Dois olhares se cruzam, dois destinos indiferentes um ao outro por um segundo compartilham o mesmo caminho; dois corpos, duas vidas, duas almas até este determinado e quiçá definitivo instantes separadas por contingências sorrateiras e intangíveis agora resvalam no surdo-mudo das ruas. Como se poderia definir ou como se deveria lidar com desejos inconstantes e incertos, sem impulso ou direção, prementes por razão e motivação, vozes inatas e caladas no interior de nossos eu's, que em momentos súbitos promovem roupantes inesperados? Alguns seres são guiados por impressões outros por chamados, mas a maioria nega os indícios/sinais que assomam nossas vistas e as vezes a embaralham para continuar seu passo rítmico e inabalável.
Um homem e uma mulher, dois individuos egocêntricos e discrepantemente dispostos a união, que não se conheciam, que nunca antes tinham se visto, que não esperavam nada desse encontro imprevisto. Que de forma análoga a tantos outros casais separados e alheios, agora trocam olhares e se tocam. Ele, de cabeça baixa e taciturno, cujo casaco de veludo desperta tensão e mistério, envolto em uma bruma de apatia, de passos pesados e distintos, como que atraído pelo caminho que traça, não transparece qualquer sensação pelo semblante ainda impassível que carrega. Ela, de pele clara e pensamentos difusos, mergulhada em trejeitos femininos, não pertuba sua noção de mundo com qualquer obstáculo físico, mantém-se distraída em seus passos firmes. A rua de paralelepípedos e cimento é a insensível moldura, um tempo fechado e nebuloso presenciará o fatídico encontro.
São mais dois anônimos que se lançam no fluxo contínuo e infinito do vai-véns. As feições distantes diminuem as distâncias entre si e por um ínfimo momento eles trocam olhares; na iminência desta colisão inevitável eles miram um ao outro profunda e atentamente. O choque dos dois corpos transpassa uma corrente de ânimo que nenhum deles esperava. Em solo estéril e destratado uma semente de esperança é plantada - lançada despretenciosamente - e em seu útero se agregam sonhos, futuros, planos e anseios que somente o acalento de dois corpos pode fazer brotar.
No minuto posterior ao encontro eles param, de sopetão e licenciosamente, simultaneamente interrompem sua marcha, porém, eles não volvem as vistas; não olham para aquele que està à suas costas, simplesmente sustentam a sua imobilidade e algidez por alguns segundos. O pretexto desta coreografia não ensaida era acessível a quem pretendesse narrá-lo: queriam, unicamente, dar passagem ao próximo transeunte que cruzavam.
Ambos por fim e desgraçadamente alcançam a suas moradias e após descasarem os ombros tensos e doloridos na poltrona central do primeiro comodo da casa, só possuem um pensamento em mente: o descontentamento e incompreensão sobre suas vidas e mais especificamente sobre o comportamento selvagem e reprovável de seus irmãos citadinos que prensados em corredores diminutos embarram uns os outros sem sequer se desculparem.
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