domingo, 26 de outubro de 2008

O professor filósofo

"De todas as ciências que se inculca na cabeça de uma criança quando se trabalha em sua educação, os mistérios do cristianismo, ainda que uma das mais sublimes matérias dessa educação, sem dúvida não são, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade no seu jovem espírito. Persuadir, por exemplo, um jovem de catorze ou quinze anos de que Deus pai e Deus filho são apenas um, de que o filho é consubstancial com respeito ao pai e que o pai o é com respeito ao filho, etc, tudo isso, por mais necessário à felicidade da vida, é, contudo, mais difícil de fazer entender do que a álgebra, e quando queremos obter êxito, somos obrigados a empregar certos procedimentos físicos, certas explicações concretas que, por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem, compreensão do objeto misterioso.
Ninguém estava mais profundamente afeito a esse método do que o abade Du Parquet, preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belo rosto que é possível ver.
- Senhor abade, - dizia diariamente o pequeno conde a seu professor - na verdade, a consubstanciação é algo que está além das minhas forças; é-me absolutamente impossível compreender que duas pessoas possam formar uma só: explicai-me esse mistério, rogo-vos, ou pelo menos colocai-o a meu alcance.
O honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a catorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.
- Pois bem, - disse-lhe o abade - agora, meu amigo, concebas o mistério da consubstanciação: compreendes com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?
- Oh! meu Deus, sim, senhor abade, - diz o encantador energúmeno - agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente; não me admira esse mistério constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.
Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda “no mistério” que ele não compreendia muito bem, e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem, e a lição recomeça, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.
- Parece-me que vai demasiado rápido, - diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar... Se fixássemos, sim... dessa maneira, diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.
- Ah! Oh! meu Deus, o senhor me faz mal - diz o jovem - mas essa cerimônia parece-me inútil; o que ela me acrescenta com relação ao mistério?
- Por Deus! - diz o abade, balbuciando de prazer - não vês, caro amigo, que te ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje te explico; mais cinco ou seis lições iguais a esta e serás doutor na Sorbornne."

Sade, mais provocativo e impudico impossível, na verdade possível e sádico também...

sábado, 25 de outubro de 2008

"O que vc faria [se o mundo acabasse]?"

Faria tudo o que sempre esteve ao meu alcance mas que tanto me neguei a ter! Meus medos pessoais, meus ordenamentos morais, meu ideal de ética renegaria a tudo isto para satisfazer minhas vontades e necessidades que mais prazeirosas me fossem e para aproveitar esta última oportunidade...

[...]

Não acabaram!
Noite horrível-horrível de ontem...

domingo, 19 de outubro de 2008

Emular Lamúrias

Votei às folhas deste caderno mais cedo do que eu pensava: é pra onde eu me refugio, num canto excluído da sala à meia-luz de um abajur, no respaldo de um som inebriante e doce, me inclino sobre essas linhas que vão aos poucos ganhando contornos de autoria própria, própria de uma besta quadrada! Faz um tempo que eu falei para quem me ouve que não estou nos meus melhores dias e o pior para quem está nessa condição é olhar para trás e não sentir falta dos melhores, porventura eu ainda vá vivê-los. Quando é que valerá a pena existir? Eu já estou na segunda metade da minha vida, estou seniando e definhando dia após dia procurando algo para me apoiar, quero largar mão de revolver reminiscências ingratas, isso não pode fazer bem a ninguém e eu quero salvaguardar o orgulho que me resta. Ando tão azedo, amargo, como o dom de viver pode ser tão maldito, como a tinta desta caneta pode sustentar idéias tão invalorosas? E além de tudo só sei cuspir indecências, me escondo nessa máscara de castidade para devorar mocinhas indefesas e me esconder dos interlocutores, mas conversas as vezes me fazem bem, as vezes, né? Quando o assunto vem a propósito, quando o debatedor não é impertinente, mas momentos assim vem rareando em meu cotidiano e minha vontade por buscá-los vem seguindo o mesmo destino. Porém um diálogo inesperado nessa última madrugada me convidou à consciência de que não estou em melhores circunstâncias que aquela voz lamuriante e aguda do outro lado da linha...
O que posso dizer de bom sobre mim hoje? Não tenho sido bom filho, nem bom amigo, nem, muito menos, bom "historiador". Poucas coisas andam me satisfazendo e ando me negando a oportunidade de procurar outras. Acho que precisava de algo para ocupar minha cabeça, parar de pensar, esvaziar os anseios, apagar as incertezas, desenvolver virtudes! Na verdade eu não sei quem eu sou, é isso! Eu não sei quem eu sou; com certeza esse foi o maior conhecimento que extrai sobre mim daqueles minutos, esse e o fato de eu precisar de um psicólogo, mas disso eu já sabia, mesmo assim não conseguiria tentar: nem tentar saber que sou e muito menos procurar um.
Nessa busca entorpecida, minha única saída será insistir, sou teimoso afinal, pedra difícil de mover ou convencer, queria, no entanto um empurrãozinho... Todo pássaro precisa de um primeiro impulso, meu problema reside em saber se eu já não perdi essa sorte. Acho que nos meus últimos escritos eu deixei claro de entender qual, eu acho, é a minha sina, mas a vida não se resume a isso e eu tenho tantos outros mais complexos para debulhar que não posso perder meu tempo com esse! Às vezes me dá vontade de gritar bem alto, estourar meus próprios tímpanos, com verdades que as pessoas à minha frente aparentam não ouvir.
Repeti mais coisas do que escrevi novas... Ah, preciso conversar!

sábado, 18 de outubro de 2008

[...]

Um dia para coroar as últimas semanas cretinas! Ainda bem que acabaram (espero)...

"Garotos perto de uma mulher são só garotos..."

O poder da palavra é de revolucionar. A sua ação transformadora, estimulante, propagadora me faz acreditar que esta seja o principal instrumento de posse do homem, eu não sei, aliás, como nunca sei de nada, mas essa criatura me intriga: faz uso de suas habilidades das formas mais inadvertidas e imperiosas possíveis... Esse é só o prólogo das questões que estão rondando a minha mente nesse instante. Meus dedos formigam por colocar no papel idéias ainda não maturadas o suficiente, assim todas elas compõem o baluarte da minha indagação. Estou falando, é claro, das mulheres; gênero da espécie humana, filha do homem (talvez daí derive sua força) e detentora da fala. Sabe, por muito tempo pensei que encara-las fosse um desafio equilibrado, minha inexperiência me fez crer em momentos que nós estávamos em vantagem, afinal tínhamos toda a civilização a nosso favor, (in) felizmente hoje consigo enxergar melhor, me desvencilhei de paradigmas e preconceitos, vejo com clareza que todas essas sofisticações, tradições, princípios morais foram empregados com o objetivo simples de baqueá-las, suplantá-las na sua infinita astúcia e maliciosidade. Como um jogo, colocadas as regras de maneira a nos favorecer e mesmo assim perdemos, a cada movimento de suas peças, a cada expressão despreocupada e delicada de seu semblante competitivo. Talvez estejamos diante da estratégia da "terra arrasada", um blefe que terá por fim uma reviravolta inesperada no tabuleiro, mas não tenho certeza, apenas especulações, como disse de início, essa nunca foi uma das minhas virtudes: a convicção.
Creio simplesmente que somos cativos de seus engenhos e maquinações, em suas mãos somos tolos e brincalhões, agimos por instinto e nos deparamos em uma cilada, o cadafalso se abre, mergulhamos em sua teia e isso tudo antes de conseguirmos desviar de seu olhar: penetrante e incompreensível. Por tantos outros enganos acreditei piamente que os olhos fossem janelas para o interior, chaves para o desbloqueio do segredo corporal e obtenção do significado estrutural. Mas meu erro mostrou-se gritante quando percebi que em se tratando de mulheres sabemos somente a localização da porta de entrada, entrada para o labirinto; uma trama que se desenrola em caminhos e becos, fortuitos e convidativos, porém de desfecho inatingível ou inenarrável, um enigma de violação inaudito.
Por todos os séculos da existência humana estivemos a mercê de seu trato, nunca nos obrigarão a nada, mas a deriva de nossas opções as ondas da vontade foram mais fortes e nos trouxeram à sua praia, cuspindo o fel da indecisão nos entregamos às suas delícias. Acredito que por baixo da luta de classes, adjacente a seus diversos setores, nós travamos uma batalha durante todos esses séculos. Construímos as bases da civilité ocidental sobre os instrumentos de controle desta que sempre fora uma ameaça: taxadas de ingênuas e inocentes, eram na verdade dissimuladas e cruéis, utilizaram com destreza suas ferramentas, dotadas pela natureza, comandadas por um gênio inquebrantável nos fizeram tombar frente ao combate corpo a corpo, nossa saída foi o esforço coletivo para o engendramento de uma sociedade onde impomos mecanismos de subordinação - submetidas a estas instituições – as manteremos sob vigília e tardaremos a futura rendição. Quando enfim definharmos baixa por baixa e não podermos mais desfrutar deste imperium masculino poderemos encontrar em seus rostos desafiantes, dignos de admiração, a certeza da derrota, mas por enquanto não, desfilaremos ainda mais nossos sorrisos de satisfação nas mesas de decisão.
Meu principal objetivo nesse texto é registrar algo que eu sempre soube, algo que minhas últimas leituras me fizeram desconstruir e exprimir aqui algo que ainda não nos é evidente o suficiente. Não quero propor aqui, obviamente, uma mudança radical nos damos da humanidade; não quero eliminar, logicamente, a paixão na busca por um coração correspondente (tsc tsc) e não quero, finalmente, instituir um pessimismo excludente, quero somente divulgar um sobreaviso displicente. Quando o tesouro do ifrit revelou: "não há nada que nos empeça do que queremos" ela somente estava conjurando o que todos nós haveremos de saber algum dia, que todas as mulheres são na sua imagem e essência a personificação da perfídia e todas estarão destinadas, se o devir puder, ao décimo segundo círculo do inferno de Dante. Não importa de que maneira se concretize, as mulheres trazem isso por natureza, a traição de projeção voluntária é o guia para as suas atitudes impensadas. Penso mesmo que esse trato seja fruto desse egoísmo que lhe és inerente, não estou objetivando sentimentos humanos, não acredito de forma alguma que o sexo masculino escape dessa mácula, afinal, como poderia a raça humana se refugiar dessas "dádivas" que lhe são inatas? Dessa forma elas sabem, inconscientemente sabem, de seu potencial para o perjúrio e o utilizam inescrupulosamente. Somos, logo, reféns de seus artifícios, em poder das mãos do inimigo sofreremos os males de seu contrato de maneira invariavelmente irreversível. E o que hão de fazer nós os tolos homens? Qualquer resposta além do "nada" seria deveras pretensiosa e mais um desafio lançado à altura deste tempo só lhes faria arrancar escárnios...
A narrativa humana nos mostrou a realidade dos fatos, por mais que os afrescos as pitem como cândidas e doces os eventos históricos comprovam a interferência do dedo feminino no movimento das massas e dos impérios. O que a motivação de uma Joana Dárc não fez contra as tropas inglesas? O que a sedução de uma Cleópatra não fez aos comandantes romanos? E claro, também não posso deixar de ressaltar os efeitos deletérios que agripinas, carlotas e capitus tiveram para a humanidade, os desdobramentos de simples concelhos nos condenaria a séculos de percalços e feridas. Não pretendo a partir de este paragrafo traçar um cronograma das intemperanças de seus atos que com certeza remontaria do Gênese até a nossa contemporaneidade, me seriam indispensáveis novas páginas e outras tantas fontes, mas destacar que quando o senhor Deus dos cristãos disse a Eva após a 'violação': "multiplicarei os sofrimentos de teu parto; dará à luz com dores, teus desejos te impelirão para teu marido e tu estarás sob seu domínio" nossos Deuses já tentavam nos antecipar contra o mal que estaria por vir e nos cediam as primeiras armas.
Meu texto certamente não escapará de ironias, minha intenção, como já foi sublinhado, não é criar um consenso, não pretendo com isso ser decisivo em suas opiniões e definitivamente não quero me enclausurar desta existência mundana, escrevo isso de fato unicamente para preservar na memória mais uma das lições que ainda me ensinou e para ocupar minhas madrugadas desacordadas... Voltando ao ponto de partida quero tecer mais algumas considerações sobre a palavra, se as mulheres são o que são, é porque conhecem a distinção desse instrumento. Já vi muros caírem e se erguerem por simples pronunciamentos; já distingui derrotados e vencedores por meros discursos; já tive vontade de matar pessoas por tolas frases impertinentes. Esse texto acaba não só sendo por 'elas' mas também por este substantivo feminino, no entanto este tema merece um post independente e por isso ficarei por estas linhas desejando algum dia não me sentir traído quando me referir a elas, às amazonas desumanas e depravadas!
Sinto que ainda tinha tanto a escrever sobre isso...