sexta-feira, 19 de agosto de 2011

El cementério de Elefantes



"Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!"

Vida Obscura, Cruz e Souza

São nos livros de Kafka que a vida aparece definida como labirinto, lá as múltiplas possibilidades que, dizem, a exitencia nos oferece permanência estéreis sob o chão da realidade comum a todos nós. Estar vivo então, resume-se a um jogo de provações e realizações, de sonhos e decepções, vontades e angústias; caminhos que se entrecruzam e desafiam a lógica do bom pregador. Personagem deste Requiem conduzido pelas ruas de La Paz e El Alto, Rubens vive a improbidade de uma vida clandestina e marginal, sua família, hermanos de la vida y joda, compartilham com que ele do mesmo gargalo e da mesma friagem de uma comunidade de desolados. Os labirintos da maior cidade do Altiplano produzem o cenário da miséria humana, recheada de alto e baixos como os violentos declives detas vias de passagem, morada de andarilhos, mendigos e ladrões, todas os espaços desembocam à Avenida 16 de Julio, à solidão do percurso ébrio.
A narrativa de Tonchy Antezana principia o prólogo de uma história cujo destino pareceu estar definido desde de antes de seu início. Exemplo destinguindo dos demais apenas pelo privilégio do não anônimato. O cadáver protagonista dos primeiros minutos de filme é então, na verdade, o desfecho de toda a história, fardada àquele mesmo fim; única resposta aos questionamentos sobre o destino de um homem. Resposta irônica à rogos desesperados. Todo o enredo nasce da voz de um falso mártir que faz as vezes de cristo, sacrifício de uma conduta de eleição não opicional, pede asilo à própria morte salvaguarda das recordações que o perseguem. Todas as alucinações são produzidas do medo de reproduzir aquilo que em parte ele acredita ter ajudado a construir. Tal constatação nasce dos últimos momentos de lucidez e assunção da sua versão como exemplo para os que vierem depois dele. Afinal, como ele, Cristo se sacrificou para salvar os homens de seus pecados terrenos.
Entretanto, a parábola do paceño alcoolatra sem rasgos indígenas ganha ar de ironia pelo desfecho que remete ao começo: cadáver abandonado a sarjeta. Cria-se a impressão de narrativa cíclica, à gênese de um povo condenado à orfandade e à vadiagem, apesar de garantidor de sua dignidade. Sina iluminada pela metáfora que da nome a obra - Cemitério de Elefantes - santuário mítico onde os africanos acreditavam ser o exílio dos paquidermes em estágio terminal - simbolo sacro para uns e auspício para a ganância de outros - áqueles ávidos pelo marfim dos sepultados. Dessa forma, el cuartucho de mierda, morada dos últimos sete dias de Rubens (outra referência bíblica) é o espaço da morte, mas também da riqueza de um homem que preservou até o derradeiro espamos de existência, a sua única boa memória.

domingo, 7 de agosto de 2011

Câmbio de mobília e gênios.

Entra na sala, sua vista percorre as paredes, passeia entre os móveis e tarda seu exame sobre as mudanças - aqueles desencontros entre a lembrança e os fatos do presente - descontinuidades portadoras de um certo desconforto, entretanto tal peso é demasiado leve para turvar os bons ares daquele ambiente. Espaço familiar, abre mais uma vez sua comodidade a este corazón viajero, quem poderia desejar mais? Lhe resta pouco, porém não lhe falta nada e pensa dessa forma querer viver para sempre. A dependencia marca sua relação com os homens e aos poucos reanima a chama da fé que tinha neles.
Algo há mudado porém, além da posição da mobília sente um tom distinto de palavras, gestos e atitudes. Passa a imaginar se existe uma relação entre a metamorfose da fotografia da casa para com os que habitam ela. Nem tudo está igual como deixou a quatro meses atrás; desapareceu uma das camas, a prateleira deslocou se à parede oposta a que estava e a sensação de afeto minguado pertuba sua paz. As pessoas mudam e isso é fato, lei imutável que emoldura a vida dos homens que nasceram uns e morreram outros, então o que fazer? A personalidade/carater/gênio então, são como uma massa maleavel sucetível ás intempéries da existência. Mas será que existe uma ligação entre os cambios domésticos e os cambios pessoais? Essa suspeita lastima mais minha mente já tão acumulada de receios e as hipoteses do "um leito a menos" criam um duro conflito de relação. Todos sabemos o que são o passar dos dias para a existência humana, não há fotaleza que resista à ação do tempo.
Ele também andou mudadando e cada dia reserva uma experiência distinta, as vezes transformado outras, simplesmente, um desafio a teimosia senil. Aprender mais não significa mudar para melhor, significa apenas mudar; qualificativos serão sempre externos a todo processo Ainda assim, se entrega a dúvida: mudou-se tanto até o ponto do pleno desconhecimento alheio? Ainda se reconhecem, mas não se sabe até quando - o tempo saberá dizer. Por enquanto caminha sobre ruínas..

Persistência


A imagem de aridez e penúria de uma paisagem erma pode ensinar muito sobre o povo que nela habita. O carater dessa gente é diretamente associado às benesses e privações que sua terra natal lhes impõe. São anos de aprendizgem, onde o hábito do cotidiano ensina a pratica e a observância das horas de ócio teoriza uma experiência de séculos. Essas primeiras palavras parecem querer reviver os teoremas do determinismo geográfico herdados do século XIX para explicar algo, na verdade, inacessível a qualidade mineral do solo.
Homens e mulheres dependentes de um ambiente cujas condições de sobrevivência parecem querer expurgár-los. Eles possuem todas as idades, estágios de vida atestados pela brandura das maçãs do rosto visível nas crianças ou pelos sulcos e relevos que dão uma nova textura a pele anciã. Um semblante taciturno que habita as mais altas altitudes do continente americano, um ar anônimo contrastante com as cores e desenhos das costuras dos tecidos trajados por eles. Estes homens, me parece, passaram de discipulos à mestres do terreno abaixo de seus pés e voltam a ela como os filhos que regressam aos braços de sua mãe no derradeiro suspiro. O Boliviano é antes de tudo um forte. Parafraseio Euclides da Cunha porque este escreveu sobre a raça da qual minha mãe pertence, referência sempre clara e viva na minha mente enquanto me descolava pelas paragens deste país.
A pintura Persistência (1993) de Fernando Peñaranda formalizou o conceito levantado já nas ruas de La Paz e estradas do Altiplano, o povo da montanhas é feito de pedra e poeira, - esta imiscuido a terra - dela retira seu alimento e com ela constrói seu abrigo. Caminhando, ingerido pela multidão, percebe-se como as mulheres acocoradas ao chão se confundem com o terreno; as cholas são como escultura vivas inertes e os homens tem a cor de suas pegadas. A persistência retratada na linguagem do pintor paceño versa exatamente sobre esse tema; as formas sinuosas daqueles cerros de composição marrom, panorama desértico dos Andes, assemelham-se as linhas do corpo dos sobreviventes a seu sopé. Em uma das salas de decoração colonial do Museu Nacional de Artes da Bolívia, meu estado de contemplação transformou-se em compreensão à relação ínitma deste povo com sua terra e atentei para a luta destes aferrada ao único bem que séculos de humilhação não conseguiram furtar.