quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Solidariedade proletária

"A Revolução é feita com sangue!", dita estas palavras, seus olhos brilhavam de uma cor parecida com a da vingança. Rutilância obscura e atraente, envolvia a todos em um discurso de transformação e beneficiência. Uma multidão de esfaimados o ouvia na praça central - refletia-se, em contrapartida, em suas retinas não apenas a imagem de um colosso impávido com microfone na mão - mas também a voz da expectativa. Para muitos, não a primeira e nem a última, mas a única chance trazida por um guia de frases impactantes e de carisma perigoso. A direção do movimento estava apontada, bastava segui-la com sacríficio e coragem em punhos, sentimentos em falta onde muitos estavam guarnecidos apenas de pedras e foices.
As fileiras de esperanças avançavam, contra a incerteza e o pessismos, eles catavam em coro: "juntemos todos na luta final", avivando o espírito com tão belos votos, espalhavam ao vento os desígnios de uma nova era e ao mesmo tempo espantavam o frio de suas juntas. Não era possível não se orgulhar dos fihos e maridos que compunham aqueles rostos, todos tinham em seu corações e mentes apenas um ideal - a segurança de uma família, de um país. "Estamos aqui para quê? Para a rendenção!" A liga que estabelecia aquela conciência de condição tinha muito desta convicção. E a quem miravam quando estas máxiams lhe assomavam à mente? Para o lider da Revolução, que lhes emprestava a razão e tomava de volta seus corpos.
Horas depois, quando a poeira assentava e os tiros não mais eram disparados, múrmurios de dor e embuste podiam ainda ser escutados no campo de extermínio. Ruína, ruína, ruína! Para onde era lançada a vista, o vermelho da neve tingida embaçava-a. A nova ordem tinha gosto acre e apenas excitava o ódio de seus sobreviventes, a vigança seria dirigida a quem? Aos guardas do déspota ou ao líder infiel? Mas onde estava o último? Não mais se podia vê-lo pois, estava sob aquela cetena de corpos mutilados, teria sido ele, o primeiro contaminado com a loucura de seus irmãos...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Estamos esperando o Godot

O que estamos esperando? Cada um de nós, a partir do instante em que a escuridão e a segurança do útero nos é retirada, põem-se numa tediosa e infindável espera. Mas a espera de quê? Questão de difícil trato, quiçá de insondável resposta, mas de um desconforto na língua que a torna premente por resolução. "Estamos esperando o..." e de tanto prorrogar o fim de nossa busca começamos a colocar em dúvida a sua finalidade. "Ele vai vir hoje? Não, mas amanhã concerteza." E a angustiante espera nos faz não sair do lugar, porque não adianta o quanto nos movamos, nos afastamos ou mudamos, estaremos sempre a mercê deste compromisso. Inadiável, inapelável, inevitável ou antes, mera fantasia de alguns vagabundos que vieram antes de nós... "Devíamos ir embora, então. A gente não pode. Por quê? Estamos esperando..."
À alternativa que podemos lançar mão dependerá a nossa salvação ou punição. E quem é que escolheria morrer condenado? Por um acaso a imundície deste mundo de merda pode agradar alguém. Talvez aos que continuram loucos após o parto pertença uma realidade menos dolorida e duradoura. De fato, o tempo passaria igual tanto a uns como aos outros e todos nós estaríamos, de uma forma ou de outra, submetido a esta espera. "A não ser que nos enforcassêmos aqui nesta árvore. Não podemos. Por quê? Estamos esperando. Esperando quem? O Godot. É mesmo!"

sábado, 19 de dezembro de 2009

À quina do cofre ou à eterna busca

"Influenciado pela carta de Sazonova, vc me escreve sobre "a vida pela vida". Humildemente, agradeço. Pois a carta dela, tão cheia de vida, parece-me mil vezes mais com um túmulo do que a minha. Escrevo que não há metas e vc entende que considero indispensável tais metas e que eu teria muito gosto de sair à procura delas, ao passo que Sazonova escreve que não se deve seduzir o ser humano com vantagens que ele nunca vai receber... "Devemos prezar aquilo que existe" e, segundo a opinião dela, toda a nossa desgraça consiste em sempre buscarmos os fins mais elevados e mais remotos. Se isso não é uma lógica de camponesa ignorante, é uma filosofia do desespero. Quem acha sinceramente que fins elevados e remotos são tão desnecessários ao ser humano quanto são a uma vaca, e que nesses fins está "toda a nossa desgraça", a essa pessoa só resta comer, beber, dormir ou, quando ela estiver farta, tomar um impulso bem forte e bater com a testa contra a quina de um cofre."

Um sorriso de gozo desmoderado faz me refestelar na poltrona quando da leitura das últimas linhas desta carta; não apenas a ironia ácida, mas também o profundo senso acerca do ser fundamentam minha admiração pelas letras deste escritor. Partindo do princípio de que a vida no faz entender a obras, e vice-versa, e de que esta relação dialética é essencial para compreensão do todo não posso deixar de assumir como aprendizado este curto parágrafo que transcrevo, assim como muitos dos outros contos e referências (vide memória do dia 22/11/09) deste que escreve a vida como ela é.
Marcado significativamente na minha carne está o erro de se viver a vida através do prisma sensacional dos sentidos. O vazio da vivência sinestésica só pode ser preenchido através da interpretação, afinal é "impossível abster-se de pensar" e a tradução das experiências humanas produzem a matéria essencial da vida e da filosofia. Então os fins elevados e remotos devem ser divisados no horizonte como um objetivo, digo, para aqueles possuem afã para empreender tal jornada, sim, não obstante existe aquela casta de seres que se permitem subsistir na mediocridade, para estes não tenho nada a dizer. Afinal no alto da nossa pequenice existem mundos ou realidades e afiançar-se a paradigmas limitantes nos obstruem do contato e não é possível suprimir em mim esse querer de saborear todas as coisas.
Turbilhão que pode tomar de qualquer um a segurança e a sanidade, eu admito, para alguns tal caminho seguiu-se a loucura. Mas lançar a vista ao céu e exergar apenas nuvens e estrelas, apesar do espetáculo, pode ser tão pouco para alguns/para mim. O que Sazonova teme é a decadência moral, o caos do mundo civilizado conhecido, a ruína da rotina! Nós ambicionamos a criação - eu pelo menos nunca me contentei com a síndrome de guliver.
Abandonar o lar, as condições primais de conforto e juízo, suicídio ou não me proponho a tal busca ou pelo menos não nego tais quimeras. As eternas questões que alvoroçam o âmago da humanidade não se aquetarão com a simples imobilidade. Afinal como saberemos se não tentarmos? Se puramente nos omitirmos de aludir à questão estaremos realizando um bem contra este ensejo natural que pulsa dentro de cada um de nós? Desgraça é a dúvida e a incerteza!

Não posso me poupar de agradecer a quem me apresentou presente obra, uma das coisas boas suas que ficaram, de sempre referendado escritor.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O mistério que está escrito nos tigres

Absorto em pensamentos triviais - uma atividade dedicada a espera - matutava com meus botões sobre a irrealidade da vida, sobre a intagível totalidade do universo; um quê de medo e resignação guiava meus passos, me pertubava a ineficiência do meu juízo ao mesmo tempo que brevíssimos comichões de alegria provocados pela cordialidade de pessoas anônimas me afastavam do meu embate. Sabe, é nesses remotos pontões donde reina a intemporalidade e seus habitantes estão envoltos em uma empatia coletiva que consigo arrefecer os ânimos de tantas incertezas. Foi aqui, neste canteiro de mundo que me encontrei distante de mim.
Não me foi dada uma grande revelação, não me propus uma jornada de auto-conhecimento e muito menos entrei em estado de meditação monástico. Simplesmente parei por alguns intantes e instei-me a contemplar o todo a minha volta. Será mesmo tão complexo o racicíonio que me leva em um lapso de tempo de um insignificante grão de areia ao vasto universo? Não eram somente devaneios os resultados de minha vigília, apesar de aparentar estar sonhando acordado, me encontrava em completa interação com o espaço; pois meus pés sentiam a terra entre meus dedos e a suave aragem não enfrentava resistência em meus cabelos. Pensava e por hora desse repouso, ativana contra o comportamento humano o dinâmismo da vida, uma continuidade que colocava em causa todas as convicções do ser simplório no qual nos transformamos. Era então, tão importante ser eu naquele instante, naquela realidade? Meu corpo ardia sobre o sol assim como todas as outras criaturas, inertes ou móveis, algumas das quais serviam me de alimento, outras que pereciam sob os anos no solo no qual eu também me assomaria como matéria, como parte desta entidade. Eu deveria ser reflexo de alguém/algo passado do meu tempo, da mesma maneira que este teria sido eu antes de nascer.
Sim, todas essas coisas ocupavam a minha cabeça minutos antes de olhar para o céu e notar o meio caminho já percorrido pela estrela solar dando a hora para me levantar e seguir para o almoço. Então, deixava para trás a vaga idéia que confortaria todos os dias de todos os homens.

domingo, 13 de dezembro de 2009

A casa de Astérion

E a rainha deu à luz um filho que se chamou
Astérion.
APOLODORO: Biblioteca, III, I.

"Sei que me acusam de soberba, e talvez de misantropia, talvez de loucura. Tais acusações (que castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo número é infinito) estão abertas dia e noite aos homens e também aos animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas femininas, nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Por isso mesmo, encontrará uma casa como não há outra na face da terra. (Mentem os que declaram existir uma parecida no Egito.) Até meus detratores admitem que não há um móvel na casa. Outra afirmação ridícula é que eu, Astérion, sou um prisioneiro. Repetirei que não há uma porta fechada, acrescentarei que não existe uma –, fechadura? Mesmo porque, num entardecer, pisei a rua; se voltei antes da noite, foi pelo temor que me infundiram os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a mão aberta. Já se tinha posto o sol, mas o desvalido pranto de um menino e as rudes preces da grei disseram que me haviam reconhecido. O povo orava, fugia, se prosternava; alguns se encarapitavam no estilóbato do templo dos Machados, outros juntavam pedras. Alguém, creio, ocultou-se no mar. Não em vão que foi uma rainha minha mãe; não posso confundir-me com o vulgo, ainda que minha modéstia o queira.
O fato é que sou único. Não me interessa o que um homem possa transmitir a outros homens; como o filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita. As enfadonhas e triviais minúcias não encontram espaço em meu espírito, que está capacitado para o grande; jamais guardei a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência generosa não consentiu que eu aprendesse a ler. Às vezes o deploro, porque as noites e os dias são longos.
Claro que não me faltam distrações. Como o carneiro que vai investir, corro pelas galerias de pedra até cair no chão, atordoado. Oculto-me à sombra de uma cisterna ou à volta de um corredor e divirto-me com que me procurem. Há terraços de onde me deixo cair, até me ensangüentar. A qualquer hora posso brincar que estou dormindo, com os olhos fechados e a respiração forte. (Às vezes durmo realmente, às vezes já é outra a cor do dia quando abro os olhos.) Mas, de tantas brincadeiras, a que prefiro é a de outro Astérion. Finjo que ele vem visitar-me e que eu lhe mostro a casa. Com grandes reverências, digo-lhe: "Agora voltamos à encruzilhada anterior" ou "Agora desembocamos em outro pátio" ou "Bem dizia eu que te agradaria o pequeno canal" ou "Agora verás uma cisterna que se encheu de areia" ou " lá verás como o porão se bifurca". As vezes me engano e os dois nos rimos, amavelmente.
Não só criei esses jogos; também meditei sobre a casa. Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um pesebre; são catorze [são infinitos] os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo. Todavia, à força de andar por pátios com uma cisterna e com poeirentas galerias de pedra cinzenta, alcancei a rua e vi o templo dos Machados e o mar. Não entendi isso até que uma visão da noite me revelou que também são catorze [são infinitos] os mares e os templos. Tudo existe muitas vezes, catorze vezes, mas duas coisas há no mundo que parecem existir uma única vez: em cima, o intrincado sol; embaixo, Astérion. Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a enorme casa, mas já não me lembro.
Cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte de todo o mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente para procurá-los. A cerimônia dura poucos minutos. Um após o outro, caem, sem que eu ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um dia chegaria meu redentor. Desde esse momento a solidão não me magoa, porque sei que vive meu redentor e que por fim se levantará do pó. Se meu ouvido alcançassem todos os rumores do mundo, eu perceberia seus passos. oxalá me leve para um lugar com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor? – me pergunto. Será um touro ou um homem? Será talvez um touro com cara de homem? Ou será como eu?
O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de
sangue.
– Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu. – O minotauro mal se defendeu."
(A Marta Mosquera Eastman.)

Arrepio na espinha! Senti aquele toque de humanismo dado a figura da besta e que me comoveu sensívelmente, vc também não sentiu a presença de uma criança que brinca entre vielas e becos? Devo admitir minha admiração pelas suas letras, um assombro que se transforma em respeio quando penetro no universo de seus contos e máximas, experiência única em muitos sentidos. Como a criatura metade homem, metade animal também espero a minha redenção e acredito mesmo que, como a sina deste, esta venha em forma de carrasco.

Arrependei-vos, discrentes!
Grato, Borges.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Lepra

Tire as vistas de mim, não sabes quanto um olhar pesa? Está vendo estas marcas?! Os meandros, sucos e saliências de baixo relevo que o câncro cutâneo provocou, agora tomam toda a minha face... eu sei, não é uma bela cena de se apreciar. Este mal que consumiu meus dias em lágrimas de dor e agonia, também me tencionaram a este comportamento misantropo. Guardo então, meu dias com o mesmo ardor da tarefa que o rei Sísifo tinha de realizar, garanto-lhe, é estremamente penoso. Me refugio então, da existência sem nada dever a ela, porém ainda com a conta aberta, aguardo quando serei finalmente ressarcido.
Em eras mais antigas que esta, a minha condição seria a de expurgado, perseguido e encurralado por uma turba empossada de pedras e forcados - não teriam miséricordia - e minha miséria encontrariam um fim. Não, em momentos assim palavras não surtiriam qualquer efeito sobre rosnados ensandecidos. Então por que tentar? Não haverá outra Revolução e este anacronismo me deixa desnorteado e sem sentido. Tudo isto porque minha aparência para eles era repulsiva e perniciosa, mas nem sempre fui assim; nem sempre sai às ruas sob a corbetura da lua e protegido pelas sombras, meu rosto nem sempre esteve obrigado às vestes. E hoje? No tempo presente os homens nasceram como criaturas mais compreensíveis e inventaram novas formas de segregação.
Acho mesmo que poderia remeter a cada uma das chagas que cobre o meu rosto a cada uma das desventuras que compõe a minha história. Vê este furo que marca minha bochecha esquerda? Nesta pequena cavidade escondem-se todos os meus pesadelos - os males que atormentam meu sono e me fazem acordar gritando - que fizeram deste orfício o seu ninho. De fato, tudo que eu consigo despertar é a moléstia àqueles que cruzam o meu caminho. Mas então, por que persistes com este ritual, por que repousas suas retinas cansadas sobre meu estado desafortunado? Não achas que já tenho sobre as costas um fardo pesado por demais?! É o que dizem, a desgraça alheia só faz atrair olhares curiosos. Entretanto, não consigo distinguir o que tem neste brilho, pena ou desdém?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Excadescere

"Nossa mente é porosa ao esquecimento; eu mesmo estou falseando e perdendo, sob a trágica erosão dos anos, os traços de Beatriz."

Caminhando de passo rápido e faceiro, um garoto andou a se esquecer, de uma hora para a outra abriu mão de todas as suas recordações, não sei bem por qual motivo, talvez ele também tenha se esvaido com todo este esquecimento. Para o personagem deste post que tinha tanto apreço pelas suas memórias, ouvidá-las parecia em um primeiro momento descuido ou simples egoísmo, sim, pois aquelas reminiscências não eram apenas dele, ele as compartilhava com dezenas de outros individuos e essa escolha, a da extinção de seus vestígios nestes retratos mentais, era também a rasura de parte destes quadros para as outras pessoas - o que os invalidáva por completo. Para estas então, o que restava era somente um conto sem fim ou com uma lacuna, como uma tela por terminar em uma varanda de casa abandonada, vazio este que comprometia a beleza da história/pintura. O que fazer?
Assim se explicava aquela expressão altiva e a condução de gestos seguros e firmes: aquele pequeno exemplar de gênero humano recomeçava do zero e fazia isso a cada esquina atravessada e a cada porta aberta, era como se fosse a primeira e também a última, porque nada tinha fim ou ínicio, era sempre o nunca. Desta forma não existiam laços, nem raízes e muito menos mágoas - todas as pessoas eram ninguéns para ele, assim como ele para todo os outros. Viveu assim por muitos anos ou quiçá muitas horas, quem sabe? Tempo e espaço neste conto não são medidas. Aonde ele estava, então? Lugar nenhum. Para onde ia? Não existia. Conta-se apenas um não-registro da imagem daquele menino caminhando sobre a calçada como se esta fosse a única tarefa de sua vida e ao mesmo tempo como se ele fosse principiante no seu governo.. misturado, entende?
Um dia ele conheceu alguém, na verdade ele a re-conheceu muitas vezes em sua vida, exatamente por esta sina ditar que todas as vezes seriam a primeira vez. Então por que a esta ele fazia menção? Na verdade não fazia, era apenas um lapso de memória que o pertubava ou melhor dizendo, um dejavù que se repetia. Entretanto esta era toda a sua vida, não? Fato que não sabia, se quer suspeitava, mas alguma coisa acontecia toda a vez que se sentava ao lado dela, no assento do ônibus, no banco da praça ou daquele momento em que ambos encontraram-se jogados no gramado verde-claro do parque. Em todas estas ocasiões alguma coisa ficava, não era uma pedra, carta ou qualquer objeto material, era sim, um resquício imaterial, um pequeno traço ou um perfil que o guiava novamente para onde ela estava. Assustador, não? No entanto ele não tinha certeza, isto o assustava mas também o enternecia, uma sensação um tanto ambígua que o perseguia. O que dizer para si ou para ela/elas?
Nada o fez, pois nada adiantava, guardava somente esta impressão e a ocultava bem dentro de si quando o re-encontro sucedia, não podia lhe dizer que ambos estavam fardados a não se conhecerem. Não sei bem se posso alcunhar isto de conclusão, pois nem bem escrevo um ponto, um novo parágrafo descorre sob meus dedos e me desconcerto por não satisfazê-los com um real fim. Penso ainda na responsabilidade que poderá recair sobre o meu personagem, quando na verdade, toda a culpa desta maldade pertence sobretudo sobre ela que nunca se preocupou em ser unicamente uma, mas apenas muitas.

Esquecer ou lembrar, este sim, é a maior dualidade da vida.
"Death is nothing"