quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Mi túnel

Minhas palavras encontram sua mirada triste e distante, uma expressão surda impossível de ser resgatada. Desespero-me e me perco em seu silencio porque era sua a mão que segurava para me guiar na escuridão. "En todo caso habia un solo tunel, oscuro y solitario: el mio, el tunel en que habia transcorrido mi infancia, mi juventud, toda mi vida." Por que e tão difícil para vc me dizer o que passa contigo quando já sabe tudo o que sinto? Pediste a mim que te esperasse para se amargurar com a sua solidão? Por mais uma vez intento, passos ligeiros e vacilantes me levam ao seu encontro, isolada aos fundos da casa em funções domesticas, beijo seu ombro com terna e angustiante ansiedade. Meu caminho de regresso carrega a mesma áurea dos derrotados.
Tantos insucessos na reconquista pelo seu amor me fazem anuviar as vistas e contaminar meus racionamentos. Por que afasta seu braço de meu corpo mendicante, movimento seco que se traduz em olhares que evitam o encontro com o meus olhos. "¿Me querés, solo le pregunto eso, me querés?" Ainda espero saber o significado de seu desejo de entregar a Deus o destino de seu futuro já que seus atos de hoje me parecem tão imbuídos de um juízo calculista e cínico. Se afasta de mim quando tanto tenho para doar-te. Penso então, que depois de tanto tempo caminhando juntos nossos projetos seguem paralelos, se apartando a cada dia que passa, para não mais nos reconhecermos em nossos gestos e dúvidas depois daquela forquilha inoportuna.
Encontro-me novamente em meu quarto refletindo na escuridão o que farei dessa cicatriz ingrata. Pois é a esse espaço torpe e fechado que pertenço, onde não preciso mais abrir as janelas para saber quem eu sou. Meus pensamentos mortificantes são todos seus, assim como as palavras que nunca quis compartir, por fim meu ato final será por ti conhecido cujo fim irá celar para sempre nossos destinos. Seu corpo que descançava na relva fugindo do mormaço que marcaram nossos últimos dias nesse verão será encontrado sem vida, delicado e inocente como sempre preferiste se apresentar, perfurado a facadas abrigando o livro que abandonei para enterrar essa história maldita, El Túnel de Ernesto Sabato.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Eterna fuga

As vezes penso que o meu nascimento foi como uma grande caminhada porque eu já nasci andando. Pelo menos gosto de relacionar a minha origem com o que eu apenas sei fazer. Melhor, mais do que caminhar eu sei correr, correr e fugir. É o que eu sempre estou fazendo, não? Fujo daqueles que aparentam me amar e fujo daqueles que demonstram me odiar. Minha narrativa, então seria como de um grande suspense tedioso porque palavras como perseguição, paranóia, medo e receio abundariam sem nunca se conformarem como uma conclusão. Isso me traz a recordação do diálogo que hoje tentei semear entre os meus alunos. A idéia da eterna busca.
Será que fugir é a minha maneira de dirigirme ao que eu busco? E se isso é verdade, o que no fundo eu busco? Provavelmente então, tal tesouro se oculta ao alcance dos homens, onde eles estão é onde eu não quero estar. Fugi hoje de novo e enquanto caminhava - como quase impelido pelo movimento involuntário das minhas pernas - desejava volver o corpo e degladiarme com aquilo que me pertubava. E estou até agora ansiando pelo regresso; retorno este que a cada hora, dia e semana que passa vai restando como mais impossível e mais intangível, quiçá até inimaginável. Por que me foi e é tão difícil sustentar meu corpo acocorado naquela condição desleixada e levemente indiferente?
Será que sua porta se manterá aberta quando da minha volta? Seria merecedor de tamanha indulgência e generosidade? E tudo isso faço sem mirar minhas costa com medo de que minha retina encontre com outra que reclame a minha presença. Saiba então, que não adianta gritar pois sou surdo àquilo que meus olhos não querem ver.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A 29 Bienal inteira é um mar

A Bienal inteira é o mar, uma grande massa de água em que milhares de ilhas compõem um estranho arquipélago, pelo menos era o que as crianças gritavam em uma das minhas visitas e nós, educadores, funcionários e visitantes nos encaixamos como nessa história? Como no verso de Jorge Lima ou na fotografia de Maiolino a metáfora do barco me parece atraente, um barco frágil de papel ou madeira que navega vacilante e sem definição de rumo. Seja em um copo, na palma das mãos ou aventurando-se pelo declive da rampa de Niemeyer esse espaço oferece diversas e incertas possibilidades. Como orientação temos as gigantescas bussolas artesanais, legendas camufladas nas paredes brancas e os membros da tribo dos camisas verdes da qual eu faço parte. Mesmo assim, sinto-me livre a deambular por entre veredas sinuosas e pelos salões escuros em busca de minhas experiências íntimas e convido os outros para o mesmo fim. Significá-las creio seja o mais difícil, mas também o mais desafiador e intento esse percurso todos os dias porque sei que dar significados a elas é o meio pelo qual eu tenho para revivê-las, como disse T.S. Eliot.
Já me perguntaram se é suportável lidar sempre com as mesmas obras todos os dias, contesto que meu trabalho não se dirige tanto as obras, mas antes as pessoas que as visitam, minha instigação então, ou o vento que não deixa as velas do meu barco mortas está nessas mesmas perguntas que me inquirem. Está no envolver dessas delirantes rotas da descoberta que se entrelaçam entre as minhas e as do público. Quem diria que algum dia eu estaria aberto ao diálogo com a Arte Contemporânea, quem, antiquado, sempre se mostrou adepto da arte contemplativa agora podia passar horas de intenso exercício reflexivo com o som da caixinha de música de Anri Sala. Muito do que eu disse para meus alunos de passagem hoje eu assimilo como parte de mim, pois, se o museu é mundo como ditava Hélio Oiticica acho que estive buscando inspiração nos salões brancos errados. Será que depois de tanto tempo emergido nas águas desse oceano hoje a arte desponta como um dos meus horizonte na conquista da verve (emprestando o termo de uma das grandes professoras do interior que me acompanhou)? Penso a acima de tudo como instrumento para transformação não apenas para mim, mas, da mesma forma, para os estudantes que me escutaram. Afinal todos nós estávamos e ainda estamos em um processo de formação nisso que convencionamos chamar aqui de Arte e Educação.
Nascemos e morremos muitas vezes durante a vida, não sou o mesmo de ontem e serei outro depois de amanhã. É difícil empregar essa equação nesse trajeto de sete meses onde tantas memórias se debatem com o benfeitor do esquecimento, tantas vezes que tropecei para no final revelar tantas outras coisas sobre minha pessoa. A arte de viver – lançando mão da expressão de Godard – também foi a arte de aprender/ensinar, de me perder na pergunta de alguns e empreender uma nova leitura na resposta de outros. Essa relação que nós educandos tivemos tem muito da sensualidade das obras de Arthur Barrio e Amélia Toledo onde o toque, o olfato e o instinto guiavam-nos em novas direções. Já nesses dias de epílogo sinto certa nostalgia dos diálogos que findam, da rotina cambiante e do espaço em vias de extinção que tanto me marcaram esses meses; como primeira experiência na educação vislumbrei o que acho que seja a minha vocação, desenvolvi o que talvez seja meu método e ultrapassei algumas barreiras que eu tinha como limitadora. Creio em suma e posso dizer que desapunhalei a minha língua. Em uma das minhas visitas favoritas terminei por falar da inexistência de uma verdade única e como aquele salão expositivo representava uma multidão de outras verdades, que se não necessárias serem levadas como máxima, deveriam pelos menos serem consideradas, pois a resposta crítica não está nelas e sim naquele que observa ou em como Bob Dylan canta: The answer, my friend, is blowin' in the wind The answer is blowin' in the wind.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Minha caixa de Pandora

"Esses papéis do passado qe guardo numa caixa são meu zoológico particular: ali estão trancadas feras de tamanho reduzido: lagartos, serpentes de pele fria. Basta abrira tampa para ver como se movem, minúsculos, tal como as minúsculas placas de gelo que navegam em meu sangue. No redil da história apascento os animais da manada: alimento-os com
a carne de meus próprios pensamentos.

Esta noite, ao mergulhar a mão direita na caixa onde guardo meus papéis, os animais subiram até meu antebraço, moviam as patinhas, as antenas, tentando sair para o ar livre. Esses répteis que se arrastam por minha pele cada vez que resolvo mergulhar a mão no passado provocam em mim uma infinita sensação de repugnância, mas sei que o roçar escamoso de seus ventres, o contato afiado de suas patas, é o preço que tenho de pagar toda vez que quero comprovar quem fui."

De tanto revolver aquelas pastas de alfarrábios deixo as criaturas atiçadas e perigosas. Aqueles papéis velhos não são tão meus hoje como o são deles agora a casa, pertubar aquele abrigo de memórias e poeira concorre um pouco contra a minha própria segurança. Não tenho medo apenas de picadas peçonhentas, mas também de que criaturas mais possam ter sido geradas naquele ambiente inóspito. É um pouco também daquele assombro que sinto ao contemplar as fantasias que minha mente ociosa põe-se a produzir em estado de vigília. Quimeras que não se relacionam apenas com alternativas encantadas de mundo, mas também com perspectivas bem reais ao mesmo tempo que pouco tangíveis para minha vida.
É de tal asco a sensação que se origina daquele movimento sinuoso e vertiginoso de mil pegadas e belicões em meu corpo, sobre a intimidade de minha epiderme que meus pelos se eriçam e a ânsia de vomito é de pouco controle. É a certeza ou a incerteza que me fazem arriscar a minha paz e insegurança ao reviver aquelas películas sem cores e muda que foram meus dias passados? Busco uma mentira que me ajude a negar a verdade sobre mim mesmo ou o inverso para dialéticamente reconstruir uma versão dos fatos e das minhas feições. Porém, antes que eu chegue a metade do segundo calhamaço de documentos já me vejo envolvido por espécies de bestas semelhantes só às das antigas lendas aborígenes. Sinto-me como embuído do mesmo atrevimento de Pandora ao abrir aquela caixa de males. Como para a humanidade foi uma perdição a mim mesmo não existiu um epílogo diferente.
A sede que enseja a ambição dos meus gestos convulsivos é parte daquela busca pelo autoconhecimento que guiou tantos homens. Só que em meu exemplo, não deslumbro a chave para meu caso em uma jornada de revelação espiritual, mas sim na faxina de um soltão velho. Versão se não tão épica ou romântica, é ao menos interessante nesses domingos novos cuja as horas se arrastam com a mesma morosidade em que sacudo o pó desses móveis sem donos. Do desprezo pela quantidade de vermes e insetos que espreitam pela frestas das paredes, penso que tal impressão não muda de caráter ao pertubar a tranquilidade de seus irmãos que guardaram minhas relíquias pessoais.