segunda-feira, 27 de maio de 2013

Caché (Hidden)




Um jogo dúbio entre externo e interno é posto em cena produzindo como efeito uma inversão. Inverte-se a posição do dispositivo de controle, se antes ele convergia para o centro, enredando o coletivo social sob a autoridade do Estado, agora ele nasce do centro como produto inconsciente do ego agindo sobre o universo individual. É sobre a coexistência de sentidos opostos no fluxo da rede que conecta a sociedade aos indivíduos que o filme Caché (Hidden) de 2005 aborda. Dirigido por Michael Haneke, ele é uma coprodução entre quatro países, França, Áustria, Alemanha e Itália; cuja história narra o drama de uma família de classe média alta que passa a receber gravações de sua própria casa registrando a rotina de seus moradores e estranhos desenhos infantis de crianças sangrando.
A sobreposição dessas redes apontam para fatos compartilhados, o filme de Haneke não trata apenas de um misterioso drama pessoal de difícil solução, ele imerge sobre a construção da sociedade francesa tensionada por narrativas nacionais distintas e silenciadas, cicatrizes das quais a exposição atestam conflitos ainda não olvidados. Todos conhecemos a composição multi-étnica da população francófona, fruto de uma passado colonista e imperialista que sobre um mesmo solo vingou memórias argelinas, senegalesas, camaronesas, judias, [...] de litígios sangrentos e prementes. Assim marca, a metáfora posta pelo encontro entre o personagem George, encenado pelo ator Daniel Auteuil, com o ciclista de ascendência afrofrancofona no meio da rua. A intervenção da esposa de Geroge "- Vc não estava olhando, nem ele estava olhando, ninguém tem culpa de nada..", não foi o suficiente para eliminar a tensão social de um século e meio de injustiça migratória. Para todos os efeitos, a lição de perspectiva histórica nos dada pelo povo Piro, habitantes do baixo Urubamba na Amazônia peruana, de que não importa de quem é a culpa, mas antes deve buscar-se saber onde tudo começou tem aplicação legítima sobre essa questão. Igualmente não importa o autor das fitas cacetes anônimas, a indagação a qual a película se presta é sobre a ligação entre crises de consciência de extremidades distintas, individual e estatal, a injustiça cometida por um menino de 6 anos é produto do Massacre de Paris de 1961 sobre a marcha organizada pela Frente de Libertação Nacional argelina segundo uma teoria do caos de coloração neocolonialista.
Vigiar e punir de Michel Foucault (1975) aqui assume um tom revanchista e egóico - o foco centrífugo do dispositivo de controle sobrepõe-se ao centrípeto - não se trata diretamente da injustiça do crime de genocídio sobre a consciência de uma nação, mas pura e simplesmente do caso da morte de homem suportada pela consciência de outro. Esses são os valores e as reminiscências legadas de herança para as novas gerações que descem ruidosamente as escadarias dos colégios franceses.

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