domingo, 29 de março de 2009

Folha negra

Uma das definições que eu uso para a palavra tradição é a de um rito realizado com constância e regularidade que remeta a um passado distante. Bom, dentre os costumes que eu assim trato, está um que causa em muitos, reações de curiosidade ou escárnio: o fim e cunho que dou às folhas secas que se desprendem de seu lar seguro por – imposição ou destino – e encontram em mim alvo preferencial. 'O que eu faço com elas', deve a ser a maldita pergunta que agora suscita-lhes a mente? Simplesmente lhes ensino, tratando-as como entidades fomentadoras da vida, o caminho de volta; lhes entrego à sua mãe terra e faço um pedido, tomando tal cuidado acredito piamente estar fazendo um bem para mim também e quem sabe providenciando a satisfação de um desejo. Não me refiro, claro, a saúde do planeta (também não querendo dizer que esta não seria um receio/aflição premente) e sim a minha própria sorte! Isso mesmo, creio eu que este ritual me traga ventura, que este costume, executado religiosamente, me conceda uma boa sina, ou seja, de uma forma ou de outra, tenho predisposição para acreditar em fortuna. Não que esta carga influa em todos os aspectos da minha vida, não, isto tudo faz parte destes sofismas que construímos para tentar intender o 'viver'. A origem de tal hábito, eu não estou bem certo, recordo somente que ela se faz presente já alguns anos, bons anos.
Hoje, fiquei um tanto surpreso quando o vento me trouxe mais uma desta filhas emancipadas de ramos pródigos, ela era negra, não era como as outras, amareladas pelas estações ou verdes de viço que a natureza outorga, tomado de assalto, não da alegria pueril usual, mas sim de um espanto-suspiro, me ponho em devaneios... Seria um sinal? Seria uma amostra do que os próximos dias me reservam? Ou talvez a prova definitivas de que eu estou na pior fase da minha vida? Decadência que não é de ontem e sim de uma torrente que está em meu encalce a anos. Pessimista que sou, estou longe de enxergar nisso um distintivo de bons frutos e tão pouco estou feliz pela possibilidade de se avolumar em meus próximos passos mais-muitos obstáculos. O que fazer? Do choque que me proveu tal evento até fiz o que mais reprovo nas pessoas, eu quebrei a tradição, não realizei a cerimônia de retribuição do privilégio ofertado. Cometi um erro ou um acaso de tamanha grandeza poderia ser previsto? E o que fazer com todos os meu outros erros, ignorá-los e deixá-los que o Tempo os redima? Sou resposável pelos golpes/tapas que a vida me dá? Possuo respostas para estas e tantas outras perguntas? O amanhã me dirá? Vai ver eu deveria queimar minha vida assim como parecia ter sido feito com a daquela folhinha.

Estou é na verdade com medo de voltar atrás e fazer justiça para com aquela folha negra ou a minha própria vida.

Diálogos

- Tantas perguntas pra te fazer..
- Que perguntas?
- Ah, sei lá, tantas..
- Estou indiferente a vc.

Todas as perguntas foram respondidas.

domingo, 22 de março de 2009

Âmago Anônimo

"E esse amor, não o vê ninguém. A não ser talvez tão somente a lua, que flutua pelo céu e espia carinhosamente , através das frestas do telhado esburacado, para dentro do alpendre abandonado."

E tantos outros sentimentos que ninguém vê, ninguém sente? - Aqueles que guardamos no íntimo de nossas almas, que de maneira orgânica compõe o nosso ser - quantas vozes silenciadas, quantos gritos suprimidos, quantos âmagos dilascerados! Da mesma forma o outro. Tantos semblantes anônimos e reprimidos - ignorados - vc, simplesmente, não imagina que aquele vulto passando entre outros milhões quais vc também irá cruzar caminho está chorando ou se ele está gozando o melhor dia de sua vida. Não é tão fácil ou muito menos simples desnudar uma indivíduo de suas emoções somente com o perscrutar dos olhos. Quem consegue ou se interessa por ouvir esses murmúrios desconhecidos? Não conhecemos a ninguém, não conhecemos a nós mesmos! Quem está do seu lado e diz que sempre estará podes lhe fingir amor, quem está ao longe e não se vê podes lhe dever fascínio. Não nos convidamos a penetrar surdamente no reino de outrem, não nos permitimos a ceder passagem àqueles que demonstram querer ser bem-vindos.

Viveremos isolados, individualizados e fechados em nós mesmos? Nesse mundo de caráter cada vez mais egoísta é provável que sim. Talvez seja a nossa natureza, talvez seja um comportamento induzido/imposto? Quem sabe? Simplesmente não nos
perguntamos...

sábado, 21 de março de 2009

[...]

Será o derradeiro fim?
O amanhã dirá...

Los Lunes ao Sol



Segunda-Feira Ao Sol é a tradução do título "Los Lunes ao Sol", um filme sobre globalização, sobre injustiça social, sobre desespero, mas, sobretudo para dizer a nosotros como la vida es dura. Uma película estruturada em diálogos descontraídos e longos, em um espaço de ermo e abandono, nossos narradores nos trazem ao íntimo de seus âmagos e de seus dramas. Dramas análogos a de tantas outras famílias e sociedades, terreno deixado por obséquio pela sorte ao azar, uma convivência intragável com os tempos modernos.
Nossos companheiros tem nomes (Santa, José, Lino e Amador) e personalidades, definidas ou auto-destrutivas, eles poderiam ser mesmo tantos outros joões/pedros ou juans/pablos que dividem do mesmo destino: a incerteza dos próximos dias. Difícil elucida-los coletivamente, apesar da desgraça compartilhada, que em momentos os une e em outros os convulsiona, eles são retratos individuais bem discerníveis em uma multidão - notados somente quando apreendidos - através do recorte que o diretor Fernando Leon de Aranoa sugere. Principio minha resenha pelas vozes que são ouvidas porque este é o foco do filme no decorrer de toda trama ou na morosidade do enredo; não nos colocam no limiar da tragédia ou a proposta é pensar soluções salvadoras, transportam o “ouvinte” para um balcão do bar Naval no meio da conversa de quatro, às vezes cinco amigos. Todos têm aparentemente algo em comum: o infortúnio que os acomete. Dispensados do estaleiro Aurora, em uma pequena cidade industrial do norte da Espanha; mais uma daquelas empresas que se desalojam atrás de maiores incentivos, maiores lucros e mão-de-obra mais barata; um motor que alimentava a vida de milhares de homens, suas necessidades financeiras e ou vitais, agora estuporado por investimentos estrangeiros. Um movimento já bem conhecido como também bastante retratado, caso do documentário de Michael Moore, Roger & Me: a avalanche de desempregados que tudo que podem aspirar é um lugar na arquibancada para assistir às devastadoras e inexoráveis especulações do mercado. Sofrendo as adversidades de se ver sem fonte de subsistência depois dos quarenta anos, alocados das funções “produtivas”, sem perspectivas para melhores dias, resta-os subsistir no olho do furacão aonde homens/operários são meros instrumentos de trabalho, passíveis de superação, fantoches do grande jugo do capitalismo. Homens indóceis de um mundo ingrato, peças imobilizadas que não mais se sustentam por si só e tem nas vozes femininas do filme um oráculo de revelação para a realidade que os sorveu.
Questões como a fatalidade de se viver a mercê do grande capital, a infidelidade de suas mulheres ou insegurança de seus relacionamentos, os segredos dos seus convivas, a rotina da caça por trabalho são levantadas após a primeira ou terceira doses de cerveja ou quando a oportunidade (existem muitas) permite... A voz que mais destoa do grupo é também a de um dos principais personagens, Santa, interpretado por Javier Barden, é ex-liderança sindical de base, um intermitentemente inconformado e provocador tagarela. É ele quem acha a formiga, da fábula "A Cigarra e a Formiga", uma especuladora filha da mãe e entreve nos barcos fúlgidos no horizonte uma passagem para um paraíso utópico conhecido como Austrália, onde tudo é repartido e todos se sentem felizes, segundo suas próprias palavras. Para ser mais exato, o contrário da vida que eles agora levam.
Simbolismos permeiam e inundam a tela de significados e anseios, seja na luz que se apaga após o último sair, seja a urna funerária que se perde na despedida derradeira. Às vezes entender a vida parece ser mais difícil que vivê-la... Se Deus não existe – resposta a mais um dos questionamentos que rodeiam garrafas de orgulho e insatisfação – no coração destes ociosos angustiados, quem poderá resguardá-los? Ficar a deriva, como a própria existência destes indivíduos, no mar enquanto a vida passa seja em uma temporalidade indolente ou igualmente ausente parece ser a alternativa por hora.
Em contextos de crise mundial este parece ser mais um daqueles quadros que se repete a cada dia, de maneira mais violenta e sistêmica, em sucessões mais rápidas e de tal forma imprevisíveis que, como mesmo disse o historiador Wallerstein em recente artigo, em algumas décadas só restará a barbárie ou o próprio fim.

sábado, 14 de março de 2009

[...]

Malditos rosto!... Malditos cinco minutos!... Malditas contradições!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Gavetas vazias, Gaivotas voando.

Existem diferentes formas de morrer; alguém pode morrer para uma pessoa de diversas maneiras e todas elas, acreditem, doem. Escrevendo isso, não estou pensando na fatalidade da carne. Meus sentidos ainda não sucubiram perante tal chaga; não é a falta do corpo físico, que perfaz essas lacunas da vida, que me preocupa no agora. É fantasiando sobre essas experiências que concebo a noção de imaturidade que até esse momento personifica meu espírito, não acredito porém, que ainda esteja nos estágios iniciais de minha existência, vejo e posso confirmar: vivi muito já, o que não irá me impedir de existir um pouco mais.. logo, me refiro à falta que uma ausência faz aos pensamentos, a este grande espaço na nossa mente, semi-preenchido por memórias, realizações, arquétipos e miolos. Algumas vezes parece que essas gavetas cerebrais são ilimitadas, que podemos armazer uma vida de informações e então não nos damos conta de quão isso pode ser pouco, de quão isso pode ser insatisfatório. Não estou reclamando um armário maior ou vinte anos mais de vitalidade, estou sim, censurando àqueles que se dão ao luxo de selecionar as recordações que melhor lhe apetecem, no entanto, me ensinaram, as coisas não são tão simples assim. Nós não estamos embuídos deste poder de escolha – "vc não aponta, abre a pasta e salva" – nós simplesmente lembramos...
O que lembramos? Costumo eu dizer que lembro de tudo; que meu palimpsesto mental deixa transparecer o que os outros costumam sobrepor; que aquele conjunto de reminiscências prensadas umas sobre as outras, soterradas discreteriosamente, sejam abalos ou júbilos, estão à minha disposição para livre e desimpedida consulta, mas é mentira, adimito. Tenho – e demonstro - uma paixão indiscriminada por esses tijolos que ergueram e moldaram a minha morada e espero, seja no além dos tempos ou numa nova era, ter finalmente finalizado minha obra e garantido a chance de nela descansar.
Descaminhos à parte, o que penalizava minha alma no limiar destas linhas, o que esfrangalha meus nervos e convulciona minhas vísceras é o afastamento, é a dissolução daquilo que parecia tão presente, que me dizia ser para sempre e que marcava todas as minhas impressões do mundo de modo bravio. De novo, não atento para a presença concreta - esta já se foi, está no estrangeiro e não me dá notícias da sua volta – mas e o que sobrou deste corpo, por que precisa ir também? Por que tem de se deteriorar, se desintegrar, se desagregar da minha carne aos poucos? Os cheiros, os sons, os borrões apagados de imagens impressas nesta matéria cinzenta, estes aos gradativamente se desvanecem, etéreos, evaporam e atingem o intangível; impalpável até mesmo para os devaneios de uma mente delirante... Se nem mesmo o pó destes ossos sobrará, o que se dirá de meus tesouros? Mas eu sinto tanto-tanto, não ter mais em minhas mãos aquilo que me destes sem eu pedir. Seria negligência própria ou a ordem natural das coisas? Apreensivo, eu só posso assistir, impotente, às minhas memórias ficarem cada vez mais difusas e vagas até eu não saber mais que as tinha.

Acho que é dolorido mesmo, não somente notar isso, mas pensar sobre também.