domingo, 22 de novembro de 2009

Tchekhov

Tão desolador esperar por transporte nos domingos, ainda mais para mim, estando no auge da senilidade. Nesta estrada empoeirada e isolada de tudo só consigo colher pensamentos angustiantes. Me pesa, não somente o corpo engelhado sobre as juntas dos tornozelos, mas também assistir ao tempo passar tão vagarosamente neste fim de tarde maçante enquanto que, por comparação, os melhores anos da minha juventude se esvaneceram com uma velocidade assustadora. É o tipo de paralelo que todos nós estamos fardados a realizar algum dia... A última década me ensinou a ser paciente e complacente com as minhas dores, da mesma forma, um tanto reflexivo, penso: "para que aliviá-las? Em primeiro lugar, dizem que os sofrimentos conduzem o homem a perfeição e, em segundo, se a humanidade aprender realmente a aliviar os seus sofrimentos por meio de gotas e pílulas, há de abandonar completamente a religião e a filosofia, nas quais até agora encontrou não só uma defesa contra todas as desgraças, mas até felicidade." Assim, deito meus resmungos sobre este solo fértil e indiferente, aonde as crianças das próximas gerações colherão flores e sorrirão.
Foram muitos os dias em que despreocupado levantava somente depois que o sol já estivesse alpino e nada além do meu estômago queixoso poderia interromper a minha alegria pujante então, saciava-me como se estas fossem as únicas vontades que meu corpo poderia fazer brotar. Hoje, já estou acordado a muito antes da luz do dia interroper o frio da madrugada. Sempre me disseram que o campo faria muito melhor ao homem idoso do que a confusão sonora e física da cidade poderia conceber, a estes que barulhavam em meus ouvidos, posso dizer agora que este ambiente puro e natural só me trouxe tosse e solidão. Em Moscou pelo menos eu tinha meus amigos com quem poderia me entreter, colegas que neste presente já perderam a paciência para se corresponder ou simplesmente faleceram, não posso saber mais...
De vez em quando, ainda consigo dar meus concelhos - ou papiltes se não quiserem que esta sentença soe antiquada demais - para aqueles que por educação poem-se a me escutar. Não só os apontamentos que a minha antiga profissão de médico validaria, mas também sobre os causos que o cotidiano comum nos reserva. Ah, mas nada me deixa mais contente do que relembrar minhas épocas de ventura, aqueles momentos que o frescor da saudade ainda mantém vivo em minha mente. Neste presente tempo não sei se conseguiria mensurar sobre o que eu teria mais aproveitado, se minhas paixões pueris correspondidas ou se a aflições dos meus desenganos amorosos. Diria pelo menos a vocês que os tive ambos e que os vivi intensamente.
De fato, ao comtemplar todo este espaço temporal vejo que consegui reunir uma mescla de sentimentos interessante, sentado neste roto banco de madeira, não tão velho quanto eu, posso admirar-me de quanto vivi, ao passo que a demora para essa carroça chegar apenas faz constranger-me. Fico então com raiva, muita raiva, um ódio que se acumula em fução das horas que não passam para que eu cumpra meu destino, do tempo que não chega para que termine a minha vida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Crisálida social



Já troquei de pele tantas vezes que não posso mais me lembrar do meu estado original, essa evolução lenta, mundaça paulatina de gênio e perspectiva faz parte do processo natural de desenvolvimento a que cada um de nós estamos submetidos. Como um grande percurso a qual nos é dado seguir desde o estágio larval, como se o grande esforço de romper a casca do nosso útero não tivesse sido suficientemente exasperante, assim nos colocamos à vista dos perigos que a natureza pode oferecer e das armadilhas que despertam nossa atração. Este prodigioso amadurecimento me faz pensar não apenas nos percalços que uma existência de poucos meses pode conter, mas antes me faz aspirar a todas estas outras cores e essências das quais a noite, quando relaxado em meu abrigo de folhas e pedras, me permite contemplar. Neste asilo de covardia e instinto não são somente os sonhos que me pertubam, mas as vontades também não me deixam repousar!
Um universo de sons e sensações - mergulhado nesse caldeirão de viço, não consigo me contentar apenas com este progressivo crescimento regrado; a vida que pungi destas flores e frutos me eleva acima destes condicionamentos limitantes, me estimula a anseios estranhos e comoventes. Deveria então, reservar a mim esta aventura de descobertas e desafiar o paradigma natural da evolução? Estou brincando com vcs e comigo, pois meus sentidos se dirigem a estas mesmas interrogações.. Não é tão simples assim desenlear a mentalidade que assume um membro da ordem dos lepidopteros e compará-lo aos estímulos que convulcionam o meu âmago provavelmente não me auxiliariam em nada. Claro, da mesmo forma, não foi este o objetivo inicial que guiou estas primeiras linhas. A analogia expressada aqui, antes, refere-se à edificação que estou erguendo ao meu redor, como uma soberba crisálida, preparo-me para me resguardar dentro deste invólucro vulgar! Nomeadamente um banker social, este casulo preencherá meus próximos 40 dias com a parcimoniosa tarefa de tecer o túmulo dos meus receios. A mesquinha arte de fugir dos meus medos será transposta aqui nesta fábula como a punitivo encarceramento de seda, folhas e ramos. Entreato de uma encenação que já perdeu todo o público da véspera. O que eu espero encontrar? Devo acreditar que me metamorfosiarei em uma entidade mais benigna e austera como uma borboleta? Estarei sendo justo ao fundar este reino de solidão e amargura? Não importa, porque a obras já estão iniciadas..
Eu realmente só posso ser comparado a um verme, criatura rastejante e pedinte que habita os recônditos mais sobrios e úmidos. Já que lanço mão apenas da pena, poderia registrar primeiro uma metáfora menos entediante e desaforturnada, algo mais íntegro e nobre, quiçá uma muralha de guerreiros destemidos e obstinados?! Porém, me perderia em infidelidade pois, o presente que minha mãe me deste foi uma pulpa e não um romance quixotesco.

[...]

Temos ainda tanto tempo, vc não acha?

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Big Bang!

"Todo o nosso universo estava em estado quente e denso, então há quase 14 bilhões de anos atrás a expansão começou... espere! A Terra começou a esfria, os autótrofos começaram a babar, os neandertais desenvolveram ferramentas, construímos a muralha, construímos as pirâmides, a matemática, a ciência, a história, desvendando o mistério de que tudo começou com um Big Bang!"

Começamos a jogar este jogo a 7 milhões de anos atrás como nos conta os registros da nossa querida Toumai, driblamos crises climáticas, existencais e biológicas, para enfim, no cimo do colosso do tempo admirar-nos do que construimos. Pois, de fato, toda a humanidade não passa de um prodigioso memorial erguido a ferro, sangue e reflexão; erigido com esmero desde dos primórdios do Homo Sapiens à capacidade de significação. Temos então, sobre as costas, uma obra que remonta a milhares de anos antes, cujos resquícios de suas atualidades passadas sobrevivem até hoje em nossos sonhos e projetos; planos para um mundo que está em constante mundança, que, entretanto, não perde nunca o seu arquétipo principal, dito perfeito, a própria imagem do homem. Estamos então, condenados a servimos de guias para nós mesmo, embrenhando-se cada vez mais, nesta selva secular e densa, marcando sempre o caminho de regresso.
Esqueceremos algum dia quem somos nós? Ou da onde viemos? Nesta trilha contínua aonde pretenderemos vislumbrar o indivisível, não nos sacrificaremos por uma pretensa vã? Pois, a graça esta realmente neste dilema: no cosmos criativo que é a nossa mente não existem riscos intransigíveis, não existem labirintos irretornáveis, somos tolos donos de nós mesmos! Acredite, temos o mundo em nossas mãos, exatamente por esta ser a nossa maior composição, ou pelo menos a de mais digno louvor. O universo surgiu da cabeça de um cientista solitário, a comunicação foi resultado de um anseio visionário e a fraternidade foi conquista da Revolução. Todavia, duvidas ainda do pontencial humano? A Matemática, a História, o Amor são estigmas identitários deste grande esforço que foi o edifício da humanidade. Da insignificante pequenez de um liliputiano a observar a elevação deste monstro - seus ornamentos, seus arrojos sóbrios e estravagantes - que pode assustar, mas em seguida deve orgulhar até o mais pessimista dentre os bípedes anões. Esta faculdade imaginativa já pintou os céus dos tons mais incrédulos e discrepantes possíveis, a viagem a lua foi fronteira que o senso comum nunca pensou ser ultrapassada. Podemos tudo ou simplesmente somos tudo? Temos um Deus corporificado pela vontade que há no interior do coração de cada individuo, seja ele indefeso ou destemido, há uma luz que ilumina toda esta maratona hercúlea.
Assistimos ao ínicio e estaremos aqui quando o momento derradeiro chegar ou quando quisermos que ele chegue, pois o renascimento ou o suicídio não são apenas das mais belas sonatas que ouvido humano pode apreender, são também daquelas que somente ele pode gerar! Ambas, tendo como particularidade una e vínculo impartível, o de provocarem tênues lágrimas de cristal.

domingo, 15 de novembro de 2009

Chuva

Estava quase amanhecendo, exausto, agradecia enquanto arrastava os pés pelo sol ainda não ter nascido para iluminar a minha face lastimável. Aquele longo percurso que me agraciava com sua ruas vazias me fazia sentir que as coisas não poderiam piorar, mas então, es que ao dobrar a primeira esquina ouço um trovão e o prenúncio de que o tempo me reservava uma surpresa agradável. Aos poucos e timidamente gotículas de água começaram a cruzar o céus e cristalizar o asfalto. Apesar da escuridão e da nebulosidade a lua atrevia-se ainda a se fazer presente. Meus ombros tensos e doloridos começaram então, a esfriar e a amolecer, era o fino vel de garoa que me cobria e protegia dos demônios que estavam a corroer o meu estômago. Satisfeito e grato por esta epifania, meus passos recobraram os ânimos - exageros a parte - não posso desconsiderar as circuntâncias em que o céus descarregou suas nuvens como um sinal divino.
Como um sopro de vida comecei a caminhar sem mais o receio de me deixar jogar na próxima esquina e desistir do retorno ao lar. Ferido, o lobo da estepe dentro de mim uivava e pedia abrigo, não passava pela sua cabeça que essa crise, se motivada, poderia destruí-lo. Dissipado essas angústias, comecei a prestar atenção apenas na chuva, além da ânsia que me levava a desejar uma verdadeira tempestade, pensava na perfeição de cada um daqueles prismas líquidos que vertiam, individualmente e singularmente, sobre o solo. Era realmente um espetáculo louvável. Acho que não há na natureza metáfora mais poderosa e eu como um pobre menino tolo, não posso abrir mão destas analogias espontâneas.. Já me disseram que eu abuso das alegorias por demais, a estes eu os condeno - não por quererem destruir a minha faculdade verborrágica - mas antes por quererem abolir a literatura! "Haha, vê este cubo de gelo, neste instante de perfeição, ele é único e eterno, eterno nesta minha maldita memória, porém tão efêmero quanto sua resistência ao calor ou ao seu esquecimento." Cultivar este tipo de experiências, só poderá me deixar maluco algum dia, será? O que o julgamento do grande Estado da Negação me reservaria sobre este assunto?
Então, tomado pela insanidade da ventura me postei no meio da rua e comecei a bradar para esta grande abóboda celeste e para os ouvidos surdos das 5h da manhã, "quem está ai? quem me ouve e manifesta-se através dos signos mais simples da natureza?" Para os incrédulos, eu digo que não obtive qualquer resposta, para o meu registro memorífico fica guardado a imagem do estalo do raio que rasgou o firmamento naquele instante! Sabe o que é mais engraçado ou intrigante?! Após finalmente botar sobre a minha calçada meus pés fadigados, aquela garoa que me acompanhou todo o trajeto cessou de súbito, pergunto então, eu tive um diálogo aqui?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

[...]

Quatro atos de solidariedade em apenas 10 minutos? Viva, a humanidade ainda tem saída!...

Dor de estômago

Ela começa com um pressentimento inocente e ingênuo, um peso que percorre meus tubos gástricos e convulciona todo o meu sistema. Da onde vem tanta incoerência? Puro e simples desejo de ser incoveniente? Não atento para os motivos reais dessa indigestão, acredito apenas, que seja do avanço da putrefação a origem de tão pestilento odor. Queria realmente me livrar desse incomodo, este desgosto que eu sinto todas as manhãs. Talvez eu exagere quanto a intensidade ou a frequência, na verdade elas variam bastante, porém todas tem o pico máximo no meu útero. Médicos (psicólogos gástrointestinais) não adiantam - já me bastassem as almas caridosas que após a despedida troçam pelas minhas costas - estou um tanto quanto farto disso, sabe? Essa ansiedade e impaciência que culminam com um péssimo dia ou com mais uma chance disperdiçada. Às vezes, é a própria pertubação momentânea das funções digestivas que me fazem recuar, uma desvantagem em tanto, eu diria; minha dignidade deveria ser poupada então, com a desistência? Talvez um atestado médico compense tamanha vergonha... eu não sei.
Ah, essas crises estomacais, antes elas se resumissem somente a náuseas e tonturas, mas não, vem acompanhadas com aquele rancor acre e desesperado - a ponta da língua deixa seu encargo degustativo de lado e passa a simples trampolim para toda a minha alma! Soam os alarme, todas as unidades imunitivas se põe em alerta, preparam-se para aquela tediosa batalha cotidiana contra o pessimismo e a vontade de morrer. Acho que o real desgate da minha psíco venha desta rotina intestinal desgraçada; antes fosse somente a minha estrutura física a avariada, mas não, temo por todo os meus eu's vacilantes e embriagados. E apesar de tudo isso tento manter as aparências - cumprir castamente aquele contrato social, do qual eu nada assinei, todos os dias. "Os olhos mentem dia e noite a dor da gente". Com tudo isso não seria nenhuma estranhesa se eu lançasse qualquer impropério ao menor sinal de contato, respostas aos "tudo bem's?" viriam do fundo do âmago... peço desculpas se não dei qualquer prévio aviso, se não levantei a bandeira de quarentena na sala do meu quarto. Vc me perdoaria por tanta miséria?
Conclusão? Esse descontrole entérico não tem fim, somente com o perecimento do meu organismo toda esta bile maldita e envenenada será finalmente expelida! Quiçá uma operação reanime meu entusiasmo e me tire deste estado catatônico? Não, todas as regras deste tabuleiro se comprometeram, desde cedo, em não dar espaço para a esperança jogar. Afinal, eu nunca fui mesmo daqueles que acreditassem em milagres.

domingo, 8 de novembro de 2009

Contato


Mirei meus olhos a vida inteira para o céu, na verdade todo o meu campo de visão está agora tomado por essa imensidão de tonalidades azuis e anis, pois abro minhas janelas não para prestigiá-la com as minha confidências, mas para receber esta experiência ímpar com profunda admiração e submissão. Minha insignificância perante tamanha infinitude é quase enobrecedora, sinto-me satisfeito sob seu acalento - seu véu de escuridão me cobre e seu silêncio embala os meus sonhos... Materialmente não, mas de alguma forma transcendental, estive a ponto de poder conceber a perfeição, a obra divina esteve quase ao alcance das minhas mãos. Tamanho deslumbramente padecerá apenas como ilusão, quando eu deixar aqui registrado a origem da transmição de tal revelção, sim, uma película cinematográfica.
É a reação humana ou a concepção natural do universo que somente um poeta poderia descrever que me impressionaram? Não sei, mas concerteza teria mais adjetivos para compor este quadro sensacional se o transe em mim provocado não tivesse durado somente alguns minutos. Minha comoção não reside apenas na representação de uma vida dedicada a uma meta ou da grandiosidade do cosmos eloquente. A questão aqui colocada não será o da existência ou não de vida extraterrena inteligente, visto que, para mim, o grande problema que assola a humanidade é o da solidão intraterrena. Neste mundo aonde somos motivados a visualizar o oco de nossas vidas e obrigados a olhar além do universo para descobrir que não estamos sozinhos, necessitaríamos além dos nossos pares de carne para nos entreter? Não foram somente as lágrimas do rosto da Dr. Eleonor que escorreram frente a um coletivo de incrédulos que tinham exigido antes o que eles nunca tiveram: fé. "Somos criaturas tão insignificantes e descrentes, mas também tão preciosas e compadecidas, acreditamos que estamos só, mas não estamos."
Ah, minhas retinas viraram espelhos durante alguns minutos enquanto refletiam nebulosas, galáxias, estrelas e cometas e me faziam perceber o quão reles era a minha presença no universo, mas a tamanha diferença que ela poderia ter enquanto durasse a minha existência na Terra.

Fé? Pois é exatamente assim, em passagens que a minha vida redige, que eu gostaria ou seria capaz de desvelar a minha crença ingênua na humanidade.

sábado, 7 de novembro de 2009

[...]

O pior é dia seguinte dos hematomas que não se sabe da onde vieram..

domingo, 1 de novembro de 2009

Vamos à Paris?

Voilà combien de jours, voilà combien de nuits,
Voilà combien de temps que tu es reparti
Tu m'as dit: "Cette fois, c'est le dernier voyage"
Pour nos coeurs déchirés, c'est le dernier naufrage
Tu m'as dit : Au printemps, je serai de retour
Le printemps, c'est joli pour se parler d'amour
Nous irons voir ensemble les jardins refleuris
Et déambulerons dans les rues de Paris!"


Dis, quand reviendras-tu?
Dis, au moins le sais-tu
Que tout le temps qui passe
Ne se rattrape guère...
Que tout le temps perdu
Ne se rattrape plus!

Le printemps s'est enfui depuis longtemps déjà
Craquent les feuilles mortes, brûlent les feux de bois
À voir Paris si beau en cette fin d'automne
Soudain je m'alanguis, je rêve, je frissonne
Je tangue, je chavire, et comme la rengaine
Je vais, je viens, je vire, je tourne, je me traîne
Ton image me hante, je te parle tout bas
Et j'ai le mal d'amour, et j'ai le mal de toi

J'ai beau t'aimer encore, j'ai beau t'aimer toujours
J'ai beau n'aimer que toi, j'ai beau t'aimer d'amour

Si tu ne comprends pas qu'il te faut revenir
Je ferai de nous deux mes plus beaux souvenirs
Je reprendrai la route, le monde m'émerveille
J'irai me réchauffer à un autre soleil
Je ne suis pas de ceux qui meurent de chagrin
Je n'ai pas la vertu des femmes de marins


Nós temos a nossa Paris, vc pode me dever crédito, mas ela está guardada no bolso, protegida entre papéis amassados e lembranças remoídas. No asilo deste regaço guardo o refugo de projetos interrompidos e descarnados - a isto darei o singelo apelido de París. Então, te convido mais uma vez a passear por suas longas avenidas de mãos dadas e com sonhos compartilhados; podemos seguir pela Champs-Elysées e tomar um chá as margens do Sena, o que me diz? Sei que vc vai encontrar um charme nestes velhos café franceses, talvez não aquele donde os philosophes se reuniam antigamente, mas posso te apresentar a melhor torta de maçã e sovertes da cidade!
Caminhando, segurando toda a presença daquele momento entre os dedos, sentia envelhercer-me à passagem das horas e das esquinas. Me pertubava a fragilidade daquele instante, a fugacidade daquelas sensações e o consumo de nossas vidas em filosofias circulares. Quer saber o que realmente me importa nestes dias de insegurança? É saber que na semana seguinte, após soar o apito da fábrica, eu terei a certeza de que repetiremos o mesmo trajeto da París que inventamos e que deverá ser invísivel aos olhos alheios para sempre. Em meio a turba dos uniformizados que enveredam pelas ruelas deste bairro operário guardo contigo uma verdade única e inestimável - a vida não é um mar de rosas e vc sabe - em tempos tão difíceis, sinto que somente o seu corpo poderá me aquecer.. Sabe, não receio pelos ventos do sul que carregam consigo invernos rigorosos e duradouros; meu temor maior esta nesta indiferença fria que endurece nossos corações. Pois, é esta a verdade que nos une, seremos capazes de transmitir a nossos filhos ou reeducar nossos pais?
Lembra daquele dia de verão quando sob aquele céu grandioso eu me joguei ao chão e vc, vc mesma!, em vez de querer me levantar se jogou ao meu lado? Na praça da torre Eifel não tinha quem não passasse olhos desconfortados sobre nós e a fuligem que se misturava às nossas roupas nesta avenida vulgar... Éramos risos e carícias - soube daquele dia em diante que nem a desgraça mais miserável poderia nos separar, seria um crime, eu jugo.
Conto tudo isso, com dor e alegria mesclados no peito, não para envaidecer o inevitável e lastimável fim que condenou a nossa fábula, mas unicamente para elevar a herança que tu deixastes em testament. Não falo de algo material e efêmero, afinal o que temos além das roupas que nos vestem ou do banco do Trocadéro, nosso jardim preferido em toda Paris? Estou pensando antes no canteiro fértil ao lado deste mesmo banco aonde começamos a cultivar a nossa verdade.