quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Metas poéticas para 2014

Não desviar mais das poças de água e mergulha-las como outrora o fazia, consequentemente tomar banho de chuva mais vezes e deliberadamente. Sorrir depois de retirar os trajes empapados em água de chuva ácida e falar dos rodopios e saltos como uma das mais nobres artes. Afugentar de ti os receios mais maduros e hipocondríacos que sua infância ignorava. Tomar sorvete mais vezes e declarar odes à sensação gélida que aos poucos toma suas papilas gustativas e em razão de experiências banais como esta, declamar mais poesia, dar ares ao verbo, aquela das suas faculdades mais encantadoras. Coletar e pedir por mais pedras, juntá-las aos montes como gemas preciosas das memórias suas e alheias. Olhar e observar mais fotos, admirar-se e comover-se com o mesmo tom das lentes que suas retinas dão a ter. Caminhar mais e preocupar-se menos com as solas de seus tênis, dá-las ao asfalto o agradecimento que tu acumulaste com seus passos e em direção ao horizonte, mirar menos a terra e mais o céu para onde aqueles gigantescos mobiles despontam com formas maravilhosas e efêmeras. Buscar mais oportunidades para dormir ao relento e concretizá-las quando estas aparecem, não somente para contar estrelas ou perscrutar os ruídos da noite, mas também para amar aquela que te amou primeiro, a natureza. Quiçá a janela aberta já lhe baste.
Escrevo para mim, mas também para o outro que o lerá ao fim do ano, uma criatura diferente, mais calejada e menos satisfeita que ousou algum dia ser poeta para elogiar os doces desgostos da vida.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Projeto I: Fotografia

Nossa intenção é a produção de imagens que traduzam o que nossos olhos apreendem como sensações. Sob o foco da lente está o corpo, o corpo enquanto suporte simbólico e material, origem das potencialidades e das crises mais humanas. O corpo em seu limite carnal, desvestido de quaisquer ornamentos culturais, desnudo e absorto em explosões sensoriais plenamente físicas. O corpo oferecido do útero, maturado e construído através de experiências de cunho friccional, substancial e natural.
O corpo enquanto tema tabu, é o fundo para um olhar interessado no limite da transfiguração entre o absurdo e o benquisto. Transfiguração aqui, é entendido como processo cuja conclusão se encontra no ponto limítrofe entre o reconhecido e o desconhecido, - a objetificação do suporte carnal em seu conteúdo puro e formal. Deslocando o corpo de seu campo de batalha primevo, tanto físico quanto simbólico, almejamos alcançar as saliências e ondulações sensíveis de um manancial de formas enternecedoras infinito. Sim, é sobre os irreconhecíveis relevos de músculos e dobras de pele que nos apiedamos quando de frente ao monumento do corpo humano. Pretendemos exaurir, por meio de registros fotográficos, o corpo de seu arquétipo de corpo. O corpo que requisitamos está além do modelo platônico, ele está ali, na suas especificidades comoventes, pois, creditamos à cicatriz o distintivo identitário maior, para além do indivíduo, está a trajetória de um povo.
Ainda sim, nosso trabalho não se encaixa no ramo narrativo, não desejamos desenhar um perfil corporal pessoal e uno. Adentramos antes ao campo das generalidades, pois em nosso projeto visual, há muito de música. Se Alair Gomes chamava às suas séries de sinfonia, tendemos a buscar um caminho semelhante; a atenção generosa sobre esses encadeamentos de formas efêmeras e posicionais deve soar como melodia aos nossos olhos. É ai que encontramos o potencial poético do corpo com o qual nos deitamos. A intimidade logo, surge com um papel primordial, ela, a diplomata e a intermediadora entre o corpo alheio e a câmera.
Para além de seu resultado gráfico, tal pesquisa reflete em seu âmago uma questão antropológica, o corpo enquanto outro, ou para uma melhor exatitude, uma antropologia do corpo. O tom autobiográfico da obra de Louise Bourgeois nos é uma referência quando pensamos na construção substancial e psicológica de nosso próprio corpo, este refém de um pesamento moral e ético pré estabelecido tende a estar enlaçado por justificativas ideológicas que transcendem a própria história de fundação do Ocidente. O que desejamos, no limite, é colocar nossos corpos em conflito com outros corpos, transformar este terreno em uma festa. Para tanto, para comprovar as delícias dos jardins de Bosch necessitamos do registro fotográfico, o vestígio material de nossas composições compartilhadas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Miro-me no seu limite

Teu corpo como presságio de dores e prazeres, curvas sinuosas que atraem meus olhares para onde se deslocam. Todos os caminhos de sua casa desaguam às praias de seu quarto, ouço seus passos desde os corredores contíguos. Te miro, enquanto ajeita os detalhes mais superficiais de sua maquiagem matutina diante do espelho em movimentos curvilíneos. Lhe como com detalhes, dos pés delicados, avolumando-se por suas coxas até chegarem ao seu bumbum, minha tentação maior. Ancas das quais ainda me quedam memórias táteis que me conduzem pelos meandros seguintes de seu corpo. Monumento de luxúria sobre o qual dedico meus movimentos mais impetuosos e minha retórica mais ardil. Desenho por sobre suas zonas erógenas, seguro seus seio de carne branda enquanto uma sinfonia de deleite preenche os cantos não ocupados do ambiente.
Todas as quatro paredes de seu cômodo pessoal são as vestimentas que nos protegem da desgraça alheia, ali sou convidado de sua intimidade, perdido entre segredos a que pouco tiveram acesso. Sobre uma penumbra fina nossas vozes arfantes ainda comentam a meia hora passada sob risos e elogios. Tantas palavras e tantas escusas dedicadas a merecerem seu trato, vertidas sobre as linhas de seu ventre que me deixam como horizonte seu rosto pedante. Tenho ao fim seu corpo exaurido ao meu lado, aquele sobre o qual continuo desenhando com meus dedos para arrancar-lhe melodias fantasiosas.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Ode ao cajado

Pedaço de pau encontrado sob as sombras de árvores, rés do chão de folhas secas e futura matéria prima de copas gigantescas. Desde lá, elas podem mirar o céu e por isso, pouco irão se preocupar com arbustos menores. Apenas seres diminutos como humanos dariam atenção a gravetos roliços, ou pior, escreveriam odes em sua homenagem. Pois sim, matéria madeira que suportou meu corpo e o conduzio por sobre as pedras, mesmo contundido, suportei a dor da caminhada por sobre o meu cajado. Aquele que como de sorte meu olhos pousaram em momento de descanso e exaustão, foste tu a me socorrer nas horas de passo mais complicado quando até mesmo meus companheiros me abandonavam. Resistiu por sobre solos arenosos, lapidosos e com impulso me colocou por sobre a margem de riachos. Meu terceiro apoio e no qual eu mais confiei, obra da natureza e da fortuna de joelhos doloridos, que a mãe terra faça dele tantos outros para caminhantes tão cansados como eu estive. Renunciei-o sim, largo por sobre a terra não como desprezo pela graça alcançada, mas antes como respeito por seu local de origem. Minha gratidão lhe queda como as digitais efêmeras que lhe imprimi por sobre a casca. Que este seja a sorte de terceiros, da vida, arrancada quando o cortaram, resta um pouco em mim em memória e em sacrifício ofertado com ele.

Diálogos 'mineiros'



- Vamos por aqui.
- Mas o mapa aponta para aquela direção.
- Vai dar no mesmo..
- Então todos os caminhos vão para o mesmo lugar?
- Não. Os caminhos apontam para novas possibilidades.

Fim

Te descreveria com mil detalhes sinestésicos aquelas colinas de claras pradarias que brindavam com aquele céu azul um verde molhado de paladar quase suave. A sensação de cruzar aqueles mares de morros pouco tem a ver com olhá-los desde a janela de automóveis. Mesmo as águas turvas daquele rio, resultado de uma coloração ferrosa, era boas de beber. Te contaria também sobre o baile de andorinhas que nos envolvia como envolvem nuvens, mergulhando e rodopiando aos milhares ao nosso redor, pareciam nos convidar se não estivessem nos hostilizando. Era tantas flores e flores tão formosas, tão atraentes como os pés de roseira que D. Benta cultivava em seu quintal e que as encontrei surpreso depois do amanhecer. Lhe daria com palavras as coisas que vi se meu desejo de que as tivesse contemplado comigo não fosse maior. Talvez em sua companhia as dores físicas não pesassem tanto sobre as minhas costas em momento de contemplar o céu. Então, sinto que vencer a realidade tátil daqueles horizontes com minha retórica pueril seja menos um elogio do que a certeza de detração. Por isso, quero guardá-las comigo como o são e não traduzi-las como as senti.

Além do que, tudo nessa charla são floreios para o que mais importa, não é?

O que importa é livro que escreveria com todas as sensações que tu me fizeste sentir, um livro cuja leitura venceria as noites. Não um romance cavalariço ou um conto daqueles de ninar espíritos inocentes, mas antes, um tomo pleno de sensações táteis, odores característicos e prazeres sexuais. Linhas que desafiariam a madrugada não como nossas conversas infindáveis, mas sim, prenhe de experiências, daquelas que me fizeram sentir-se vivo mais do que eu nem me lembro mais.. Pões um ponto final no livro e eu o queimo com ânsia suicida.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Seu Zé e Dona Maria da Serra do Cipó

É ali, no regaço de uma cozinha humilde que duas singelas figuras nos recebem, permitindo-nos passar, a nós e a quaisquer outros, com passos leves para frear o ranger das tábuas de madeira do assoalho. Um diminuto espaço cuja paredes enegrecidas de carvão o tornam quase claustrofóbico, sensação aliviada apenas pela janela que alcança o pasto e por José e D. Maria cujo conforto se estende através dos gestos tímidos e comentários geniosos sobre o fazer e o ser daquele lugar, a Serra do Cipó, no interior de Minas Gerais. Uma "casa velha" que, como frisava D. Maria, guarda gerações de uma família regulada pelo clima daquela região úmida e fértil. Então, paredes de taipa se tornam tão generosas e calorosas como aqueles que acarinham a todos como a menino Jesus.
Dois senhores de expressão árida e traços calejados, reclusos em um idílio de verdes campos e céus fulgurantes; das dezenas de imagem registradas de seus rostos inexpressivos, roubadas da intimidade de seu lar, não refletem dois corações maiores que a colina sobre a qual repousa suas vidas. Se soam assustados diante de flash, mostram-se muito mais humanos diante de pessoas. Incontáveis devem ser as histórias que aqueles cômodos escuros e contíguos, assim como as paredes forradas de imagens e ícones sacros, devem guardar sobre seu Zé e D. Maria. Um bem entretanto, chama a atenção mais do que qualquer outro, uma foto de moldura rara e oval cujos rostos retratado são jovens, porém também distanciados em um tempo de trajes formais e películas amareladas. Senhores taciturnos da casa que a todos que a penetram os observam. Ali, na parede lateral do primeiro ambiente, parecem zelar pela tranquilidade e paz de um casal de idosos acostumados a receber visitas.