a minha vida já não teve...
Sem qualquer suspiro de angustia a madre de crias e sentimentos pródigos permanece imóvel enquanto um dos frutos de seu útero ganha o ar e mergulha para longe de seu seio. Hastes delgadas que guiam um ponto negro ao infinito do horizonte. Quadro que se repetirá não apenas em tantas outras arvores, mas também muitas vezes mais nesse mesmo galho que o desprendimento e resignação cultivou-se com tanto carinho e ternura.

domingo, 18 de julho de 2010

Um dos lugares em que nasci

Como posso definir o lugar donde nasci se sinto que em cada lugar que estive dessa vida existe uma relação de pertencimento? Se o que sou hoje não passa de uma antologia de experiências que desfrutei e que cada nova estrada me toma por uma pessoa diferente. Trairia minha pátria ao dedicar meus dias a um outro povo? Olvidaria meus antigos valores e costumes familiares ao me entregar a um rotina distinta? Mais do que uma vocação a ser viajero, o que tenho é esse desejo profundo e intermitente que não se ilude com os ideais de estabilidade e comodidade – um querer demasiado ao mundo e a todos os seus viventes – sei que esse é a verdadeira utopia do cosmopolita, porém o que posso fazer se elegi como nação a terra que meus pés descalços tocam?
Envolto em seus braços desnudos e sentindo os suspiros de seu prazer chego até a cambalear, pensar em meu instinto natural como um grande embuste e sentir que em seu leito estarei sempre seguro e satisfeito. Fantasia que transborda nessa sensação de acolhimento incondicional, prazer simples e honrado, contudo o medo da reprovação me espreita e acostado junto ao meu corpo resfriado me faz, ao despertar, querer fugir e deixar no passado o que poderia ser meu futuro. Todas essas queixas do meu espírito caprichoso me servem para validar o que aprendi enquanto o asfalto comia os pneus da minha carroça... “em esses anos de vida nascemos e morremos muitas vezes.” Nasci nesse oásis de espírito deixando para este corpo fatigado um pouco de descanso, amparo criado no seio da hospitalidade de uma família mendocita e no acento de sua palavras carinhosas.
O que as vezes pode te custar a entender é um pensamento deveras mesquinho e quiçá inconseqüente – cosmopolitismo exacerbado, entretanto é o que acende a chama de minha ânsia pela vida e que sustenta minha coluna curvada pelas dores cotidianas. Lembre de minha palavras, lembre de meus modos e não se esqueça que hoje todos os meus beijos são para vos, porque, em contrapartida, é somente isso que preciso levar de sua terra e de você.