sábado, 30 de outubro de 2010

The Elephant Man

Aberração gritaram ao ver meu rosto, em meu uivo de infortúnio na verdade eu perguntava: quantos de vcs não o são em seus interiores, quantos não escondem em trajes de gala as cicatrizes morais e éticas da perversidade? Era refém dos homens e da maldade, apesar de nunca ter demonstrado mais do que insegurança e ingenuidade. Dedos apontados, expressões de angustia e náuseas, uma platéia aterrada, entretando, restava ainda saber quem se sentia mais ameaçado? É somente do belo que se origina a bondade? Dessa inverdade nasceu a condenação pelo pecado que não cometi e que os homens assumiram a responsabilidade por julgar.
Procure além das erupções, sob as deformidades aquilo que o medo e o desconhecimento tentam escurecer, pois por baixo dos anos de miséria e humilhação existe uma criança acuada e amuada sofrendo de solidão. É a fera ou a pena que lhe estimula a repulsa? Será mesmo que ainda após a obra de Mary Shelley vcs duvidam que um monstro pode amar? Vivo nas sombras porque a luz a muito tempo que deixou meus irmãos cegos, num espaço aonde os holofotes não representavam reconhecimento, mas apenas reprovação. Será que são nas fabúlas fantásticas onde onde criaturas disformes ganham abrigo que a humanidade busca a sua redenção?
Escrevo em primeira pessoa não porque assumo tal martírio, mas porque guardo comigo a sensibilidade que um pré-jugamento nunca revelará. Penso então, que muito do que John Merick me ensinou o monstre charmant já conhecia. O que conduz um espírito sensível jamais tocará uma multidão, porque a massa jamais terá sentimentos se quer razão, ela em si é o monstro que julga sem perdão.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"Três transformações do espírito vos mencionei: como o espírito se transformava em camelo, e o camelo em leão, e o leão em criança."

O mundo está por demais viciado nesses imutáveis arquétipos, nesses modelos de guia e comportamento que ditam a face da humanidade. Uma tal dependência que na verdade revela a essência do pertencer ao 'grande esquema das coisas', do que significa ser homem entre os homem. Por não desvencilharmos dessa corrente que nos faz querer iludir com soluções que bem sabemos não soluções, mas verdades bem construídas. Então, como devemos esperar que do errado brote o certo ou que do problema floreça a resposta? Constatação que ignoramos porque no fundo sabemos que é mais doce viver de quimeras.
Eu bem sei que em uma micro escala do mesmo modo, minha existência é regida por uma ditadura de personagens fixos que representam o leque de alternativas que meu espírito tem como possibilidade. São os únicos instrumentos do meu estojo e como bom aprendiz os uso com parcimônia, sem entretanto esconder minha inabilidade. De tanto me afiançar a cada um deles como verdade, eu lhes dei vida! Vida própria e nomes distintos que me tornaram refém dessa liberdade compartilhada - veja só o circo de curiosidades. Não me confundam então com um deles, porque sou todos e nenhum, não penses que me conheces somente porque tratou com algum.
Penso então, que se hoje criei mais afeição por um, não quer dizer que ele detenha a minha verdade. Pois se hoje me confundo na hora de me apresentar é porque ainda me perco nesse labirinto de verossimilhanças. Assim, como os outros da minha raça acreditaram que seria no espírito pervertido, nascido na comunhão do sedentarismo, que eles descobririam a liberdade.

domingo, 24 de outubro de 2010

"La paz no esta en los laberintos formales no esta en lo ritmo slencioso de las águas... Esta en el centro mismo de cada ser."

Tenho uma dívida de fé com a vida, esta existência que há me dado tanto por muito tempo esteve afastada de meu corpo, por muitos anos não dei crédito a essa crença. Por isso, já reformado, deposito em cada efêmera experiência aquela fé que minha razão tanto renegou. Não estava apenas corrompido pelo ceticismo, ateismo, mas também pelo pessimismo que me fazia ignorar a verdade contida nos pequenos detalhes. Falo das histórias que o sinuoso rumo das águas de um riacho desenha ou do silvo do vento sob as folhas secas que aos poucos mudam a cor e textura do passeio. Linguagens que somente os retiros de solidão me ajudaram a decifrar, me revelaram todas as crônicas que hoje compõe o hino de minha religião.
Foi somente no silêncio das cordilheiras que pude finalmente escutar o meu interior, esse centro particular de cada ser no qual se oculta a paz tão almejada. Em posse somente de toscas vestes e decidido ao abandono total dos desejos da mente e do corpo me deixei por alguns minutos nesse estado ascético. Estágio de elevação que por sua própria finitude me aproximou do infinito. Condenado que estou a essa vida mundana, me decidi a utilizar cada dia de minha vida a recuperar aquela aurea etérea que os ventos frios do sul me fizeram conhecer. Sei que esse alento pode ser descoberto levantadosse cada pedra, mordendosse cada fruta ou mesmo contemplandosse cada criatura em uma concepção panteísta e fantástica da realidade, entretanto é tão difícil concentração nesses dias de insegurança.
O que sei é que de novo preciso me entregar a essa peregrinção errante e indidual, acompanhado unicamente das aspirações de meu entusiasmo juvenil e dos pedregulhos que coleciono pela estrada. Desejo que encerra as últimas linhas desse texto, que não foi um depoimento, se não uma prece por esse milagre cotidiano e maravilhoso que é a vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

O que é mais clichê?

O que é mais romantico, amar ou nunca ser amado? Que dor a gente ignora menos, a dor do amor mal correspondido ou a dor do amor interrompido? E esse peso sobre a minha coluna tem mais de saudade ou de mágoa? Parece clichê pensar nessas questões após resisitir a uma maratona de melodramas, mas a tendência é inevitável. É como dispensar sorvete em dia de verão ou como adiar a vontade de dizer "te amo" por mera convenção social; apesar das comparações esdruxulas, devo acreditar que minhas palavras encontram resonâcia no espírito de algum(a) leitor(a) anônimo(a). Não é o incomodo da incerteza que me molesta nesses dias, na verdade o contário, é a aparente calmaria que parece prenunciar o colapso que me tira o sono, sabe? Como se meu mundo perfeito não tivesse data de validade e eu estivesse revoltado com isso. Pode essa coisa de maluco?
Outro dia percebi quanto os malditos riem dos pseudo-intelectuais que preferem chorar. E se alguns dizem que a tarja de pessismo e tristeza é elevada a sinônimo de grandeza, então por que a vida de bufão me parece mais atraente? Daqui de meu banco de desinteresse eu passo o maior parte do tempo observando, mirando os caracteres físico/estéticos que vão me fazer esboçar os perfis dos indíviduos que chamam a minha atenção, estima essa nutrida pelo desprezo que alguns me despertam e pelo libido embebido em outros. São tantos anos nessa função que acho que já não sei fazer mais nada. Serei então, essa eterna testemunha anônima de histórias que não fazem a minha menção? Engraçado mesmo é essa mania que me acompanha de se apaixonar todos os dias por pessoas diferentes quando antes eu poderia me concentrar apenas em uma.
Me disseram que eu sou um daqueles que se esforçam demais para acreditar em coisas que eu bem sei, não são verdade. Talvez isso não esteja tão errado quando trato de pensar em quantas vezes me propus e intentei acreditar em vc, vc, vc, e vc. Pessoas diferentes que tinham todas algo em comum - o fato de nenhuma delas jamais terem saido da minha cabeça. E cada dia que passa sobra menos espaço para eu mesmo, para a minha pessoa, será que nenhuma de vcs me fariam esse favor?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Los ojos de Gutete Emerita


Penetramos surdamente o reino da dor, do limiar da porta seguimos a frase iluminada em linha reta que nos guiava até a grande sala, até a imensa mesa que nos servia o singular cardápio de um milhão de vistas; olhares que exprimiam a profundidade de um sentimento lancinante. A intimidade e o cuidado nos fizeram perceber que se tratava unicamente de um mesmo olhar, um par de retinas que se repetia como os ecos de uma experiência que encontrou lugar em outro continente, isolado do nosso conhecimento até aquele momento. Um clima de luto, confidenciou uma do grupo, encobrio a todos como a escuridão das paredes que nos deixava na penumbra.
Será então, que um fato histórico localizado em tempo e espaço diferentes está completamente alijado da nossa realidade? Então, não temos culpa do genocídio armênio do início do século XX ou do massacre indígena promovido pelas Campanhas do Deserto no final do século XIX na Argentina? Em verdade, penso mesmo que carregamos até hoje nas nossas costas o peso da morte de seis milhões de judeus no pré-segunda guerra mundial. A experiência de clima denso e indigesto seria o que os hispanohablantes chamariam de pesado. Teríamos conquistado o intento de se aproximar do sofrimento daquela mulher? Creio que não.
Nossa presença naquele ambiente só teria sido notada pelos sussurros que emolduravam nosso ensaio. Um respeito e resignação que contrastaria com o atordoamento dos telespectadores de um telejornal com a mesma notícia. Ambos os lados de um parecido silêncio guardado a muito, uma mudez parecida com a burrice que nos encarcera atrás das grades da normalidade.

sábado, 2 de outubro de 2010

Should I Stay or Should I Go?

O sol que arde sobre as costas, o asfalto que come as botas e a longa duração do tempo podem explicar a felicidade de um viajero. Não importa se os anos exulmarão uma outra verdade sobre esses dias de nomadismo, o que eu tenho agora vai me sustentar pelo resto da minha juventude. E sabe por que o que importa é o agora? Porque eu não ligo para o depois. Os pensamentos que tirei daqui não são moeda de troca para dias melhores, sua validade não depende de sua utilidade e as experiencias são demasiadamente mais sucetíveis se eu não penso nisso. Foi a caduquice que me fez dar corda para o pessimismo, me deu racionalidade quando antes o que fazia era obedecer o corpo. Era o meu livro de denúncias e poemas de Galeano debaixo do braço e a minha vontade que me guiavam.
Em cada viajem um amor diferente, uma paixão que ardia enquanto nossos corpos transpiravam. A estrada me deu muito disso e tantas vezes que em alguns momentos me desviava do que eu realmente procurava. Como diria Rilke naquelas cartas em que somente um jovem poderia ser o destinatário, "uma só coisa era necessária; a solidão, a grande solidão íntima." Eu pensava nisso e apesar de estar tão longe do eu que buscava, sabia mesmo assim quem eu era ou pelo menos imaginava saber. Porque percebo agora o quanto mudei desde a última vez, o quanto do minha antiga bagagem se perdeu pelo caminho para dar lugar a um pouco mais de material usado. Engraçado, quantas mais vezes eu escutava "Should I Stay or Should I Go?" tocando, mais me decidia por ficar para reavivar na mente as recordações esmaecidas de transgressões sem sentido, imagens de uma sutileza análoga a uma caixinha de música.
Quem foi que disse que sabedoria somente se alcança através do excesso? Se a equação dá uma razão exata eu ainda não provei; mas o quanto não aprendi de nossos usuais crimes? No final o que resta é aquela derradeira imagem de despedida da janela do micro que tanto me faz querer voltar novamente.