sábado, 20 de fevereiro de 2010

Apologia à memória

O uníca meio que pode atestar a minha existência é o conteúdo da minha memória, pois é dentro deste caldeirão de reminiscências que se encontram o material ou a documentação necessárias ao processo de verificabilidade desta tese: a de que eu vivi antes do tempo presente. Procedimento empírico simples, mas que demanda dedicação exclusiva. Absortos neste pensamento, criamos a mesma imagem em nossas mentes - sem um sustentáculo efetivo à vida terrena, somos somente corpos a flutuar. O passado então, para mim, não é nada mais que uma âncora ou um porto seguro; o primeiro refúgio de nossa identidade.
Todo este prólogo sobre método científico me serve para penetrar no cerne da questão principal deste texto, que me ficou inculcada estes dias. À narrativa de vivência de qualquer indivíduo pertencem outros tantos seres animados, pessoas que num momento ou outro cruzaram nosssa trajetória e a marcaram de alguma forma. Às vezes indelévelmente outras tantas em algum episódio efêmero qualquer. O que me importa neste processo de investigação não é o caráter qualitativo desta marca, mas o resgate desta longa duração (não tão longa para alguns), a reconstituição deste caminho sinuoso e incerto, sabe? Infelizmente, não são todos os personagens desta estória que conseguirão deixar vestígios vísiveis em nossa lembraça. Verdade cruel ou máxima inegável, em sua maioria seriam como se nunca tivessem existido. Então, a que parte do seu mundo eu pertenço? Àquela premente em sua memória ou à relegada ao esquecimento?
O que me conforta em lembrar das pessoas é saber que elas me esquecerão. Pois - passo para a perspectiva pessoal - não existe qualquer preocupação revolvendo meu âmago que se entregue a questão da minha diferença ou não na memória alheia. Desfruto sim, da sina de ser olvidado de outrem enquanto sempre me irei recordar de vc.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Olhos de ressaca

Depois de 15 anos eu revia o mar; uma alegria intensa, que só fazia aumentar a medida que cruzávamos as ruas, tomava conta de mim. Enfim chegamos à imensidão negra e inefável, era noite, e tudo que eu conseguia divisar - as ondas, a areia e a luz tênue de distantes embarcações pesqueiras - só fazia contagiar o meu entusiasmo! Entretanto, apesar da sensação pueril que sentia, não estaria nela o ensejo para novos escritos. O alimento desta ocasião estaria antes na experiência subjetiva de tais momento, sabe?
Como o conteúdo de tantas outras conversações falo aqui somente do que senti e não do que eu vi. Me atentando a necessária brevidade do relato, pois uma prorrogação o tornaria enfadonho, destaco aqui o essencial. Foi ao alvorecer do dia seguinte, estava de novo face a face com aquele marulhar incessante, com movimentos compassados e descompassados e a cima de tudo sucedâneos com os quais me atraia para um tête-a-tête mudo. Naquele instânte eu compreendi e gozei a metáfora dos olhos de ressaca; olhos, cuja "força arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca." Então, eram os olhos do Atlântico que miravam suas vistas para mim e consumiam toda a minha atenção. Algo de maravilhoso e insólito me hipnotizou por alguns minutos, por que não me entreguei?
Aqueles lindos olhos azuis de refugo esverdeado me fizeram recordar os teus e das mostras de intensidade e encanto que tantas vezes eles me revelaram. Pois, também deste momento me veio à memória o fato de a eles também não me ter cedido. Sabe, teus olhos hoje continuam me guiando, visto que obedecendo à máxima que diz "só se tem aquilo que se perde", apercebo-me de que só agora consigo imergir em suas águas profundas.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Nascimento e morte

"- Nascimento e morte sempre chocam as pessoas.."

E no entanto, a primeira vista, aparentam ser acontecimentos tão díspares - engano para os que vêem assim. Ambos os processos tem a mesma raíz, sem um o outro não seria necessário ou possível, ambos se completam no governo que é dado pela natureza; na verdade, onde um começa o outro termina. Numa corrente sucessiva e por demais fluída que carrega consigo torrentes de lágrimas, sejam elas, expressões de alegria expansiva ou tristeza contida. Porque não importa a reação convencionada pela moral contemporânea, tanto um sentimento como outro são passivos de serem dispensados em ambos os casos. E é no sentido vinculado pelo verbo desta afirmação primeira que eu inicio o meu desabafo ou hino.
Não encaro a questão como resultado de meros pontos de vista conflitantes, penso antes, que este drama me fornece uma base para sustentar minha idéia de negação do bom/ruim ou negativo/positivo. Desacreditado prisma de compreensão; neste paradigma apreende-se as insuficientes e vulgares, para não dizer bárbaras, tentativas de se julgar ou entender a perspectiva do complexo âmago humano. "Só estou chocado", eu disse, réplica que nunca contemplaria em sua totalidade a convulção de sensações psíquicas que por hora tomou o meu
intestino. No dicíonário os sinônimos para o termo 'sentimento' podem ser tanto o ódio como o amor - ambiguidade incompreensível! Incompreesível para aqueles que nunca deles padeceram, isso é certo. Nesse universo de reações neuroquímicas que atormentam o nosso sistema neurológico, a condenação por quaisquer juízos tomados de assalto deve ser repreendida.. Mas afinal, este post é sobre nascimento e morte ou as reações humanas provocadas por estes? Eu diria ambos, porque foram estes dois problemas que motivaram o meu consolo/poesia e porque no cerne destas tragédia/comédia repousa uma incerteza que me é criativa, afinal por estes dias já escrevi, desenhei, cantei, chorei..
Percebes donde eu quero chegar? Diviso em ambos os temas o renascimento, a renovação, um sem-fim de continuismos e a sigela imprecisão que permeia tais eventos na esfera da sensibilidade humana. Assim, tanto um riso de pesar como um pranto de gozo podem dar o tom da cerimônia - rito que nunca contará com a minha presença - pois prefiro me manter afastado de maternidades e velórios, lugares de acesso restrito a lobos da estepe como eu, a não ser os que ponturam e definirão a minha vida.