quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Solidariedade proletária

"A Revolução é feita com sangue!", dita estas palavras, seus olhos brilhavam de uma cor parecida com a da vingança. Rutilância obscura e atraente, envolvia a todos em um discurso de transformação e beneficiência. Uma multidão de esfaimados o ouvia na praça central - refletia-se, em contrapartida, em suas retinas não apenas a imagem de um colosso impávido com microfone na mão - mas também a voz da expectativa. Para muitos, não a primeira e nem a última, mas a única chance trazida por um guia de frases impactantes e de carisma perigoso. A direção do movimento estava apontada, bastava segui-la com sacríficio e coragem em punhos, sentimentos em falta onde muitos estavam guarnecidos apenas de pedras e foices.
As fileiras de esperanças avançavam, contra a incerteza e o pessismos, eles catavam em coro: "juntemos todos na luta final", avivando o espírito com tão belos votos, espalhavam ao vento os desígnios de uma nova era e ao mesmo tempo espantavam o frio de suas juntas. Não era possível não se orgulhar dos fihos e maridos que compunham aqueles rostos, todos tinham em seu corações e mentes apenas um ideal - a segurança de uma família, de um país. "Estamos aqui para quê? Para a rendenção!" A liga que estabelecia aquela conciência de condição tinha muito desta convicção. E a quem miravam quando estas máxiams lhe assomavam à mente? Para o lider da Revolução, que lhes emprestava a razão e tomava de volta seus corpos.
Horas depois, quando a poeira assentava e os tiros não mais eram disparados, múrmurios de dor e embuste podiam ainda ser escutados no campo de extermínio. Ruína, ruína, ruína! Para onde era lançada a vista, o vermelho da neve tingida embaçava-a. A nova ordem tinha gosto acre e apenas excitava o ódio de seus sobreviventes, a vigança seria dirigida a quem? Aos guardas do déspota ou ao líder infiel? Mas onde estava o último? Não mais se podia vê-lo pois, estava sob aquela cetena de corpos mutilados, teria sido ele, o primeiro contaminado com a loucura de seus irmãos...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Estamos esperando o Godot

O que estamos esperando? Cada um de nós, a partir do instante em que a escuridão e a segurança do útero nos é retirada, põem-se numa tediosa e infindável espera. Mas a espera de quê? Questão de difícil trato, quiçá de insondável resposta, mas de um desconforto na língua que a torna premente por resolução. "Estamos esperando o..." e de tanto prorrogar o fim de nossa busca começamos a colocar em dúvida a sua finalidade. "Ele vai vir hoje? Não, mas amanhã concerteza." E a angustiante espera nos faz não sair do lugar, porque não adianta o quanto nos movamos, nos afastamos ou mudamos, estaremos sempre a mercê deste compromisso. Inadiável, inapelável, inevitável ou antes, mera fantasia de alguns vagabundos que vieram antes de nós... "Devíamos ir embora, então. A gente não pode. Por quê? Estamos esperando..."
À alternativa que podemos lançar mão dependerá a nossa salvação ou punição. E quem é que escolheria morrer condenado? Por um acaso a imundície deste mundo de merda pode agradar alguém. Talvez aos que continuram loucos após o parto pertença uma realidade menos dolorida e duradoura. De fato, o tempo passaria igual tanto a uns como aos outros e todos nós estaríamos, de uma forma ou de outra, submetido a esta espera. "A não ser que nos enforcassêmos aqui nesta árvore. Não podemos. Por quê? Estamos esperando. Esperando quem? O Godot. É mesmo!"

sábado, 19 de dezembro de 2009

À quina do cofre ou à eterna busca

"Influenciado pela carta de Sazonova, vc me escreve sobre "a vida pela vida". Humildemente, agradeço. Pois a carta dela, tão cheia de vida, parece-me mil vezes mais com um túmulo do que a minha. Escrevo que não há metas e vc entende que considero indispensável tais metas e que eu teria muito gosto de sair à procura delas, ao passo que Sazonova escreve que não se deve seduzir o ser humano com vantagens que ele nunca vai receber... "Devemos prezar aquilo que existe" e, segundo a opinião dela, toda a nossa desgraça consiste em sempre buscarmos os fins mais elevados e mais remotos. Se isso não é uma lógica de camponesa ignorante, é uma filosofia do desespero. Quem acha sinceramente que fins elevados e remotos são tão desnecessários ao ser humano quanto são a uma vaca, e que nesses fins está "toda a nossa desgraça", a essa pessoa só resta comer, beber, dormir ou, quando ela estiver farta, tomar um impulso bem forte e bater com a testa contra a quina de um cofre."

Um sorriso de gozo desmoderado faz me refestelar na poltrona quando da leitura das últimas linhas desta carta; não apenas a ironia ácida, mas também o profundo senso acerca do ser fundamentam minha admiração pelas letras deste escritor. Partindo do princípio de que a vida no faz entender a obras, e vice-versa, e de que esta relação dialética é essencial para compreensão do todo não posso deixar de assumir como aprendizado este curto parágrafo que transcrevo, assim como muitos dos outros contos e referências (vide memória do dia 22/11/09) deste que escreve a vida como ela é.
Marcado significativamente na minha carne está o erro de se viver a vida através do prisma sensacional dos sentidos. O vazio da vivência sinestésica só pode ser preenchido através da interpretação, afinal é "impossível abster-se de pensar" e a tradução das experiências humanas produzem a matéria essencial da vida e da filosofia. Então os fins elevados e remotos devem ser divisados no horizonte como um objetivo, digo, para aqueles possuem afã para empreender tal jornada, sim, não obstante existe aquela casta de seres que se permitem subsistir na mediocridade, para estes não tenho nada a dizer. Afinal no alto da nossa pequenice existem mundos ou realidades e afiançar-se a paradigmas limitantes nos obstruem do contato e não é possível suprimir em mim esse querer de saborear todas as coisas.
Turbilhão que pode tomar de qualquer um a segurança e a sanidade, eu admito, para alguns tal caminho seguiu-se a loucura. Mas lançar a vista ao céu e exergar apenas nuvens e estrelas, apesar do espetáculo, pode ser tão pouco para alguns/para mim. O que Sazonova teme é a decadência moral, o caos do mundo civilizado conhecido, a ruína da rotina! Nós ambicionamos a criação - eu pelo menos nunca me contentei com a síndrome de guliver.
Abandonar o lar, as condições primais de conforto e juízo, suicídio ou não me proponho a tal busca ou pelo menos não nego tais quimeras. As eternas questões que alvoroçam o âmago da humanidade não se aquetarão com a simples imobilidade. Afinal como saberemos se não tentarmos? Se puramente nos omitirmos de aludir à questão estaremos realizando um bem contra este ensejo natural que pulsa dentro de cada um de nós? Desgraça é a dúvida e a incerteza!

Não posso me poupar de agradecer a quem me apresentou presente obra, uma das coisas boas suas que ficaram, de sempre referendado escritor.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O mistério que está escrito nos tigres

Absorto em pensamentos triviais - uma atividade dedicada a espera - matutava com meus botões sobre a irrealidade da vida, sobre a intagível totalidade do universo; um quê de medo e resignação guiava meus passos, me pertubava a ineficiência do meu juízo ao mesmo tempo que brevíssimos comichões de alegria provocados pela cordialidade de pessoas anônimas me afastavam do meu embate. Sabe, é nesses remotos pontões donde reina a intemporalidade e seus habitantes estão envoltos em uma empatia coletiva que consigo arrefecer os ânimos de tantas incertezas. Foi aqui, neste canteiro de mundo que me encontrei distante de mim.
Não me foi dada uma grande revelação, não me propus uma jornada de auto-conhecimento e muito menos entrei em estado de meditação monástico. Simplesmente parei por alguns intantes e instei-me a contemplar o todo a minha volta. Será mesmo tão complexo o racicíonio que me leva em um lapso de tempo de um insignificante grão de areia ao vasto universo? Não eram somente devaneios os resultados de minha vigília, apesar de aparentar estar sonhando acordado, me encontrava em completa interação com o espaço; pois meus pés sentiam a terra entre meus dedos e a suave aragem não enfrentava resistência em meus cabelos. Pensava e por hora desse repouso, ativana contra o comportamento humano o dinâmismo da vida, uma continuidade que colocava em causa todas as convicções do ser simplório no qual nos transformamos. Era então, tão importante ser eu naquele instante, naquela realidade? Meu corpo ardia sobre o sol assim como todas as outras criaturas, inertes ou móveis, algumas das quais serviam me de alimento, outras que pereciam sob os anos no solo no qual eu também me assomaria como matéria, como parte desta entidade. Eu deveria ser reflexo de alguém/algo passado do meu tempo, da mesma maneira que este teria sido eu antes de nascer.
Sim, todas essas coisas ocupavam a minha cabeça minutos antes de olhar para o céu e notar o meio caminho já percorrido pela estrela solar dando a hora para me levantar e seguir para o almoço. Então, deixava para trás a vaga idéia que confortaria todos os dias de todos os homens.

domingo, 13 de dezembro de 2009

A casa de Astérion

E a rainha deu à luz um filho que se chamou
Astérion.
APOLODORO: Biblioteca, III, I.

"Sei que me acusam de soberba, e talvez de misantropia, talvez de loucura. Tais acusações (que castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo número é infinito) estão abertas dia e noite aos homens e também aos animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas femininas, nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Por isso mesmo, encontrará uma casa como não há outra na face da terra. (Mentem os que declaram existir uma parecida no Egito.) Até meus detratores admitem que não há um móvel na casa. Outra afirmação ridícula é que eu, Astérion, sou um prisioneiro. Repetirei que não há uma porta fechada, acrescentarei que não existe uma –, fechadura? Mesmo porque, num entardecer, pisei a rua; se voltei antes da noite, foi pelo temor que me infundiram os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a mão aberta. Já se tinha posto o sol, mas o desvalido pranto de um menino e as rudes preces da grei disseram que me haviam reconhecido. O povo orava, fugia, se prosternava; alguns se encarapitavam no estilóbato do templo dos Machados, outros juntavam pedras. Alguém, creio, ocultou-se no mar. Não em vão que foi uma rainha minha mãe; não posso confundir-me com o vulgo, ainda que minha modéstia o queira.
O fato é que sou único. Não me interessa o que um homem possa transmitir a outros homens; como o filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita. As enfadonhas e triviais minúcias não encontram espaço em meu espírito, que está capacitado para o grande; jamais guardei a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência generosa não consentiu que eu aprendesse a ler. Às vezes o deploro, porque as noites e os dias são longos.
Claro que não me faltam distrações. Como o carneiro que vai investir, corro pelas galerias de pedra até cair no chão, atordoado. Oculto-me à sombra de uma cisterna ou à volta de um corredor e divirto-me com que me procurem. Há terraços de onde me deixo cair, até me ensangüentar. A qualquer hora posso brincar que estou dormindo, com os olhos fechados e a respiração forte. (Às vezes durmo realmente, às vezes já é outra a cor do dia quando abro os olhos.) Mas, de tantas brincadeiras, a que prefiro é a de outro Astérion. Finjo que ele vem visitar-me e que eu lhe mostro a casa. Com grandes reverências, digo-lhe: "Agora voltamos à encruzilhada anterior" ou "Agora desembocamos em outro pátio" ou "Bem dizia eu que te agradaria o pequeno canal" ou "Agora verás uma cisterna que se encheu de areia" ou " lá verás como o porão se bifurca". As vezes me engano e os dois nos rimos, amavelmente.
Não só criei esses jogos; também meditei sobre a casa. Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um pesebre; são catorze [são infinitos] os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo. Todavia, à força de andar por pátios com uma cisterna e com poeirentas galerias de pedra cinzenta, alcancei a rua e vi o templo dos Machados e o mar. Não entendi isso até que uma visão da noite me revelou que também são catorze [são infinitos] os mares e os templos. Tudo existe muitas vezes, catorze vezes, mas duas coisas há no mundo que parecem existir uma única vez: em cima, o intrincado sol; embaixo, Astérion. Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a enorme casa, mas já não me lembro.
Cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte de todo o mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente para procurá-los. A cerimônia dura poucos minutos. Um após o outro, caem, sem que eu ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um dia chegaria meu redentor. Desde esse momento a solidão não me magoa, porque sei que vive meu redentor e que por fim se levantará do pó. Se meu ouvido alcançassem todos os rumores do mundo, eu perceberia seus passos. oxalá me leve para um lugar com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor? – me pergunto. Será um touro ou um homem? Será talvez um touro com cara de homem? Ou será como eu?
O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de
sangue.
– Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu. – O minotauro mal se defendeu."
(A Marta Mosquera Eastman.)

Arrepio na espinha! Senti aquele toque de humanismo dado a figura da besta e que me comoveu sensívelmente, vc também não sentiu a presença de uma criança que brinca entre vielas e becos? Devo admitir minha admiração pelas suas letras, um assombro que se transforma em respeio quando penetro no universo de seus contos e máximas, experiência única em muitos sentidos. Como a criatura metade homem, metade animal também espero a minha redenção e acredito mesmo que, como a sina deste, esta venha em forma de carrasco.

Arrependei-vos, discrentes!
Grato, Borges.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Lepra

Tire as vistas de mim, não sabes quanto um olhar pesa? Está vendo estas marcas?! Os meandros, sucos e saliências de baixo relevo que o câncro cutâneo provocou, agora tomam toda a minha face... eu sei, não é uma bela cena de se apreciar. Este mal que consumiu meus dias em lágrimas de dor e agonia, também me tencionaram a este comportamento misantropo. Guardo então, meu dias com o mesmo ardor da tarefa que o rei Sísifo tinha de realizar, garanto-lhe, é estremamente penoso. Me refugio então, da existência sem nada dever a ela, porém ainda com a conta aberta, aguardo quando serei finalmente ressarcido.
Em eras mais antigas que esta, a minha condição seria a de expurgado, perseguido e encurralado por uma turba empossada de pedras e forcados - não teriam miséricordia - e minha miséria encontrariam um fim. Não, em momentos assim palavras não surtiriam qualquer efeito sobre rosnados ensandecidos. Então por que tentar? Não haverá outra Revolução e este anacronismo me deixa desnorteado e sem sentido. Tudo isto porque minha aparência para eles era repulsiva e perniciosa, mas nem sempre fui assim; nem sempre sai às ruas sob a corbetura da lua e protegido pelas sombras, meu rosto nem sempre esteve obrigado às vestes. E hoje? No tempo presente os homens nasceram como criaturas mais compreensíveis e inventaram novas formas de segregação.
Acho mesmo que poderia remeter a cada uma das chagas que cobre o meu rosto a cada uma das desventuras que compõe a minha história. Vê este furo que marca minha bochecha esquerda? Nesta pequena cavidade escondem-se todos os meus pesadelos - os males que atormentam meu sono e me fazem acordar gritando - que fizeram deste orfício o seu ninho. De fato, tudo que eu consigo despertar é a moléstia àqueles que cruzam o meu caminho. Mas então, por que persistes com este ritual, por que repousas suas retinas cansadas sobre meu estado desafortunado? Não achas que já tenho sobre as costas um fardo pesado por demais?! É o que dizem, a desgraça alheia só faz atrair olhares curiosos. Entretanto, não consigo distinguir o que tem neste brilho, pena ou desdém?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Excadescere

"Nossa mente é porosa ao esquecimento; eu mesmo estou falseando e perdendo, sob a trágica erosão dos anos, os traços de Beatriz."

Caminhando de passo rápido e faceiro, um garoto andou a se esquecer, de uma hora para a outra abriu mão de todas as suas recordações, não sei bem por qual motivo, talvez ele também tenha se esvaido com todo este esquecimento. Para o personagem deste post que tinha tanto apreço pelas suas memórias, ouvidá-las parecia em um primeiro momento descuido ou simples egoísmo, sim, pois aquelas reminiscências não eram apenas dele, ele as compartilhava com dezenas de outros individuos e essa escolha, a da extinção de seus vestígios nestes retratos mentais, era também a rasura de parte destes quadros para as outras pessoas - o que os invalidáva por completo. Para estas então, o que restava era somente um conto sem fim ou com uma lacuna, como uma tela por terminar em uma varanda de casa abandonada, vazio este que comprometia a beleza da história/pintura. O que fazer?
Assim se explicava aquela expressão altiva e a condução de gestos seguros e firmes: aquele pequeno exemplar de gênero humano recomeçava do zero e fazia isso a cada esquina atravessada e a cada porta aberta, era como se fosse a primeira e também a última, porque nada tinha fim ou ínicio, era sempre o nunca. Desta forma não existiam laços, nem raízes e muito menos mágoas - todas as pessoas eram ninguéns para ele, assim como ele para todo os outros. Viveu assim por muitos anos ou quiçá muitas horas, quem sabe? Tempo e espaço neste conto não são medidas. Aonde ele estava, então? Lugar nenhum. Para onde ia? Não existia. Conta-se apenas um não-registro da imagem daquele menino caminhando sobre a calçada como se esta fosse a única tarefa de sua vida e ao mesmo tempo como se ele fosse principiante no seu governo.. misturado, entende?
Um dia ele conheceu alguém, na verdade ele a re-conheceu muitas vezes em sua vida, exatamente por esta sina ditar que todas as vezes seriam a primeira vez. Então por que a esta ele fazia menção? Na verdade não fazia, era apenas um lapso de memória que o pertubava ou melhor dizendo, um dejavù que se repetia. Entretanto esta era toda a sua vida, não? Fato que não sabia, se quer suspeitava, mas alguma coisa acontecia toda a vez que se sentava ao lado dela, no assento do ônibus, no banco da praça ou daquele momento em que ambos encontraram-se jogados no gramado verde-claro do parque. Em todas estas ocasiões alguma coisa ficava, não era uma pedra, carta ou qualquer objeto material, era sim, um resquício imaterial, um pequeno traço ou um perfil que o guiava novamente para onde ela estava. Assustador, não? No entanto ele não tinha certeza, isto o assustava mas também o enternecia, uma sensação um tanto ambígua que o perseguia. O que dizer para si ou para ela/elas?
Nada o fez, pois nada adiantava, guardava somente esta impressão e a ocultava bem dentro de si quando o re-encontro sucedia, não podia lhe dizer que ambos estavam fardados a não se conhecerem. Não sei bem se posso alcunhar isto de conclusão, pois nem bem escrevo um ponto, um novo parágrafo descorre sob meus dedos e me desconcerto por não satisfazê-los com um real fim. Penso ainda na responsabilidade que poderá recair sobre o meu personagem, quando na verdade, toda a culpa desta maldade pertence sobretudo sobre ela que nunca se preocupou em ser unicamente uma, mas apenas muitas.

Esquecer ou lembrar, este sim, é a maior dualidade da vida.
"Death is nothing"

domingo, 22 de novembro de 2009

Tchekhov

Tão desolador esperar por transporte nos domingos, ainda mais para mim, estando no auge da senilidade. Nesta estrada empoeirada e isolada de tudo só consigo colher pensamentos angustiantes. Me pesa, não somente o corpo engelhado sobre as juntas dos tornozelos, mas também assistir ao tempo passar tão vagarosamente neste fim de tarde maçante enquanto que, por comparação, os melhores anos da minha juventude se esvaneceram com uma velocidade assustadora. É o tipo de paralelo que todos nós estamos fardados a realizar algum dia... A última década me ensinou a ser paciente e complacente com as minhas dores, da mesma forma, um tanto reflexivo, penso: "para que aliviá-las? Em primeiro lugar, dizem que os sofrimentos conduzem o homem a perfeição e, em segundo, se a humanidade aprender realmente a aliviar os seus sofrimentos por meio de gotas e pílulas, há de abandonar completamente a religião e a filosofia, nas quais até agora encontrou não só uma defesa contra todas as desgraças, mas até felicidade." Assim, deito meus resmungos sobre este solo fértil e indiferente, aonde as crianças das próximas gerações colherão flores e sorrirão.
Foram muitos os dias em que despreocupado levantava somente depois que o sol já estivesse alpino e nada além do meu estômago queixoso poderia interromper a minha alegria pujante então, saciava-me como se estas fossem as únicas vontades que meu corpo poderia fazer brotar. Hoje, já estou acordado a muito antes da luz do dia interroper o frio da madrugada. Sempre me disseram que o campo faria muito melhor ao homem idoso do que a confusão sonora e física da cidade poderia conceber, a estes que barulhavam em meus ouvidos, posso dizer agora que este ambiente puro e natural só me trouxe tosse e solidão. Em Moscou pelo menos eu tinha meus amigos com quem poderia me entreter, colegas que neste presente já perderam a paciência para se corresponder ou simplesmente faleceram, não posso saber mais...
De vez em quando, ainda consigo dar meus concelhos - ou papiltes se não quiserem que esta sentença soe antiquada demais - para aqueles que por educação poem-se a me escutar. Não só os apontamentos que a minha antiga profissão de médico validaria, mas também sobre os causos que o cotidiano comum nos reserva. Ah, mas nada me deixa mais contente do que relembrar minhas épocas de ventura, aqueles momentos que o frescor da saudade ainda mantém vivo em minha mente. Neste presente tempo não sei se conseguiria mensurar sobre o que eu teria mais aproveitado, se minhas paixões pueris correspondidas ou se a aflições dos meus desenganos amorosos. Diria pelo menos a vocês que os tive ambos e que os vivi intensamente.
De fato, ao comtemplar todo este espaço temporal vejo que consegui reunir uma mescla de sentimentos interessante, sentado neste roto banco de madeira, não tão velho quanto eu, posso admirar-me de quanto vivi, ao passo que a demora para essa carroça chegar apenas faz constranger-me. Fico então com raiva, muita raiva, um ódio que se acumula em fução das horas que não passam para que eu cumpra meu destino, do tempo que não chega para que termine a minha vida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Crisálida social



Já troquei de pele tantas vezes que não posso mais me lembrar do meu estado original, essa evolução lenta, mundaça paulatina de gênio e perspectiva faz parte do processo natural de desenvolvimento a que cada um de nós estamos submetidos. Como um grande percurso a qual nos é dado seguir desde o estágio larval, como se o grande esforço de romper a casca do nosso útero não tivesse sido suficientemente exasperante, assim nos colocamos à vista dos perigos que a natureza pode oferecer e das armadilhas que despertam nossa atração. Este prodigioso amadurecimento me faz pensar não apenas nos percalços que uma existência de poucos meses pode conter, mas antes me faz aspirar a todas estas outras cores e essências das quais a noite, quando relaxado em meu abrigo de folhas e pedras, me permite contemplar. Neste asilo de covardia e instinto não são somente os sonhos que me pertubam, mas as vontades também não me deixam repousar!
Um universo de sons e sensações - mergulhado nesse caldeirão de viço, não consigo me contentar apenas com este progressivo crescimento regrado; a vida que pungi destas flores e frutos me eleva acima destes condicionamentos limitantes, me estimula a anseios estranhos e comoventes. Deveria então, reservar a mim esta aventura de descobertas e desafiar o paradigma natural da evolução? Estou brincando com vcs e comigo, pois meus sentidos se dirigem a estas mesmas interrogações.. Não é tão simples assim desenlear a mentalidade que assume um membro da ordem dos lepidopteros e compará-lo aos estímulos que convulcionam o meu âmago provavelmente não me auxiliariam em nada. Claro, da mesmo forma, não foi este o objetivo inicial que guiou estas primeiras linhas. A analogia expressada aqui, antes, refere-se à edificação que estou erguendo ao meu redor, como uma soberba crisálida, preparo-me para me resguardar dentro deste invólucro vulgar! Nomeadamente um banker social, este casulo preencherá meus próximos 40 dias com a parcimoniosa tarefa de tecer o túmulo dos meus receios. A mesquinha arte de fugir dos meus medos será transposta aqui nesta fábula como a punitivo encarceramento de seda, folhas e ramos. Entreato de uma encenação que já perdeu todo o público da véspera. O que eu espero encontrar? Devo acreditar que me metamorfosiarei em uma entidade mais benigna e austera como uma borboleta? Estarei sendo justo ao fundar este reino de solidão e amargura? Não importa, porque a obras já estão iniciadas..
Eu realmente só posso ser comparado a um verme, criatura rastejante e pedinte que habita os recônditos mais sobrios e úmidos. Já que lanço mão apenas da pena, poderia registrar primeiro uma metáfora menos entediante e desaforturnada, algo mais íntegro e nobre, quiçá uma muralha de guerreiros destemidos e obstinados?! Porém, me perderia em infidelidade pois, o presente que minha mãe me deste foi uma pulpa e não um romance quixotesco.

[...]

Temos ainda tanto tempo, vc não acha?

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Big Bang!

"Todo o nosso universo estava em estado quente e denso, então há quase 14 bilhões de anos atrás a expansão começou... espere! A Terra começou a esfria, os autótrofos começaram a babar, os neandertais desenvolveram ferramentas, construímos a muralha, construímos as pirâmides, a matemática, a ciência, a história, desvendando o mistério de que tudo começou com um Big Bang!"

Começamos a jogar este jogo a 7 milhões de anos atrás como nos conta os registros da nossa querida Toumai, driblamos crises climáticas, existencais e biológicas, para enfim, no cimo do colosso do tempo admirar-nos do que construimos. Pois, de fato, toda a humanidade não passa de um prodigioso memorial erguido a ferro, sangue e reflexão; erigido com esmero desde dos primórdios do Homo Sapiens à capacidade de significação. Temos então, sobre as costas, uma obra que remonta a milhares de anos antes, cujos resquícios de suas atualidades passadas sobrevivem até hoje em nossos sonhos e projetos; planos para um mundo que está em constante mundança, que, entretanto, não perde nunca o seu arquétipo principal, dito perfeito, a própria imagem do homem. Estamos então, condenados a servimos de guias para nós mesmo, embrenhando-se cada vez mais, nesta selva secular e densa, marcando sempre o caminho de regresso.
Esqueceremos algum dia quem somos nós? Ou da onde viemos? Nesta trilha contínua aonde pretenderemos vislumbrar o indivisível, não nos sacrificaremos por uma pretensa vã? Pois, a graça esta realmente neste dilema: no cosmos criativo que é a nossa mente não existem riscos intransigíveis, não existem labirintos irretornáveis, somos tolos donos de nós mesmos! Acredite, temos o mundo em nossas mãos, exatamente por esta ser a nossa maior composição, ou pelo menos a de mais digno louvor. O universo surgiu da cabeça de um cientista solitário, a comunicação foi resultado de um anseio visionário e a fraternidade foi conquista da Revolução. Todavia, duvidas ainda do pontencial humano? A Matemática, a História, o Amor são estigmas identitários deste grande esforço que foi o edifício da humanidade. Da insignificante pequenez de um liliputiano a observar a elevação deste monstro - seus ornamentos, seus arrojos sóbrios e estravagantes - que pode assustar, mas em seguida deve orgulhar até o mais pessimista dentre os bípedes anões. Esta faculdade imaginativa já pintou os céus dos tons mais incrédulos e discrepantes possíveis, a viagem a lua foi fronteira que o senso comum nunca pensou ser ultrapassada. Podemos tudo ou simplesmente somos tudo? Temos um Deus corporificado pela vontade que há no interior do coração de cada individuo, seja ele indefeso ou destemido, há uma luz que ilumina toda esta maratona hercúlea.
Assistimos ao ínicio e estaremos aqui quando o momento derradeiro chegar ou quando quisermos que ele chegue, pois o renascimento ou o suicídio não são apenas das mais belas sonatas que ouvido humano pode apreender, são também daquelas que somente ele pode gerar! Ambas, tendo como particularidade una e vínculo impartível, o de provocarem tênues lágrimas de cristal.

domingo, 15 de novembro de 2009

Chuva

Estava quase amanhecendo, exausto, agradecia enquanto arrastava os pés pelo sol ainda não ter nascido para iluminar a minha face lastimável. Aquele longo percurso que me agraciava com sua ruas vazias me fazia sentir que as coisas não poderiam piorar, mas então, es que ao dobrar a primeira esquina ouço um trovão e o prenúncio de que o tempo me reservava uma surpresa agradável. Aos poucos e timidamente gotículas de água começaram a cruzar o céus e cristalizar o asfalto. Apesar da escuridão e da nebulosidade a lua atrevia-se ainda a se fazer presente. Meus ombros tensos e doloridos começaram então, a esfriar e a amolecer, era o fino vel de garoa que me cobria e protegia dos demônios que estavam a corroer o meu estômago. Satisfeito e grato por esta epifania, meus passos recobraram os ânimos - exageros a parte - não posso desconsiderar as circuntâncias em que o céus descarregou suas nuvens como um sinal divino.
Como um sopro de vida comecei a caminhar sem mais o receio de me deixar jogar na próxima esquina e desistir do retorno ao lar. Ferido, o lobo da estepe dentro de mim uivava e pedia abrigo, não passava pela sua cabeça que essa crise, se motivada, poderia destruí-lo. Dissipado essas angústias, comecei a prestar atenção apenas na chuva, além da ânsia que me levava a desejar uma verdadeira tempestade, pensava na perfeição de cada um daqueles prismas líquidos que vertiam, individualmente e singularmente, sobre o solo. Era realmente um espetáculo louvável. Acho que não há na natureza metáfora mais poderosa e eu como um pobre menino tolo, não posso abrir mão destas analogias espontâneas.. Já me disseram que eu abuso das alegorias por demais, a estes eu os condeno - não por quererem destruir a minha faculdade verborrágica - mas antes por quererem abolir a literatura! "Haha, vê este cubo de gelo, neste instante de perfeição, ele é único e eterno, eterno nesta minha maldita memória, porém tão efêmero quanto sua resistência ao calor ou ao seu esquecimento." Cultivar este tipo de experiências, só poderá me deixar maluco algum dia, será? O que o julgamento do grande Estado da Negação me reservaria sobre este assunto?
Então, tomado pela insanidade da ventura me postei no meio da rua e comecei a bradar para esta grande abóboda celeste e para os ouvidos surdos das 5h da manhã, "quem está ai? quem me ouve e manifesta-se através dos signos mais simples da natureza?" Para os incrédulos, eu digo que não obtive qualquer resposta, para o meu registro memorífico fica guardado a imagem do estalo do raio que rasgou o firmamento naquele instante! Sabe o que é mais engraçado ou intrigante?! Após finalmente botar sobre a minha calçada meus pés fadigados, aquela garoa que me acompanhou todo o trajeto cessou de súbito, pergunto então, eu tive um diálogo aqui?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

[...]

Quatro atos de solidariedade em apenas 10 minutos? Viva, a humanidade ainda tem saída!...

Dor de estômago

Ela começa com um pressentimento inocente e ingênuo, um peso que percorre meus tubos gástricos e convulciona todo o meu sistema. Da onde vem tanta incoerência? Puro e simples desejo de ser incoveniente? Não atento para os motivos reais dessa indigestão, acredito apenas, que seja do avanço da putrefação a origem de tão pestilento odor. Queria realmente me livrar desse incomodo, este desgosto que eu sinto todas as manhãs. Talvez eu exagere quanto a intensidade ou a frequência, na verdade elas variam bastante, porém todas tem o pico máximo no meu útero. Médicos (psicólogos gástrointestinais) não adiantam - já me bastassem as almas caridosas que após a despedida troçam pelas minhas costas - estou um tanto quanto farto disso, sabe? Essa ansiedade e impaciência que culminam com um péssimo dia ou com mais uma chance disperdiçada. Às vezes, é a própria pertubação momentânea das funções digestivas que me fazem recuar, uma desvantagem em tanto, eu diria; minha dignidade deveria ser poupada então, com a desistência? Talvez um atestado médico compense tamanha vergonha... eu não sei.
Ah, essas crises estomacais, antes elas se resumissem somente a náuseas e tonturas, mas não, vem acompanhadas com aquele rancor acre e desesperado - a ponta da língua deixa seu encargo degustativo de lado e passa a simples trampolim para toda a minha alma! Soam os alarme, todas as unidades imunitivas se põe em alerta, preparam-se para aquela tediosa batalha cotidiana contra o pessimismo e a vontade de morrer. Acho que o real desgate da minha psíco venha desta rotina intestinal desgraçada; antes fosse somente a minha estrutura física a avariada, mas não, temo por todo os meus eu's vacilantes e embriagados. E apesar de tudo isso tento manter as aparências - cumprir castamente aquele contrato social, do qual eu nada assinei, todos os dias. "Os olhos mentem dia e noite a dor da gente". Com tudo isso não seria nenhuma estranhesa se eu lançasse qualquer impropério ao menor sinal de contato, respostas aos "tudo bem's?" viriam do fundo do âmago... peço desculpas se não dei qualquer prévio aviso, se não levantei a bandeira de quarentena na sala do meu quarto. Vc me perdoaria por tanta miséria?
Conclusão? Esse descontrole entérico não tem fim, somente com o perecimento do meu organismo toda esta bile maldita e envenenada será finalmente expelida! Quiçá uma operação reanime meu entusiasmo e me tire deste estado catatônico? Não, todas as regras deste tabuleiro se comprometeram, desde cedo, em não dar espaço para a esperança jogar. Afinal, eu nunca fui mesmo daqueles que acreditassem em milagres.

domingo, 8 de novembro de 2009

Contato


Mirei meus olhos a vida inteira para o céu, na verdade todo o meu campo de visão está agora tomado por essa imensidão de tonalidades azuis e anis, pois abro minhas janelas não para prestigiá-la com as minha confidências, mas para receber esta experiência ímpar com profunda admiração e submissão. Minha insignificância perante tamanha infinitude é quase enobrecedora, sinto-me satisfeito sob seu acalento - seu véu de escuridão me cobre e seu silêncio embala os meus sonhos... Materialmente não, mas de alguma forma transcendental, estive a ponto de poder conceber a perfeição, a obra divina esteve quase ao alcance das minhas mãos. Tamanho deslumbramente padecerá apenas como ilusão, quando eu deixar aqui registrado a origem da transmição de tal revelção, sim, uma película cinematográfica.
É a reação humana ou a concepção natural do universo que somente um poeta poderia descrever que me impressionaram? Não sei, mas concerteza teria mais adjetivos para compor este quadro sensacional se o transe em mim provocado não tivesse durado somente alguns minutos. Minha comoção não reside apenas na representação de uma vida dedicada a uma meta ou da grandiosidade do cosmos eloquente. A questão aqui colocada não será o da existência ou não de vida extraterrena inteligente, visto que, para mim, o grande problema que assola a humanidade é o da solidão intraterrena. Neste mundo aonde somos motivados a visualizar o oco de nossas vidas e obrigados a olhar além do universo para descobrir que não estamos sozinhos, necessitaríamos além dos nossos pares de carne para nos entreter? Não foram somente as lágrimas do rosto da Dr. Eleonor que escorreram frente a um coletivo de incrédulos que tinham exigido antes o que eles nunca tiveram: fé. "Somos criaturas tão insignificantes e descrentes, mas também tão preciosas e compadecidas, acreditamos que estamos só, mas não estamos."
Ah, minhas retinas viraram espelhos durante alguns minutos enquanto refletiam nebulosas, galáxias, estrelas e cometas e me faziam perceber o quão reles era a minha presença no universo, mas a tamanha diferença que ela poderia ter enquanto durasse a minha existência na Terra.

Fé? Pois é exatamente assim, em passagens que a minha vida redige, que eu gostaria ou seria capaz de desvelar a minha crença ingênua na humanidade.

sábado, 7 de novembro de 2009

[...]

O pior é dia seguinte dos hematomas que não se sabe da onde vieram..

domingo, 1 de novembro de 2009

Vamos à Paris?

Voilà combien de jours, voilà combien de nuits,
Voilà combien de temps que tu es reparti
Tu m'as dit: "Cette fois, c'est le dernier voyage"
Pour nos coeurs déchirés, c'est le dernier naufrage
Tu m'as dit : Au printemps, je serai de retour
Le printemps, c'est joli pour se parler d'amour
Nous irons voir ensemble les jardins refleuris
Et déambulerons dans les rues de Paris!"


Dis, quand reviendras-tu?
Dis, au moins le sais-tu
Que tout le temps qui passe
Ne se rattrape guère...
Que tout le temps perdu
Ne se rattrape plus!

Le printemps s'est enfui depuis longtemps déjà
Craquent les feuilles mortes, brûlent les feux de bois
À voir Paris si beau en cette fin d'automne
Soudain je m'alanguis, je rêve, je frissonne
Je tangue, je chavire, et comme la rengaine
Je vais, je viens, je vire, je tourne, je me traîne
Ton image me hante, je te parle tout bas
Et j'ai le mal d'amour, et j'ai le mal de toi

J'ai beau t'aimer encore, j'ai beau t'aimer toujours
J'ai beau n'aimer que toi, j'ai beau t'aimer d'amour

Si tu ne comprends pas qu'il te faut revenir
Je ferai de nous deux mes plus beaux souvenirs
Je reprendrai la route, le monde m'émerveille
J'irai me réchauffer à un autre soleil
Je ne suis pas de ceux qui meurent de chagrin
Je n'ai pas la vertu des femmes de marins


Nós temos a nossa Paris, vc pode me dever crédito, mas ela está guardada no bolso, protegida entre papéis amassados e lembranças remoídas. No asilo deste regaço guardo o refugo de projetos interrompidos e descarnados - a isto darei o singelo apelido de París. Então, te convido mais uma vez a passear por suas longas avenidas de mãos dadas e com sonhos compartilhados; podemos seguir pela Champs-Elysées e tomar um chá as margens do Sena, o que me diz? Sei que vc vai encontrar um charme nestes velhos café franceses, talvez não aquele donde os philosophes se reuniam antigamente, mas posso te apresentar a melhor torta de maçã e sovertes da cidade!
Caminhando, segurando toda a presença daquele momento entre os dedos, sentia envelhercer-me à passagem das horas e das esquinas. Me pertubava a fragilidade daquele instante, a fugacidade daquelas sensações e o consumo de nossas vidas em filosofias circulares. Quer saber o que realmente me importa nestes dias de insegurança? É saber que na semana seguinte, após soar o apito da fábrica, eu terei a certeza de que repetiremos o mesmo trajeto da París que inventamos e que deverá ser invísivel aos olhos alheios para sempre. Em meio a turba dos uniformizados que enveredam pelas ruelas deste bairro operário guardo contigo uma verdade única e inestimável - a vida não é um mar de rosas e vc sabe - em tempos tão difíceis, sinto que somente o seu corpo poderá me aquecer.. Sabe, não receio pelos ventos do sul que carregam consigo invernos rigorosos e duradouros; meu temor maior esta nesta indiferença fria que endurece nossos corações. Pois, é esta a verdade que nos une, seremos capazes de transmitir a nossos filhos ou reeducar nossos pais?
Lembra daquele dia de verão quando sob aquele céu grandioso eu me joguei ao chão e vc, vc mesma!, em vez de querer me levantar se jogou ao meu lado? Na praça da torre Eifel não tinha quem não passasse olhos desconfortados sobre nós e a fuligem que se misturava às nossas roupas nesta avenida vulgar... Éramos risos e carícias - soube daquele dia em diante que nem a desgraça mais miserável poderia nos separar, seria um crime, eu jugo.
Conto tudo isso, com dor e alegria mesclados no peito, não para envaidecer o inevitável e lastimável fim que condenou a nossa fábula, mas unicamente para elevar a herança que tu deixastes em testament. Não falo de algo material e efêmero, afinal o que temos além das roupas que nos vestem ou do banco do Trocadéro, nosso jardim preferido em toda Paris? Estou pensando antes no canteiro fértil ao lado deste mesmo banco aonde começamos a cultivar a nossa verdade.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Adorais aos que morreram!

Como explircar meu apego ao pretérito, este fanatismo quase obsessivo por aqueles que já não estão mais comigo? Um afeto terno devotado a pessoas e momentos mortos; terá alguma causa ou justificativa plausíveis em tempos que a apelação material sobrepõe-se a elevação do espírito? Talvez minha fixação tenha relação com o plano infernal das vontades não atendidas, aonde o único modo de satisfazê-las estivesse orientado a instantes passados em que elas foram saciadas ou à fantasias de pleno gozo dos meus desejo mais íntimos! Dois caminhos prováveis se levarmos em consideração que ambos são alimentados pela minha memóra - faculdade que não sabe mais a diferença entre realidade e imaginação. Pois, então estarei tão afastado assim do meu nirvana pessoal? Minha afinidade aos mortos terá natureza tão simplória? Penso que não.
A dedicação expressada em meus verso, minhas cartas e desenhos não se refere às pessoas pura e simplesmentes, seres de carne e osso, tão voluveis como o nível do mar. Acredito mesmo que minha veneração a certos fantasmas - reflexos de um tempo que não volta por mais que eu clame - esteja dirigida na verdade às minhas reminiscências, bastiões imaculados da minha persistência em viver. Minhas memórias são de fato, não uma dádiva concedida pelo Olympo ou um tesouro poupado com anos de sovinice, mas o que me sobrou, aquilo que eu verdadeiramente tenho. Sabe, uma vida de 40 anos reserva alguns minutos de intenso brilho e outras tantas horas de extensa agonia, uma multidão de conhecidos e desconhecidos, seres que marcarão presença por atos falhos ou passagens de extrema significância, como aquelas primeiras vezes... Porém por dadas circunstâncias, incongruências do percurso ou do próprio discurso nos vemos afastados; separações que provocam dores lacinantes e intermitentes. Estaremos no fim da linha? O que será de mim quando não puder mais abrir esta janela que afronta minha vista com fronda de tão verdejante beleza? Meu amor reside sobre as pequenas coisas, entre elas, minhas lembraças, principalmente as mais latentes e pitorescas, detalhes deste quadro confuso e problemático que é o meu inconciente. Logo, aquela veneração não corresponde mais áquilo que está vivo, mas apenas ao que morreu e foi absorvido pelos meus poros.
A carne apodresse, a aragem varre as folhas secas do jardim, os laços se desvencilham e o amor náufraga em mentiras e promessas - então a que devo confiar meus sentidos? Posso comprometer as estruturas do meu edifício moral com material tão vagabundo?! Minhas recordações são eternas e inalienáveis, material bruto que compôs alma e corpo. Perduraram neste palimpseto mental histórias que comoverão as alianças mais longevas, motivarão os cavaleiros mais leoninos e salvarão os gênios mais corruptos! Se em mim elas tem apenas algumas décadas a mais, nestas páginas elas duraram para sempre.

[...]

Começo a pensar que este blog é o último laço que nos une...

sábado, 17 de outubro de 2009

Geração Cimento

Quem nos disse que a terra daria tudo que pedissemos esqueceu de perguntar ao céu as condições que ele colocava; prometeu aos homens que um novo império seria erguido às custas da natureza domesticada e convenceu as árvores de que elas não seriam prejudicadas; sufocou a terra com pedra e mármore para sustentar a civilização que aflorava, esta,- independente da vida - cortou o cordão umbilical de sua mãe e declarou-se onipontente, onisciente e desta forma, lançou-se em busca da onipresença. Estaremos nos quatro cantos do planeta, bradava a voz que conquistaria os selvagens e daria a nova ordem. Prefácio da ruína que condenaria os homens à adverdidade.
As idéias, não sendo mais de uma base orgânica, prometiam uma relação mais intensa com o ambiente e por isso superficial, seria o contrato artificial que regiria a pós-modernidade. O advento que uniria os homens contra seus pares, contra seus pais, promoveria o ideal da autonomotividade. Logo, não teríamos mais o que aprender com nossas origens, seríamos lobotomizados pelo bem da humanidade, um fim que nos relacionaria intimamente com o produto da nossa inventividade: a máquina. Não falo de substituição, meu temor maior é assimilação! Perdemos nossas raízes a partir do momento que nos afastamos da terra que afagava nossos pés, nos entregamos ao concreto como aquele que se lança ao pecado de sua amante. Pois não foram as árvores e os minerais que nos proveram das necessidades de nossos primeiros anos de existência? Nos gestaram a partir do pó e da lama, nos amamentaram com seiva e água, nos protegeram da ganância e da dor para que sentissemos a liberdade de seu seio e a fartura de seu leito; com o que retribuímos tamanha generosidade?
A geração cimento agora deita às ruas de asfalto os doces versos ninados pelo vento, para lançar impropérios contra os tempos! Descontentes com o presente, não sabem mais retornar à essência da maternidade... Ignorando as súplicas das árvores órfãs da cidade, mantém-se alheios a sua própria e inata vontade, seremos cegos até quando para ignorar essa verdade? Somos a imagem e semelhança das flores - filhos rebeldes - que se negam a retornar a primal casa das primeiras leis e das primeiras autoridades.

Obedeçam às pedras, então!
Rolem em avalanche.

domingo, 11 de outubro de 2009

Sobre a culpa

Culpa, peso que verga nossas espinhas e consome nossos interiores até talhar aquele vazio característico, pensando nessa mancha moral tão deletéria, me propus a desenvolver o conceito deste encargo que tolhe nossa felicidade e é inerente a natureza da humanidade. Este sentimento perveso, avesso ao orgulho e a austeridade, prende a todos em grilhões que nós mesmos concebemos, nascemos então com a estigma dessa culpa natural que deve nos afiançar em comportamentos de piedade e expiação. Como podemos então alcançar a felicidade, objetivo primeiro ambicionado pelo homem, se colocamos-nos como desmerecedores desta dádiva?
Colocando a questão sobre o prisma da coletividade, a conciência de culpa prevalesse através dos discursos que somos forçados a ingerir, seja em âmbito privado ou público, nos deparamos com procedimentos pré-fixados que devem ser seguidos sob pena do desregramento e da ilegalidade. Homilias, sejam oficiais ou institucional, nos conduzem por caminhos moldados pela culpa de obrigações não atendidas ou respeitadas, falo, claro, não só mas, principalmente do dever cívico e da cristianistas caritas que exigem da sociedade algo como uma penitência a ser cumprida por crimes nunca cometidos. Afinal, o pecado original, seja qual for a corporificação mitológica que assuma, não trata-se apenas de uma construção? Construção esta que levantada por interesses e intenções definidas não serviam a um fim prático? Não estou julgando, estou constatando. E o contrato social, não (só) o de Rousseau mas, aquele afixado na praça central, não deveria ser cumprido visando a uma ordem pública? Vivemos então, dentro uma ordenação que lança mão do conceito de culpa para racionalizar os seus princípios.
A solidariedade humana, logo, dentro dessa lógica, não pode ser encarada como propensão primal do individuo, mas apenas como preceito consuetudinário, conduta transmitida pela tradição ocidental cristã. Então, a que eu devo deduzir a indiferença geral ao próximo? Este subproduto indesejado que se dissemina por todo este grande organismo societário é resultado, a meu ver, do cancro maligno do capitalismo que corrompe o organismo por dentro! Assim, o indivíduo naturalmente mal é pervetido por esta moral abjeta e indizível do individualismo arrivista. Desta forma, abandonar a um irmão a própria sorte, renegado ao concreto frio e cinzento da poeira de escapamentos, quando este sofre e sangra, passa a atitude comum a ser tomada.

Esta crítica não é dirigida a sociedade ou ao indivíduo, ela tem como destino certo a minha própria pessoa, sou um subproduto, sou um ser manipulável, sou um espécime da raça humana.

sábado, 10 de outubro de 2009

O que os sonhos podem trazer

Uma pena adejante sobre o ar, um pincel e um leve tracejar infinito e efêmero - aonde um beijo raso pode nos levar? É a deriva destas linhas e pontos que eu espero o que esta pintura me trará, serei tragado por essas cores púrpuras ou apenas iluminado com o reflexo de suas luzes? Às vezes posso enxergar bem longe - mesmo quando não necessário - alço a vista para o horizonte e me hipnotizo por alguns segundos nestes diáfanos tons, quando simplesmente precisaria pôr os olhos aonde as minhas raízes estão fincadas... minhas folhas e pétalas viajaram à grandes distâncias, levadas pela aragem do meu pensamento elas puderam conhecer outras paragens, mas como filhas deste solo sempre souberam retornar. Fecho meus olhos por um instante - envolvido por esta inebriante brisa - aonde estarei quando voltar a abri-los? O tempo aqui não existe e, é sempre noite e é sempre dia, eu só preciso desejar que o desenho corporificado por este traçado me concederá. Se tudo isto é um sonho, então me digas, por que não consigo acordar?
Já me contaram muitas mentiras e em todas creditei minha confiança, porque sabia desesperadamente que flutuar no ar não me levaria a nenhum lugar. Pois aqui estou, no alto deste belveder, com os braços estendidos querendo voar. Não sei mais se é a terra que me protege ou o vento que me engradesse, tenho apenas a certeza de que voltarei a te encontrar; vc ainda não me conhece, é verdade... talvez se quer exista, afinal este é um sonho ou a minha relidade. Estes galhos que pendem sobre o ar não pretendem te dizer adeus, unicamente são meus artifícios para te fazer regressar, são como os outros que penetram sob o campo e estabelecem vínculos com todos os lugares, porque todos estes são partes integregantes e importantes de mim, é o que esta narrativa confidencia. O que eu sou no alto desta serrania com uma pena na mão e com tanta sede na garganta? São perguntas que sompram e anuviam as minhas retinas...
Mas, e esta melodia que ouço desde o instante que fechei os olhos, de que me serve? São os pássaros que estão cantado, o riacho que está correndo ou somente as crianças brincando? Não, é uma sinfonia e eu estou aprendendo a ouvir e decifrar, este deverá ser meu triunfo no meu lar, meu guia que apita e zumbi no ar-ar-ar.

Ah, como é bom te escutar...

domingo, 4 de outubro de 2009

21 de outubro de 1492

"Acho que voltamos ao Paraíso. Certamento, o mundo era assim no início dos tempos. Se os nativos tiverem de ser como nós que seja por meio da persuasão, e não da força. Nunca se verá o que vimos nesta terra pela primeira vez. Viemos em paz e com princípios. Não são selvagens, e também não seremos. Trate-os como faria com sua esposa ou filhos. Respeite sua crença. O furto será punico com chicote, o estupro, com a espada."

Os homens andam nus e as mulheres não tem preocupação em esconder suas vergonhas, uma criança é filha de toda a comunidade e não apenas responsabilidade de um casal. Aqui, a única ambição é o respeito, reconhecimento pelo bem comum que um destes filhos da aldeia se esforçou para oferecer a sua grande família. Não existem contendas, não existem desavenças, não existem diferenças entre a solidariedade e ações da vida cotidiana. Quem aqui chegar reconhecerá o paraíso ou o inverso do mundo ao qual ele não desejará mais regressar. Desejar corromper a pureza destes costumes será o maior de nossos pecados!
A simbiose entre os filhos desta cultura e a natureza é total, da terra retiram os frutos que suas necessidades solicitam, não usufruem mais do que precisam pois, assim sabem que sempre o terão. Em que momento, a partir de qual encruzilhada perdemos o rumos da sabedoria primal a qual estes homens parecem nunca ter se afastado? Saberemos retornar para nossas mulheres e filhos, através do oceano, e transmitir esta tradição? A candura e a bondade deve nos contagiar, mas temo que este quadro que pinto para os olhos incrédulos de Sua Majestade possa se perder, resistindo somente em nossa memória.
Encontramos, não imaginaríamos, com nossos irmãos nesta terra de imponente e exuberante belzeza, o calor e afago de sua recepção nos impressionaram e comoveram mais a mim do que a qualquer outro. Sinto que temos muito mais a aprender do que a ensinar, a Glória de Deus que trouxemos em nossas flâmulas e crucifixos devia a muito tempo antes ser conhecida por eles do que quando nos foi transmitida. Deus aqui, está em cada pedra, em cada riacho, em cada árvore - nelas, nossos anfitriões as escalam como as abraçariam, foi dela que subtrariam sua visão de mundo. Estes homens são filhos das árvores.

Abro minha janela,...


... meu amparo, meu sustento, as raízes fincadas na terra e no concreto dão a base para meu lamento; não te condeno a servidão dos meus sentidos, teu destino é crescer e tomar as estrelas, pois se da matéria morta te alimentastes não será o céu o limite de tuas hastes. E seus vasos, onde percorrem a seiva da tua intensidade, me estimulam a produzir o libido de minhas vontades pois, por vc sou todo encantos e devoção, não há na Terra tamanha força que me traga maior vertigem ou libação. Dignidade em cada folha, exuberância em cada flor, será apenas o vigor dos nutrientes e minerais que te elevam de todo este horror? A vc, cedo todos os meus segredos para depois me curvar diante de seus ensinamentos, não penso que somente palavras provarão meu acatamento, acho antes que a água que entorno em seu solo lhe oferecerá melhor acalento.

Não tens nome, não tens espécie; não te encontraram função produtiva ou valorizativa.. tens apenas o frescor e a punjância de um fruto após a primavera.

domingo, 27 de setembro de 2009

Partes que se partem

Parte de mim nasceu achando que era filha única
Parte de mim carece de irmãos
Parte de mim vive sumindo
Parte de mim volve os olhos para a lua cheia que ascende atrás da colina
Parte de mim espera até o fim por uma nova chance
Parte de mim só queria mesmo ouvir o 6 First Hits
Parte de mim insiste em seus longos cabelos
Parte de mim só acordou quando ela cortou os dela
Parte de mim é apartidário
Parte de mim hasteia a bandeira vermelha
Parte de mim levantou faz tempo a branca
Parte de mim acha que suicídio é coisa de covarde
Parte de mim é homofóbico
Parte de mim é sadiano
Parte de mim sempre acaba ligando de volta
Parte de mim é solitário por opção
Parte de mim odeia contato físico
Parte de mim tem medo de que ela nunca mais o abrace
Parte de mim tem fé na humanidade
Parte de mim odeia gente
Parte de mim ama ruivas
Parte de mim deseja não botar mais os olhos naquela loira
Parte de mim sofre de gastrite
Parte de mim é dado a pândega
Parte de mim achou um real na pista de dança
Parte de mim nasceu de costas para a lua
Parte de mim sente algo por alguém que o não sabe ou apenas ignora
Parte de mim a odeia profundamente
Parte de mim deseja nunca mais voltar ao lar
Parte de mim ressente-se por não ser um bom filho
Parte de mim amparasse em seus amigos
Parte de mim não suporta mais os mesmo lugares
Parte de mim senti-se bem após um longo diálogo
Parte de mim anda com livros e fones de ouvido no bolço
Parte de mim carrega todas as dores do mundo
Parte de mim só conhece a palavra "foda-se"
Parte de mim orgulha-se das cicatrizes
Parte de mim foge das brigas
Parte de mim quer ajudar o próximo
Parte de mim evita as pessoas
Parte de mim acha que precisa acordar mais cêdo
Parte de mim é um animal noturno
Parte de mim tem apenas um nome
Parte de mim é chamado de várias coisas
Parte de mim é chato
Parte de mim tem um jeito maravilhoso
Parte de mim está se afogando
Parte de mim dispensa aulas de natação
Parte de mim acordou somente ontem
Parte de mim já tem quarenta anos de vida
Parte de mim está em um busca espiritual
Parte de mim é ateu
Parte de mim poderia escrever a noite toda
Parte de mim acha que tudo isso é uma perda de tempo
Parte de mim briga com as outras parte
Parte de mim tenta o reconcílio
Partes de mim que se partem e se apertam, que um dia irão partir depois de tanto partilhar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Deus e o Diabo na Terra do Sol



Arremedo das condições prementes para uma existência sadia, exploração da carne queimada pelas intempéries do clima e da existência, a defesa não é para uma vida confortável no ambiente urbano e das regalias que a fartura pode oferecer, trata-se sim das pré-condições para a revolução camponesa! É isso o que nos oferece o ermo miserável e entregue do sertão semi-árido, "alegoria da fome e da exploração no subdesenvolvimento", no enredo da rapsódio de Deus e o Diabo na Terra do Sol. História de um homem enleado ao destino de uma vida já condenada e aos aforismos que a fé humana pode projetar, embate de duas forças antagônicas em uma terra de ninguém, aonde só existem duas leis: a do governo e a da bala.
Quando encurralado, um animal tende a ficar a mercê das regras de seu instinto - a necessidade de sobrevivência faz este reagir com revelia e hostilidade - pois não foi a isto que Manuel, o vaqueiro estava submetido quando apunhalou o coronel? Corisco, o cangaceiro também é fruto desta sina e sua promessa de matar os homens para que não morram de fome é a expressão da "violência do oprimido que a tem como afirmação sadia de uma dignidade aviltada pela experiência da fome." É luta entre as classes que se expressa nas entrelinhas, representada pela figura do molestado aflito que tenta se levantar por suas próprias forças e pelos seus próprios caminhos. Num ambiente onde misticismo e verdades cruas se misturam ou são concequencia uma da outra, conflitos internos e críticas externas, em quem estes desgraçados devem acreditar? "A terra é dos homens, não é de Deus e nem do Diabo", são os donos do mundo os responsáveis pelo seu rumo, assim canta o cordel que apresenta os persongens desta história e amarra a trama de ambivalências, como mesmo diz Ismail Xavier.
Na terra do sol os caminhos são impostos aos homens, as escolhas dadas partem da natureza do sistema que brinda aos poderosos, que por sua vez brinca com os instintos dos fracos deserdados e desamparados. Quando Manuel parte desembestado deixando sua Rosa, ele não está fugindo de seu fado - talvez esteja correndo em direção a este. Satanás está indo em direção ao mar, à revolução que se vislumbra no horizonte.

A punhalada final estava selada a mim, como fui descobrir no ao fim da sessão... Percorrendo um longo caminho de volta, mastigando as dores.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Diálogos

- Vc vai acabar se fudendo com isso...

- Então, sua profecia se concretizou, eu finalmente consegui o que eu não queria!
- ...

domingo, 13 de setembro de 2009

Um Chamado




Um sussurro mudo grita dentro de mim - todos os dias - sou consternado por esse chamado, uma atração primal que me impele para aquele lugar. Sinto que preciso fugir, me desvencilhar de todos esse apegos fugazes e milhões de agonias que atormentam o homem moderno. Me embrenhar de novo pelos caminhos já traçados e por trilhas desconhecidas; uivar para a lua e sentir a transpiração que expele a liberdade dos poros da minha pele! Essa sensação recrudesce com as estas semanas infernais que vergam o meu espírito, que abatem meus ânimos e humilham o meu orgulho.

Meu bom lugar-meu bom lugar-meu bom lugar...
Preciso voltar.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

[...]

Colo cartazes de festas que eu não vou...

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sonetos

"Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos."

---

"Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!"

Não é o talento com as letras ou as circunstâncias retratadas que me fazem escrever sobre estes dois poemas tão destoante e ao mesmo tempo tão próximos - como faces da mesma moeda - pois é justamente neste constraste que quero concentrar minhas mudas palavras. Sabe, meu íntimo se comove não com o destino ao qual o espírito humano está submetido, mas com o produto criativo de tais infortúrnios. A simplicidade e a sensibilidade que permeiam estes dois sonetos nasceram de um solo regado a água e sal, tamanha infertilidade de tal fórmula não impediu que nele brotasse rosas e cravos de rara beleza. Estes dois botões desvelam em seus âmagos uma das obsessões mais perniciosas (para mim) - pelo menos uma das quais transparecem nos textos deste blog - a 'dedicação' que ambos os amantes sentem na carne e transbordam em seus murmúrios ou vitupérios é idealizada como o verdadeiro laço que une dois seres da mesma espécie. É justamente o fervor deste vínculo que une dois enamorados no início de suas vidas até a prematura morte de um deles; à falta dele depreende-se injúrias e perfídias, a carência deste tempero desdobra-se na angústia e no desespero que é sentir-se enganado. Foi a uma vida de dedicação que se ergueu o altar sobre o "leito derradeiro" de Carolina, logo é à usurpação deste ideal que se refere à "ingratidão" do segundo poeta. Vc levaria margaridas ao túmulo quem te apunhalou pelas costas?
Á dedicação que todos os romances e hisórias de amores impossíveis estão devotados, foi em desfavor desta luz que os Montecchios e Capuletos tiveram que lutar. Dedicação são mãos dadas - a significância de uma união entre os dedos e as vidas entrelaçadas como amantes de uma noite fortuita ou como cúmplices de um crime perfeito, cuja gema preciosa cegou a muitos com seu brilho.

6 Km

Madrugada, marcha vacilante e ligeira, pânico e solidão - the most loneliest night of my life - até mesmo a lua me negava suas cores. Miscelânia de sentimentos e sensações: raiva, amargura e tristeza disputavam a hegemonia desta agonia arquejante..."Será que é mesmo por essa rua?". O silêncio e o vazio das avenidas destoavam da confusão que anuviava as minhas vistas e o meu raciocínio - precisava dele para retornar ao lar. Uma vitrine, luzes e utensílios se postavam a minha frente como a flâmula que enfurece o touro e prejudica o seu juízo... O contraste mudo com o indigente em seu ninho de penúria, imagens/idéias conflitantes que incitavam meu desgoto e revolta. O discrepante sonho de consumo da classe média do sala-quarto-cozinha que iluminava o sono das lástimas da condição humana! Uma pedra, um avo, um impeto e estilhaços - alarme e a consequênte desorientação - não queria aquecer o peito, queria vingar a alma.

O lobo se refestela como uma hiena.

sábado, 5 de setembro de 2009

Demônios em uma metalinguagem

De repente um arrepio corre a minha espinha e eriça a minha pelugem - são as vozes que não se aquetam na minha mente e me impelem ao papel e à caneta, dar inteligibilidade a estes grunhidos intestinais torna-se díficil, por vezes árduo, pois eles não se expressam por verbos, mas apenas instintos. Como transcrever uma sensação que se faz sentir apenas no âmbito físico da nossa percepção, com uma tal pertinácia que pertuba a serenidade mais gândhica que possa haver? Não que a criatura que vos escreve consiga atingir tal nível de equilíbrio, mas simplesmente reflete sobre experiências que a espécie humana divide - alguns mais intensamente que outros - que nos despênde forças físicas e desgasta espíritos cada dia mais fragilizados. Já me contaram sobre tratamentos, terapias que com alguma eficácia fazem adormecer aqueles ladridos ou pelo menos descrece o volume destas vozes, mas quem tem paciência ou tempo para tais assuntos?
Minha proposta aqui é desenvolver sobre a pontencial criativo de tais tormentos ou melhor, quero escrever sobre o meu próprio punho que possuído por tais entidades descorre em infinitas linhas sobre assuntos variados que de banais a etéreos perfazem a minha cultura escrita ou como eu prefiro dizer, a instância material dos meus pensamentos e delírios. Às vezes tomado de uma elevação cuja origem não posso atinar, me anseia escrever sobre a leviandade e a brandura das nuvens que transportam meu espírito para um lugar desconhecido... é como se eu apenas conseguisse escrever sobre coisas boas e excelsias, porém também me calcava a conciência de que qualquer pertubação visual ou mesmo um deslize do lápis sobre o papel me tirariam deste transe. Outras vezes o peso de algumas idéias me faziam negro e silente e me transportavam para um submundo de amarguras e torturas que não se desdobravam para a esfera física, porém se configuravam em uma latência insuportável. Então, vc pode imaginar como é redigir com tais auras? Estes mesmo aspectos podem ser divisados no traçado que a caneta faz nas linhas que ela divide e pauta: a força empregada sobre a página e a grossura do rastro, aqueles rabiscos nervosos e aqueles que mal transparecem à luz do dia de tão ligeiros.
Estes demônios que começo agora a identificar, dando forma e nomes a eles, batucam uma melodia estranha na minha cabeça que eu não chegaria a alcunhar de ruidosa ou acalentosa, mas que também não poderia transcrevê-la, entretanto de alguma maneira estas palavras que eu deixo nestas folhas soltas são o registro dessas notas incongruentes e desconexas, mas de tal forma orgânicas que não posso mantê-las mudas por muito tempo. Pois é justamente sobre o que eu escrevo ou melhor, como eu escrevo... Manifesto assim da melhor forma possível esses sons primordiais surdos - aos quais somente eu posso dar atenção - tento ser fiel, partindo dos limites que a minha linguagem impõe, tento dar os tons possíveis e necessários e nunca negar o que eles transmitem. Vomito então as idéias e as máximas, dou um eixo e as palavras aos poucos revelam as cores do quadro, o retrato de uma fera em couro de carneiro. Se abuso dos termos rebuscados e por isso me faço inacessível ou obscuro é porque ainda não consegui apreender a verdadeira mensagem, então paciência, por favor.
Os contos fictícios são outras das peças deste quebra-cabeça que ainda tento ordenar, não partem tanto da onde eu estou indo, mas para aonde eu quero chegar, porém são também elas centelhas desta chama primal que arde no meu interior. Por vezes começo a escrever já com toda a história na cabeça, louca para pular das minhas têmporas, testa ou nuca para assim, verter-se sobre o papel, mas também tem aquelas que se escondem de mim e que eu apenas espero pelo dia em que possa finalmente aprisioná-las nesta cela de celulose.
Como fazer clarear esse ânimo arrebatador que me faz escrever compulsivamente? Vc pode enterder ou imaginar o que é compreender uma filarmônica dentro do córtex? Me sinto quase um escravo destes impulsos literários... É como se tudo que eu vivi, li e presenciei luta-se, embrenhando-se uns nos outros, como vermes revoltos, misturando-se e imiscuindo-se no que cada um representa ou promente para enfim um destes felizes espermatozóides ganhar vida ou renascer em uma forma imperfeita.

Aaaah, calem-se demônios!

Assinado eu

"Já faz um tempo que eu queria te escrever um som. Passado o passado, acho que eu mesma esqueci o tom. Mas sinto que eu te devo sempre alguma explicação. Parece inaceitável a minha decisão. Eu sei. Da primeira vez, quem sugeriu, eu sei, eu sei, fui eu. Da segunda quem fingiu que nao estava lá, também fui eu. Mas em toda a história, é nossa decisão saber seguir em frente, seja lá qual direção. Eu sei.Tanta afinidade assim, eu sei que só pode ser bom. Mas se é contrário, é ruim, pesado e eu não acho bom. Eu fico esperando o dia que você me aceite como amiga, ainda vou te convencer. Eu sei. E te peço, me perdoa, me desculpa que eu nao fui sua namorada, pois fiquei atordoada, faltou o ar, faltou o ar. Me despeço dessa história e concluo: a gente segue a direção que o nosso próprio coração mandar, e foi pra lá, e foi pra lá."

Descobri essa cantora esses dias, não pela pessoa, não pelas letras ou melodias, mas a voz, ah, essa voz.. me viciei! A textura sonora é quase tangível, me anseia tirá-la pra dançar toda vez que ouço qualquer das nota ou mesmo o prelúdio, é como se a conformação destes sons tivesse corpo e espírito. E como tudo que me agrada, esta também parece ter algo a me dizer, contido claro, nesta letra que transcrevo.

Mas será que ela algum dia ouvi aquela música da Elis Regina, "Pois é"? Custo a acreditar que sim...

domingo, 30 de agosto de 2009

Justos ou Inglórios e a cultura do medo

Não importa a que fins se prestem - justos ou inglórios - as empreasas humanas sempre conseguiram forjar justificativas que conquistassem a complacência de seus ouvintes. Os grandes feitos que impregnam a História da humanidade foram construídos a base não somente de ações, mas também de palavras. Ressalto porém, que redigir uma argumentação crítica a este respeito não significa tentar erguer uma barreira suficientemente alta que me isole do ativismo político ou dos movimentos sociais que se valem de tais métodos. Quero simplesmente manter a minha posição de contestador irrefreável, aquele típico ser "cri-cri" que não se satisfaz com nada, acredito entretanto, que se opor a uma idéia ou caminho é o primeiro passo para o início de um diálogo, processo dialético por si só e por isso, impulsionador.
Refletia quanto a frase: "o establishment obriga-nos a viver muito mais temerosos do que é necessário para sobreviver. A vantagem está em nos fazer ficar muito aquém dos limites do nosso medo." Dado a luz a este ponto, temos estar concientes do que realmente devemos temer e de até que limite esse medo não deve ultrapassar. É se utilizando do instrumento do terror que os autoritários conseguem fazer melhor controle e recuo da massa potencial de revoltosos ou do sentimento de insatisfação que eiva as ordas famintas dos desamparados. Isso é inegável e o precesso é patente; coloco como exemplo o da atual conjuntura da crise mundial - até que ponto não é possível divisar o limite do medo que nós verdadeiramente devemos ter do que o governo legitimado quer nos fazer impor? Será que as balizas deste senso são tão diáfanas que não logramos enxergar o embuste que é a tentativa de fazer a classe trabalhadora pagar por erros da classe burguesa empresária? Talvez saibamos do fato, mas apenas ignoramos a saída, não importa... O ponto em que quero tocar é exatamente do uso indiscriminado das mesmas táticas pela oposição, cito claro, a esquerda e mais especificamente o Movimentonn com o qual eu dialogo. Eles também explicitam o cancro da crise como o fim dos tempo ou o desdobramento de um processo que tem como destino natural a babárie completa; deixo sublinhado que quanto a esta questão eu não apresento qualquer discordância, antes minha intenção aqui é vislumbrar como eles postos em fileiras para a luta impunham as mesmas armas que o inimigo, o medo. Devemos nos apavarar da nuvem negra que recai sobre nós ou como eu gosto de repetir, do "fantasma que nos ronda" e por isso agir frente as possibilidades que urgem! Outro exemplo claro é o da gripe suína, de novo o establishment se aproveitou dessa desgraça epidemológica para instituir o medo e observar as prioridades nacionais, exemplo claro se encontra no México aonde o exército foi alocado às ruas para cumprir o estado de sítio. Será que realmente devemos recear essa tal pandemia com o fervor que a imprensa explora? Será que a manchete "Gripe suína Barbárie Capitalista" não é um tanto gritante e por isso apavorante? Vivemos assistenciados pelo século XXI e não no desamparo do século XIV, esse vírus não vai consumir mais vidas do que a gripe comum ou a peste negra.
É um verbete a se consultar este no dicinário o do medo para entender esta vultosa propaganda política que tapa as nossas vistas e não nos deixa descortinar um horizonte mais claro ou menos enviesado. Falo por aspiração pessoal, discurso com este espírito revolto já marcado, mas me defendo acima de tudo não como um ativista partidário, mas sim como um militante pela humanidade como diria Julio Cortázar, a quem eu tão pouco conheço, mas já gosto tanto.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

[...]

Não quero ir!...
Vai?
Não, não sei e não vou... Cá estou eu de novo no centro do vórtice.
Vc adora se repetir.
Vc morreu!
Não-não-não, me deixem em paz! Pra sempre-sempre-sempre, por favor?!
(Silêncio; sumiço)

Au au au; Auuuuuuuuuuh!

domingo, 23 de agosto de 2009

Memórias do meu Mundo

"Só é nosso aquilo que perdermos; só é nosso aquilo que vivemos, depois esquecemos e depois... lembramos."

Eu penso nas coisas, eu penso nas coisas com a angústia de quem as perdeu - mas eu as tenho - eu verdadeiramente as tenhos e ninguém pode me tirá-las! Pois, se quando eu desfrutava do contato material que elas estabeleciam comigo, essa sensação concreta que se desvanece com a quebra do laço e só pode ser devolvida com uma nova reaproximação dos corpos, o que eu tenho? Não existe impressão, à posse não pode ser dada a categoria de espiritual - existe sim, a realidade do minuto - que não nos deixa mais do que uma efêmera sensação física de calor e conforto. Esse período transitório do usufruto em que não depreedemos qualquer esforço de reflexão ou que simplesmente não estimulamos a nossa percepção tende a ser apenas o prelúdio para o esquecimento ou o que eu virei chamar aqui de "possuir sem ter". Então, essa relação que se estabelece no âmbito da materialidade não nos deve ser fonte de qualquer apreço, pois ela unicamente nos fornece uma experiência sensorial, não nos permite vivenciar aquele momento dentro da sua intesidade ou completude, somos meras marionetes de sensibilidade, esvaziadas de sentimentos. Ah, mas quem me dera comer com a mesma verdade os chocolates como aquela menina suja. Saber-me realmente satisfeito e feliz com a vida e o momento flagrante e não apenas subsistir com a consternação do "ter sem possuir". Pois, é isso que nos espera, a verdadeira posse - àquela a qual nenhum ser terreno pode nos furtá-la, àquela a qual vivenciamo-nos internamente e devemos, pelo alento intestinal a qual ela nos lega, sermos eternamente gratos. Porque só quem perdeu é que pode gozar do ter, só deste patamar saberemos como é a apreciação deste âmbito incorpóreo.
Somos assim, subservientes a nossa memória e aos agrados que ela nos reserva, exatamente por sermos dependentes desta dádiva é que precisamos elevá-la ao centro de nosso ser. Não podemos nos concentrar na intangibilidade do tempo porque abdicaremos assim de viver da eternidade do instante como o gato de Beatriz o faz. Sabe, ainda hoje me pego na doce maresia do pensamento rememorando aqueles instantes que vc hoje deve ignorar... lembra, lembra quando eu segurei sua mão? Eu sei, segurei-a tantas vezes que nem eu e vc ou Ele podemos contar, porém houve uma determinada ocasição que eu segurei na sua mão com a mesma verdade da "menina suja dos chocolates" - juro por todas aqueles diálogos em que vc demonstrou compreensão - e somente agora eu consigo perceber que eu tenho a sua mão comigo: todas as saliências, reentrência, curvas e desníveis, linhas e pequenas imperfeições, todos esses detalhes eu nutro na etérea fruição do toque e que vc não pode apagar de mim. Eu não sei até que ponto isso pode ser encarado como doloroso ou o quanto de que disso eu posso constatar estar preso como o tigre na jaula visitando e revisitando fatos mortos, entretanto minha sinceridade pode confesar o quanto é prazeiroso em alguns momentos ser esse estúpido joguete da minha própria memória; o quanto de que o que eu guardo consigo não representa nem esperança, muito menos humilhação.
Logo, o que eu devo aprender está dentro de mim mesmo, não devo sofrer com a espera, não devo me fixar no tempo ou na imortabilidade, devo apreciar o instante e resgurdá-lo com todo zelo quando o for unicamente meu. Agora eu sei que eu precisava de um pouco de ti para poder ser um pouco mais eu e que a brevidade da vida significa um número menor de agonias para explorar.

"I hurt myself today"

Eu machuquei a mim mesmo hoje; o tempo passa com grandes ventanias e mormaços insuportáveis e o que as horas dos dias me trazem são apenas mais motivos para me ferir. São cortes superficiais, às vezes este impulso se concentra em um mesmo lugar do meu corpo, tornando uma mera escoriação uma cicatriz profunda e evidente, tão claras que as pessoas que me rodeiam em alguns momentos a percebem e a apontam. Essas feridas expostas contam a minha história, faço delas os documentos comprovatórios das minhas desventuras, não que sejam infelicidades pouco críveis ou que eu as goste de rememorar, não, não é isso, simplesmente não consigo esquecê-las... Os vasos por onde transitam lâminas dão o eixo que me sustentam nessa realidade, por isso me concentro nelas e na dor que me transmitem, elas preparam a minha carne e nervos para os próximos golpes que essa existência me reserva. Não posso e nem quero deixar este mundo órfão da minha conciência, mas tenho em vista também que somente a panacéia oferecida pela loucura me fará tolerar mais algumas décadas neste espaço.
São as vicissitudes da vida que me presentearam com essas chagas, elas se espalham e deformam o meu corpo, mas a mácula maior é deixada no meu espírito; as ruas, meu domícilio e minhas companhias preenchem este quadro de extensa e intensa agonia - não são estes que seguram a faca que atravessará a epiderme e jorrará sangue deste ser agonizante que vos escreve, não de maneira fatal, claro - porque sofrimento combina a morosidade para adiar o epílogo - tenho assim uma intermitente dor que me acompanhará e me dará a justificativa para esta auto-mutilação. Justamente dessa latência que eu conquisto o direito e a sensação de estar vivo e gozo do desprazer deste privilégio. Por tudo isso me mantenho resignado e conformado com a cruz que repousaram em minhas costas e desta feita de modo algum saio apontando culpados: sejam meus pais, amigos ou anônimos. Foi a minha própria sina que me trouxe esse encargo em algum momento indizível ou indivisível que não me cabe agora precisar. Eu apenas sinto a sanha mortificadora deste utensílio enterrar mais alguns milímetros de sua folha reluzente neste tecido esquálido e gélido que é a minha pele.
O que eu me tornei meu doce amigo? Conduzirei-me assim até o final enquanto todos que eu conheço já se foram?

Ah, quanta sujeira!...

sábado, 22 de agosto de 2009

Memórias do Mundo

Baixe, aperte o play e feche os olhos. Fe-che os olhos.
Peça Memórias do Mundo

"Feche os olhos. Fe-che os olhos.. Sei que eu perdi tantas coisas que eu não poderia contá-las e agora eu descobri que essas perdas são o que é meu, sei que os meus olhos estão perdendo o amarelo, o negro do mundo e eu penso nessas cores impossíveis como não pensam os que vêem. Meu pai está morto e ele está sempre ao meu lado, porque quando eu quero recitar um verso de qualquer poeta, todo mundo me diz que eu faço com a voz dele, assim como são nossas as mulheres que nos deixaram porque não estamos mais sujeitos à véspera que é sempre aflição, nem aos alarmes - terrores da esperança - só o que está morto é nosso. Só é nosso aquilo que perdermos; só é nosso aquilo que vivemos, depois esquecemos e depois... lembramos. Isso é nosso. Não há paraísos que não, os paraísos perdidos, aquele que não perde é aquele que não tem... Uma vez um homem viu um fogo maior de todos os fogos; pra se proteger das línguas do fogo o homem tentou se esconder nas águas do mar, mas as línguas do fogo o perseguiram-o perseguiram e o encontraram. O homem então, compreendeu o seu destino - a morte em forma de fogo ela vinha coroar a sua vida - ela o absolveu dos seus trabalhos, o homem então resignado, ele se entregou às línguas do fogo, mas as línguas do fogo não queimaram a sua cara, elas só o acariciaram sem fogo, calor, combustão... O homem - um alívio, humilhação, o terror, ele compreendeu que ele não existia, que era só uma aparência e era um outro... era um outro que o estava sonhando... Aquele que não perde é aquele que não tem. Essa história é pra vc, porque somos aquilo que perdemos. Abra os olhos. Eu ainda me lembro da manhã em que vc morreu e nem eu e nem vc estávamos sonhando. Era uma ardente manhã, eu me lembro, uma manhã de fevereiro perfumada de jasmim - eu quis te abraçar, eu quis te segurar nos meus braços... não fiz, eu apenas te disse: vc nunca me vê de onde eu vejo vc, vc não intendeu nada... eu vi o fogo em vc, o mesmo fogo que eu vi em mim desde o nosso primeiro encontro eu vi as línguas do fogo. Uma vez eu ouvi que uma rainha na hora de sua morte, ela disse que era fogo e ar... Eu só sinto que eu sou terra cansada e vc não, vc agonizava e não se rendia nem mesmo ao medo do fim. Eu observei pela janela do teu quarto que na rua os trabalhadores mudavam um anúncio velho por um novo; um anúncio de cigarros vermelho, me excitava um pouco... Eu compreendi que o universo, um excessante e vasto unviverso... ele já se afastava de vc e que a mudança do anúncio de cigarros vermelhos é a primeira de um série infinita. Mudava o universo, mas eu não, eu continuei aquela manhã, ainda agora eu contunuo naquela mesma manhã - antiga, iluminada, silenciosa, perfumada - manhã que não passa. Sabe Beatriz, mesmo agora a minha memória continua te guardando sem esperança, mas também sem humilhação... Eu estava em todos os seus aniversário, sempre com um presentinho embaixo do braço, lá eu observava todos os seus retratos: vc bem pequena colorida, vc na sua primeira comunhão, com máscara no carnaval, tão linda na pria com as amigas, no dia do seu casamento com um outro, depois do divórcio sorrindo, vc, vc , vc, vc... eu não estaria agora como das outras vezes obrigado a justificar as minhas visita com presentinhos - livros, livros cujas páginas eu finalmente aprendi a cortar para me comprovar meses depois Beatriz, que todos os livros se mantinham intactos... Ontem eu encontrei um livro que vc me deu, o único, um livro e em suas páginas a desvanecida violeta - memória de uma tarde sem dúvida inesquecível e já esquecida - quantas coisas: a madeira, o concreto, o vidro, ferro, o aço, o metal, essas coisas elas duraram bem mais do que nós; essas coisas duraram para além do nosso esquecimento e essas coisas, elas nunca saberão que nós partimos assim, em um momento. Lembra dos seus aniversário Beatriz, lembra? Vc sempre comentava dos meus atrasos e eu te falava dos meus compromissos como se eles fossem grandes labirintos que me impediam de chegar até vc... era mentira. Não tinha labirintos, atrasos; a verdade que eu chegava muito antes mas eu não entrava, eu ficava dando voltas em torno da sua praça esperando o tempo passar, eu ficava ensaiando a minha entrada, ensaiando... a minha grande entrada. Lembra do seu último aniversário? Ficamos nós dois sozinhos naquele dia e o destino me favoreceu: choveu lá um dilúvio e vc insistiu pra eu ficar; naquele dia pela primeira vez eu apertei suas mãos... Foi a última noite do nosso encontro, ficamos nós dois sozinhos em silêncio... e ainda é nosso silêncio, última noite protegida do grande vento da ausência, Beatriz, todo adeus é triste como é triste... tudo que é marcada pelo tempo. Eu me lembro que enquanto eu te olhava eu acariciava o teu pequeno gato branco, e eu pensava que aquele contato era ilusório e que nós dois estávamos como que separados por uma vidraça mesmo o gato estando no meu colo... porque o homem vive no tempo, na sucessão e sempre preocupado com o antes e o depois, o antes e o depois; o gato nada, o gato vive na atualidade, ele vive na eternidade do instante, ele vive nesse instante de eternidade. Não Beatriz, desculpe... Ah, minha memória ela sempre me leva, ela me arrasta e me leva, ela me empurra e me leva, ela me confunde, me apanha e me leva, me acompanha e me leva, me puxa e me leva, ela me acaricia e me leva... A minha memória, ela sempre me leva... pra onde? Pra onde? A minha memória sempre me leva de volta a uma certa tarde a biblioteca de meu pai, eu vejo... eu vejo o bico de gás, eu poderia por a minha mão nas estantes - eu sei exatamente aonde encontrar as Mil e Um Noites, a Ilíada, a Odisséia, as obras completas de Clitly, Kitz, Witzinbirds, Dante, Cervantes, os ingleses, os franceses,... embora a biblioteca não exista mais, eu volto àquela tarde sulamericana já antiga e vejo meu pai, eu ouço sua voz dizendo palabras que eu não entendia, mas no entanto eu sentia as palavras... era de Kitz, John Kitz, de sua Ode ao Rouxinol, tantas vezes eu reli, tantas vezes ele me releu... (trecho em inglês). Eu tenho pra mim que eu sou essencialmente um leitor, eu me adentrei na escrita, mas eu acho que o que eu li é muito mais importante do que o que eu escrevi, porque uma pessoa lê o que gosta, porém ela não escreve o que ela gostaria de escrever e sim o que é capaz de escrever. Que os outros se gabem dos livros que escreveram, eu me orgulho dos que eu escrevi. Eu pensava saber sobre as palavras, quando a gente é menino a gente acha que sabe muitas coisas, mas... aquelas palavras, elas foram uma revelação pra mim, sabe que eu as entendia como podia entender versos sobre pássaros que eram imortais porque viviam no presente... Agora eu sei, somos mortais porque vivemos no passado e no futuro, porque sempre lembramos de um tempo em que não existíamos e sempre antevemos um tempo em que estaremos mortos. Talvez o verdadeiro frêmito que eu senti com aqueles versos remonte ao distante momento de minha infância em Buenos Aires quando eu ouvi meu pai ler-los em voz alta... quando o fato de que a poesia não era somente um meio de comunicação, ela era música, paixão, quando eu escuto aqueles versos e eu os continuo escutando desde então... sei que algo acontecia comigo, com todo o meu ser, minha carne, meu sangue... Eu penso que a primeira leitura de um poema, a primeira - ela é a verdadeira e que depois disso nos iludimos de que a sensação, ela se repete; eu sempre me pergunto se o tal do poeta, o John Kitz, ele sentiu esse mesmo frêmito depois de que ele leu pela primeira vez o seu primeiro verso; eu sempre me pergunto se vc, Beatriz, sentiu esse mesmo frêmito depois que vc olhou pela primeira vez nos meus olhos... Beatriz, Beatriz, teu ex-marido me procurou, o grande crítico de arte, sempre que eu folheava um de seus livros eu tinha a desconfortável sensação de estar folheando a obra de um astrônomo que nunca contemplava as estrelas, ele falava de poesia, ele falava sobre poesia como se poesia fosse uma tarefa, não uma paixão... eu li com grande respeito um de seus livros em que eu aprendi: poesia e linguagem são a expressão de algo, ora se pensamos na expressão de algo não voltamos a cair naquele velho problema de forma-conteúdo, forma-conteúdo, forma, conteúdo e se pensamos na expressão de nada? Isso não rende nada? Assim, eu respeitosamente recebo essa definição e passo adiante, eu passo a vida, a poesia, a vida é feita de poesia, a poesia não é alheia, ela tá ai, ela tá aqui, ela pode saltar sobre nós a qualquer instante, mas dessa vez foi diferente Beatriz, teu ex-marido não me falou nem de livros, nem de arte; ele me disse que tinha entrado na tua casa, tinha descido até o teu porão e que lá no teu porão ele tinha visto algo secreto, um pequeno ponto no espaço da onde se podem ver todos os lugares do mundo, o Alepf. "Borges, eu não sei qual é o nome, eu só sei que vi um pequeno ponto, uma pequena esfera, um furo perdido no espaço de onde se pode ver todos os lugares, todas as coisas, todas as pessoas ao mesmo tempo." Mas não é possível eu escrevi sobre o Alepf, mas ele não existe, ele não passa de um conto... Então Beatriz, ele me puxou pela manga do paletó... Beatriz, Beatriz, vc sabia da existência real do Aleph e não havia me contado nada? Era esse o seu segredo? Será que meu destino era sonhar com o Alepf e agora, verdadeiramente encontrá-lo... Meu pai sempre me disse: todos os fatos que acontecem a um homem desde o instante do seu nascimento até o de sua morte foram pré-fixados por ele mesmo assim, todo encontro casual é um encontro combinado, toda morte é um suicídio, toda humilhação é uma penitência e todo fracasso é uma misteriosa vitória. "Borges, prepare-se para mergulhar no porão, olha, é muito importante a escuridão, a imobilidade e certa acomodação dos olhos, vc se senta no chão do porão e conta dezenove degraus, nem um a mais nem um a menos, eu saio e eu baixo o alçapão e vc vai ficar sozinho, algum ratinho te mete medo? Não tem importância... em poucos segundos vc vai ver o Aleph." Subtamente eu compreendi o perigo, eu me deixei soterrar por aquilo louco depois de cumprimentá-lo, ele pra eliminar aquele que tinha amado a mesma mulher tinha que me matar. Eu senti um mal estar que eu dava a atribuir à escuridão, eu fechei os olhos, abri-os... eu fechei os olhos mais uma vez, depois eu os abri e então, eu vi... o Aleph... eu vi meu rosto... novo, velho, rios, nuvens, caminhos, tênis, uma pedra, sombra,... amarelo, céu, fogo, cidades, muros, muralhas, fendas, frestas, galerias,... casa de meu pai, paletó de pai, mão de meu pai, braços, homens, pernas, mulheres, dançarina de tango, violeta, cabeleira, corpo perfumado, câncer no peito, letras, traços, símbolos, retas, pontos, figuras, enciclopédias, não, não, não é isso,... não é isso, Beatriz, como te falar do Alepf, como te falar deste ponto, como te falar?... Sem que a tíbia da minha memória mal e mal apaga, a questão é que nesse instante eu vi milhões de atos agradáveis e atrozes, mas nenhum me assombrou mais de que o fato de todos ocuparem o mesmo ponto, o que os meus olhos viram foi simultâneo, o que eu tenho para descrever é sucessivo, a linguagem o é. Eu vi fogo, fogo, fogo, fogo, fogo, dia-noite, dia-noite, noite-dia, noite-dia, cavalo, cavalo, cavalo, cavalo, carne-sangue, carne-sangue, carne-sangue, olho, olho, olho, olho, olha, olha, olha, chega, olha, olha, chega, olha, olha, olha, olha,... Eu vi a minha cegueira... minha modesta cegueira, modesta em primeiro lugar porque ela é cegueira total de um olho e parcial do outro, mas tem umas cores que eu consigo decifrar, o verde, o azul... tem uma cor que nunca me foi infiel, o amarelo. Eu me lembro que quando eu era menino eu me demorava na frente de uma jaula do zoológico e era justamente a jaula dos tigres... eu me demorava na frente do amarelo dos tigres. Quantas vezes eu via o vellho tigre ir e vir pelo seu caminho sem suspeitar que esse caminho era a sua prisão? To te contando dos tigres porque com o tempo me foram abandonando as cores e foi me restando uma vaga luz, a sombra e o amarelo, o amarelo dos tigres, dos poentes e dos fulgores. Fulgores, eu gosto dessa palavra! Beatriz... e agora chego ao inefável centro do meu relato - eu vi numa gaveta da escrivaninha e ao ver me fez tremer cartas obcenas, incríveis que vc dirigira a teu ex-marido e outras cartas que vc escrevera que eu tenho em mãos e outras, outras cartas a homens, muitos homes que eu não lembro as caras nem os nomes; nenhuma pra mim. Eu vi o teu fogo secreto e ardente, eu vi a tua louca obscenidade por trás da sua discreta elegância... (som de orgasmo feminino) Eu vi os teu gritos, teus músculos, teus lençóis, tuas manhãs e mais uma vez triunfaram a perplexidade, a humilhação e a inveja... eu vi a relíquia cruel do que deliciosamente fora vc e eu entendi a engrenagem do amor, depois eu vi o Alepf na Terra, a Terra e o Alepf, na Terra o Alepf e eu senti vertingem porque vc sorria, sorria e não era pra mim e eu chorei porque os meus olhos haviam visto esse objeto secreto que nenhum homem havia olhado, mas que nenhum homem esquece... o universo, o inconcebpivel universo. Eu senti em vida a veneração que inalaste, nas ruas, nas escadarias, no metro pareceram-me familiares todas as faces eu... eu tive medo que jamais me abandonasse a sensação de voltar à realidade, mas depois de algumas noites de insônia agiu outra vez sobre mim o esquecimento, mas algo parecido com um milagre aconteceu: eu lembrei de ver no fundo do Alepf uma cidade, um rio, um rio cujas as águas dão à imortalidade, um rio que purifica os homens da morte e na sua última margem se erguia a famosa cidade dos Imortais. Beatriz, eu pensei ter encontrado o remédio pra sua ausência, nada tirava vc de mim, a tua ausência - corda no pescoço, mar em que se afunda - encontrar a famosa cidade do Imortais, cheia de homens e mulheres imortais parecia me algo tão novo, grandioso, que eu pensei remotamente que eu podia te encontrar ou que pelo menos podia te esquecer... eu ignoro se eu acreditei nas imagens do Alepf, se eu acreditei nas cidade dos Imortais, eu sei que me bastou a tarefa de procurá-la, eu atravessei diversos desertos, eu não sei se foram vários dias ou um enorme dia múltiplicado pelo sol, eu sei que eu fugia do sol e agora eu demoraria a encontrá-lo. Sempre me perguntam quais são os cinco melhores poemas da literatura, quais são? Eu sempre me lembro das palavras do meu pai me dizendo que o gosto da maçã não está nem na maçã nem na boca de quem come, o gosto da maçã está no encontro das duas; eu digo isso porque isso vale pra muitas coisas, vale pra quase todas as coisas, inclusive para os cinco melhores poemas, seja lá de quem for. Ao pé da montanha me resplandecia ser algo que parecia ser a famosa cidade dos imortais... por fim. Eu medito sobre um labirinto infinito, perdido, um invisível labirinto de tempo, não um tempo uniforme e absoluto como é o nosso, não num tempo uniforme e absoluto como é o nosso, mas em inifitas séries de tempos divergentes, convergentes, paralelos, tempos que se bifurcam pra outros tempos que se reencontram em novos tempos que se transformam e se desenlaçam e se distroem e se ingnoram e se desprezam e são tempos circulares e fragmentados e ondulados, tempos que nunca se conhecem em ondas que vão não vem que vem e não vão, tempo que nasce e não morre, tempo que não morre e nasce, tempo que vai, vai e não volta, vai, vai e não volta, tempo congelado. Pra mim em um desses tempos eu existo e vc não e em outros vc e não eu... é só um acaso ser eu que conto essa história hoje e em um desses tempos eu morro agora e vc me segura nos braços, em um desses tempos eu morro agora e vc nem me conhece, em um desses tempos eu morro agora e é vc o escorpião e em um desses tempos nóis dois Beatriz, somos melhores amigos, subimos uma montanha, vc está amarrada a mim, vc cai e fica pendurada e lá do alto eu tenho que decidir se eu corto a tua corda e sobrevivo ou se ficamos nós dois assim pendurados até o fim, de toda maneira eu agradeço a sua atenção, a paciência, o silêncio, a presença, mas não em todos os tempos... num desses tempos eu e vc somos inimigos muito unidos, num desses tempos eu encontro a famosa cidade dos Imortais. Não havia ninguém, ningué, nem um único homem imortal, nem uma única mulher imortal, nenhum outro curioso além de mim, ninguém - não, eu não quero transcrever essa cidade - na saída eu encontrei um troglodita, ele me olhava, ele parecia não um homem, mas um cão, ele era pequeno de patas deixada nu, foi ele que me guio por dentro dos escuros labirintos, quando eu sai do porão ele estava lá, subtamente ele me olhou, mas ele não pareceu me reconhecer, mas era tão grande o alívio que inundava ou era tão grande e medrosa a minha solidão que eu me pus a acreditar que aquele homem, aquele troglodita, aquele cão que estava ali no chão da caverna, ele estava lá me esperando. A humildade, a miséria do troglodita me trouxeram à memória a imagem de Argos, Argos, o velho cão morimbundo da Odisséia e então eu lhe botei o nome de Argos, tratei de instruí-lo, fracassei, tornei a fracassar; eu lembrei que se dizem entre os etíopes que os macacos não falam de propósito para que ninguém os obriguem a trabalhar... Olhando então para Argos eu pensei num mundo sem tempo, olhando para Argos eu pensei em um mundo sem memória, eu me questionei se a memória é algo que se têm ou algo que se perde. Olhando pra Argos eu pensei em um mundo sem nada e ficamos nós dois assim, Argos e eu a beira da cidade dos imortais e mais ninguém e assim, foram morrendo os dias... mas algo, algo parecido com um milagre acontenceu: choveu, choveu com lentidão poderosa, eu corri pra receber a chuva nu. Argos, Argo, o troglodita não menos feliz que eu, ele também se atirava a vir os aguaceiros numa espécie de êxtase, Argos de braços erguidos pro céu gritava: aaaaahh. Então Argos, o troglodita como se descobrisse alguma coisa perdida e esquecida a muito tempo, ele balbuciou estas palavras: "Argos, cão de Ulisses" e depois sem me olhar, "Argos, esse cão atirado no esterco", facilmente aceitamos a realidade, talvez porque intuimos que nada é real! - Ei, o que vc sabe da Odisséia?! A prática do falar era penosa para Argos, eu tive que repetir a pergunta: - Ei, o que vc sabe da Odisséia?! Argos, então disse: "É, muito pouco, menos que o mais pobre dos poetas... Já terão passado mais de dez mil anos desde que eu compus a Odisséia." Tudo me foi esclarecido naquela manhã, o trogloditas eram os Imortais, o pequeno Argos, era o grande Homero, quanto a cidade do Imortais, ela foi assolada pelos imortais a séculos... Beatriz, a morte ela torna os homens preciosos e patéticos, cada ato que um homem executa pode ser o último, não há rosto humano que não esteje por dissolver-se como um rosto de um sonho, tudo para os mortais tem o calor do irrecuperável, para os imortais não, cada ato, cada gesto, cada pensamento é um eco de outros que já se repetiram no passado e um eco de outros que se repetiram no futuro... Homero e eu nos separamos nas portas de Tanger, creio que não nos dissemos adeus. Ser imortal Beatriz, é insignificante, com excessão dos homens, todas as criaturas são imortais, pois ignoram a morte - o terrível absurdo é saber-se imortal. Eu compreendi que multiplicar a vida de um homem não é multiplicar a vida de um homem, é multiplicar a suas agonias e multiplicar sim, o número de suas mortes. Ninguém é alguém, um só homem imortal é todos os homens, assim como Homero eu agora sou herói, vilão, demônio, mundo, que é um fatigante maneira de dizer que eu não sou... que morra comigo o segredo que está escrito nos tigres. Quem entreviu o universo, quem bebeu das águas daquele rio e entreviu o universo não pode pensar em um homem mesmo que este homem seja ele, vc me entende? De todos os homens só não fui o que te abraçava naquela ardente manhã - esse homem eu não sou - que me importa ele agora, que me importa a sorte daquele homem, as idéias daquele homem se ele agora não é ninguém? Vc me intende? De todos os homens só não fui o que te segurava no braços, por isso eu deixo que os dias me esqueçam deitado na solidão. Esse é o nosso labirinto, o nosso labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante... nosso labirinto cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro.. com cabeça... cuja rede de pedra... labirinto, Minotauro, gerações, pedras, outro labirinto: tempo. Talvez exista um Aleph numa mínima fissura na lente de seu óculos, talvez exista um Alepf dentro da sua bolça, no fundo de um olho, numa cicatriz,... talvez realmente exista um Alepf num décimo nono degrau de uma escada em um porão de um casa de Buenos Aires... eu vi todos os Alepfs quando eu vi todas as coisas e os esqueci, eu vi todas as coisas... É engraçado Beatriz, a minha mente assim como a tua, ela é porosa pro esquecimento, eu mesmo com o tempo já estou perdendo os traços do teu rosto, mas isso agora não tem mais importância - somos a mesma pessoa, vc já está em mim. Eu vivo entre formas luminosas e vagas, mas ainda não são trevas, a minha querida Buenos Aires que antes se desgarrava nos subúrbios, volta a se recolher ao retiro das pequenas casas velhas... Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas - Demócrito de Abdera arrancou os olhos pra pensar - o tempo têm sido o meu Demócrito. Essa penumbra é lenta ela não dói, ela flui por um manso declínio, se parece com a eternidade. Meus amigos não têm cara, as mulheres são o que foram a tantos anos, não há letras nas páginas dos meus livros... tudo isso deveria me aterrorizar mas é um regresso, uma dossura... das páginas dos livros que há na Terra eu só posso ler umas poucas - àquelas que eu sigo lendo na memória - lendo e transformando, lendo e transformando e foram estes os caminhos que me trouxeram ao meu centro, estes caminhos foram ecos, passos, agonias, noites entre sonhos, sonhos, cada íntimo instante do ontem, dos ontens do mundo, o amor, as palavras e tantas coisass; agora eu posso esquecê-las, chego ao meu centro, à minha algebra, a minha chave. Olho a minha face no espelho pra saber quem eu sou, pra saber como eu me portarei dentro de algumas horas quando eu me defrontar com o fim, a minha carne pode ter medo, eu não tenho. Eu vi os ladrilhos da casa de minha vó, eu vi um menino de olhos arregalados, um menino que gostava de amanheceres, eu vi uma menina que eu nunca esquecerei - via enquanto eu pude ver, eu vi a rosa inalcansável, pela janela do meu quarto eu vi o sol brilhar em toda a sua glória..."

Assisti a primeira vez sozinho, me mantive como ouvinte único apesar das outras cadeiras ocupadas na segunda vez que compareci ao espetáculo. Sabe Beatriz, quando eu realmente gosto de uma coisa faço questão de que todos experimentem da mesma sensação, sorvam aquilo que por um instante mínino me fez sentir-se mais vivo, mas vc não estava lá, nem da primeira vez e nem da última e quiça ouvirá esse monólogo que me foi tão cara... Aonde andarás, morreste? Desceste o fino véu que lhe envolvia a cama em leve inércia e que agora cobre sua face descolorada como uma mortalha?
Ouça, lhe peço, uma única vez, sem deixar de fechar os olhos.