sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Imagens do Inconsciente



haber aprendido
a desnudarme
y aceptar discretamente
que el abono fue
siempre será
doloroso
y nunca se está
en la vida jamás se está
de veras
solo

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Dança de Ninfa e Sátiro

Embrenha-se floresta adentro, distintos estímulos embaralham os sentidos que, entorpecidos, se entregam à quimera. Especula com os passos a terra firme e úmida que envolve seus pés com ramas e folhas, transita entre as árvores com os mesmos movimentos com os quais seus pensamentos fluem inquientos entre si em sua mente, caminhar sempre teve um sentido em si mesmo. Não sabe se tens permissão, apesar de pedido feito, avança sob a suspeita de indiscrição e lhe sobem a mente mil fantasias insólitas. A solidão e o silêncio não existem ali, apenas o breu que lhe cobre com olhos invisiveis; é excitante pensar nas milhares de redes de relações que são disparadas a cada imprecaução de galho partido. Quer passar desapercebido, porém guarda plena consciencia do conhecimento dos outros sobre ele. Tudo ali parece feito da tinta do pincel de um deus que se dedica à pintura do maravilhoso aos domingos.
Ao jogar a vista ao céu, entre as copas de grandes árvores, a lua lhe guarda um rosto amarelo, desconcertada com a tarefa imposta de ser a única a se revelar naquele cenário. Aos poucos aquele corpo frágil se enleva com as mais variadas melodias noturnas. As texturas da floresta não mais lhe pinicam a epiderme e seu desespero inicial diminui o ritmo junto as batidas de seu coração.

- Mesmo eu sou refém de meus set's literários, minhas narrativas transformam-se em prosa poética e insisto tanto nos detalhes que esqueço a história e passo a desejar viver o que escrevo antes de escrever o que vivi.-

Tens a impressão de fazer parte de uma grande cia de dança, teatro ou até circo, toda a revolta desencadeada pelas correntes de ar lhe soam com uma dramaticidade cativante. O frio, condutor principal dos medos mais primordiais, submete-se ao calor dos palcos.
Entre troncos musgosos, surge então, a atriz  principal, quem não estava ali, agora transita como se estivesse de passeio entre cômodos de uma casa. Uma das mais belas ninfas daquele recanto vem lhe receber em seus cantos e como sátiro, aceita o papel que lhe atribuem. Ama-a no interior da depressão de um Jequitibá gigantesco, rosa como os seios da ninfa semi-desnuda, cujos reboliços infindáveis são atenuados apenas por suas mãos que os empunham com grande prazer. Arrasta suas mãos arranhando as coxas da dona de um sorriso pueril e se imposta entre suas pernas fincado suas ferraduras em solo macio. Se amam entre suspiros e feridas e tudo naquele bosque exala perfume de amor e luxúria.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Sentido histórico brasileiro

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!


Castro Alves, Navio Negreiro

Antes de tudo cabe uma ressalva explicativa em relação ao título deste texto. Lanço mão aqui do conceito cunhado por Caio Prado Jr. por duas razões; primeiro, emprego a mesma definição utilizada por ele quando se referia às circunstâncias sociais, político e econômicas que emolduravam o período histórico conhecido como colonização; segundo, afirmo igualmente que minhas crenças analíticas situam as origens deste processo no período primitivo de nossa formação.

A estrutura sobre a qual ergue-se as relações que fundamentam e constroem a nossa sociedade segue um sentido único, o sentido do nosso processo histórico. Sob ele encontraremos não apenas os fatos que ilustram e emolduram nossa identidade histórica, mas nos será dada a via de acesso para a compreensão do caráter de nossa sociedade contemporânea. Somos fruto de discursos e embates físicos que no decorrer de cinco séculos narrativos tingiram a brasileiridade com um tempero específico. As relações que governam o nosso cotidiano, subscritas em um contrato de senso comum, na verdade guardam a força da corrente incontestável e, as vezes tendo a crer em rompantes de pessimismo, inelutável da história.
Reescrever a gênese deste processo não exige uma mirada especializada ou um embasamento documental, exige, simplesmente, sensibilidade em relação aos não-ditos, interditos e gafes projetados pelo nosso inconsciente e traduzidos em nossas ações. Pois digo, não nos eximamos da corrente da história, somos mesmo seus cúmplices em nossos silêncios. A linguagem, como meio de conexão para o outro, revela em seu intimo as relações de poder as quais se submete. As relações estruturais encarnada na hierarquia sem a qual esta sociedade não se sustentaria são expressas e podem ser visualizadas no sistema linguístico, a palavra é entendida aqui como signo ideológico, já bem havia dito Mikhail Bakhtin. Assim, a palavra não funciona como mascaramento da práxis cotidiana, antes, para além da sua representação, ela a reafirma permanentemente.
A principal marca identitária de nossa formação se encontra fundamentalmente no sistema escravista, quatro séculos de manutenção do regime de exploração de trabalho humano que arregimentava em sua organização castigos físicos e discursos ideológicos nos legaram um modelo de relação ao qual estamos até hoje, intrínseca e inconscientemente, associados. A violência, presente na supressão do direito humano à liberdade e em suas justificativas jurídicas e ideológicas, era não somente pedra angular do sistema escravista, mas peça chave das regras que administram os mecanismos de formação e controle atuais.
A violência é verbal e simbólica, seja exprimida em uma ordem não-contestável ou em uma ameaça inadvertida como na bem conhecida expressão "vc. sabe com quem esta falando?" ou na massacrante rotina suportada pelas massas trabalhadoras rotineiramente nas grandes metrópoles, porém ela é igualmente doutrinária quando impregna a mente coletiva com discursos liberais relacionados ao direito de ir e vir, as teorias que relacionam o sucesso com o esforço individual como no mito do selfmadmen, as promoções da sorte vendida a varejo e claro, no maior monumento ideológico do Ocidente, o direito à propriedade, e, consequentemente, seu maior crime, bem havia dito Rousseau. É sob direito à propriedade que se salvaguardou o escravismo no Brasil, viola-lo era prejudicial à própria liberdade, defendia-se nestas terras à duzentos anos em discursos inflamados. Sermões registrados em papéis como também o foram registrados em filme fotográficos os rostos de constrangimento e rebeldia dos cativos das últimas décadas da escravidão no vale do paraíba fluminense e paulista, na Bahia, em Recife e em tantos outros lugares por Marc Ferrez, George Leuzinger ou Cristiano Jr. etc. Por fim, a violência é física, como atesta a morte do menino Douglas Rodrigues por policiais e a onda de protestos seguidos à manhã do outro dia na zona norte de São Paulo, nada ela tem de inocente ao paralelo que traçamos com o espancamento de Rodney King em Los Angeles no ano 1992.
A violência, monopólio do Estado moderno, é condenável não por sua ilegalidade, mas pela reatividade que lhe é inata. Contestar é apenas uma direção a se voltar na via contrária do processo histórico e sociológico brasileiro, fundado sobre a estigma da violência, sentencia a como irracional em seu juízo oficial e público. Os dispositivos de controle governamental se antes estavam nos olhos dos feitores que tudo viam ou nas câmeras públicas de vigilância, agora também compõe as críticas divulgadas nas bocas de nossos concidadãos. Fabianos dispostos a contestar somente a violabilidade de seus metros cúbicos através de resmungões e burburinhos. Ainda assim, que nego que o constrangimento e a rebeldia imemoriais desta "legião de homens negros como a noite" não perdeu seu acento tão pouco sua cor nos dias de hoje? É isto, um abismo se avulta sob nós.

"Paz é coisa de rico."

Viagem de trem, metáfora para a vida.

Meu corpo sacode sobre o ritmo cadenciado do vagão, enquanto miro a paisagem tediosa através das janelas tento limpar meu peito dos pesares tão meus quanto do mundo. Respiro fundo porque aquilo que congestiona minha respiração quase sai boca a fora e me faz pensar o quão egoísta é tentar digerir o desespero alheio. Tudo soa como metáfora para esse árduo fardo da vida, minha garota recosta sua cabeça sobre meu ombro e as poucos o peso sobre meu dorso torna-se menos insuportável. A locomotiva segue o caminho dado pelos trilhos e eu quero apenas desfrutar da viagem. A paisagem tediosa destes subúrbios e suas luminárias de mercúrio aos poucos tornam-se céus iluminados como os de Van Gogh e as notas metálicas produzidas pelo atrito das rodas de ferro se assemelham quase à gaita de Bob Dylan. Sou mais um passageiro, o balanço do trem carrega meu corpo e meus pensamentos são novamente parte do mundo. Meu compromisso com a realidade não está dado e se há algum ele me será apresentado aos poucos, parada à parada, como as estações dessa linha. Todo conforto que seus beijos me dão é muito mais do que um homem pode desejar, talvez todas as ambições humanas pouco tenham de verdade se comparadas as singelas promessas que a humildade de seu lar me ofertam.
A próxima estação já não é mais a minha, confundo caminho com destino e minha mente cansada não é mais responsável do que o meu desejo de que este trem não termine sua viajem jamais. É como naquela velha história sobre a folha seca, minha alegoria mais querida, encontro minha paz e meus significados mais preciosos no deslocamento. Digo isto e então, me lembro como uma lembrança sonora da frase "el camino no es camino" e por fim chegamos em nosso ponto de chegada.