Existem diferentes formas de morrer; alguém pode morrer para uma pessoa de diversas maneiras e todas elas, acreditem, doem. Escrevendo isso, não estou pensando na fatalidade da carne. Meus sentidos ainda não sucubiram perante tal chaga; não é a falta do corpo físico, que perfaz essas lacunas da vida, que me preocupa no agora. É fantasiando sobre essas experiências que concebo a noção de imaturidade que até esse momento personifica meu espírito, não acredito porém, que ainda esteja nos estágios iniciais de minha existência, vejo e posso confirmar: vivi muito já, o que não irá me impedir de existir um pouco mais.. logo, me refiro à falta que uma ausência faz aos pensamentos, a este grande espaço na nossa mente, semi-preenchido por memórias, realizações, arquétipos e miolos. Algumas vezes parece que essas gavetas cerebrais são ilimitadas, que podemos armazer uma vida de informações e então não nos damos conta de quão isso pode ser pouco, de quão isso pode ser insatisfatório. Não estou reclamando um armário maior ou vinte anos mais de vitalidade, estou sim, censurando àqueles que se dão ao luxo de selecionar as recordações que melhor lhe apetecem, no entanto, me ensinaram, as coisas não são tão simples assim. Nós não estamos embuídos deste poder de escolha – "vc não aponta, abre a pasta e salva" – nós simplesmente lembramos...
O que lembramos? Costumo eu dizer que lembro de tudo; que meu palimpsesto mental deixa transparecer o que os outros costumam sobrepor; que aquele conjunto de reminiscências prensadas umas sobre as outras, soterradas discreteriosamente, sejam abalos ou júbilos, estão à minha disposição para livre e desimpedida consulta, mas é mentira, adimito. Tenho – e demonstro - uma paixão indiscriminada por esses tijolos que ergueram e moldaram a minha morada e espero, seja no além dos tempos ou numa nova era, ter finalmente finalizado minha obra e garantido a chance de nela descansar.
Descaminhos à parte, o que penalizava minha alma no limiar destas linhas, o que esfrangalha meus nervos e convulciona minhas vísceras é o afastamento, é a dissolução daquilo que parecia tão presente, que me dizia ser para sempre e que marcava todas as minhas impressões do mundo de modo bravio. De novo, não atento para a presença concreta - esta já se foi, está no estrangeiro e não me dá notícias da sua volta – mas e o que sobrou deste corpo, por que precisa ir também? Por que tem de se deteriorar, se desintegrar, se desagregar da minha carne aos poucos? Os cheiros, os sons, os borrões apagados de imagens impressas nesta matéria cinzenta, estes aos gradativamente se desvanecem, etéreos, evaporam e atingem o intangível; impalpável até mesmo para os devaneios de uma mente delirante... Se nem mesmo o pó destes ossos sobrará, o que se dirá de meus tesouros? Mas eu sinto tanto-tanto, não ter mais em minhas mãos aquilo que me destes sem eu pedir. Seria negligência própria ou a ordem natural das coisas? Apreensivo, eu só posso assistir, impotente, às minhas memórias ficarem cada vez mais difusas e vagas até eu não saber mais que as tinha.
Acho que é dolorido mesmo, não somente notar isso, mas pensar sobre também.
sexta-feira, 13 de março de 2009
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3 comentários:
as memórias são, de fato, valiosas. admiro seu acervo. mtas ainda virão! lindas, com gaivotas voando e folhas secas caindo...
Eu sempre defendi que em algumas circunstâncias a morte física, real, seria melhor.
Ver, ter notícias (ou não) daquela pessoa que de uma forma ou de outra morreu _apenas pra gente_ é muito ruim.
Sempre se misturam o fisicamente possível com o impossível
e a realidade do não-mais-poder-ter-o-que-um-dia-se-teve, por decisão de uma das partes, pode ser um martírio para a outra.
O "como está" pode doer mais que o "como estaria se".
Então eu penso (ignorantemente) que é como se o trágico, quando põe fim a algo, imortalizasse a cena numa moldura feliz _e não há nada mais a ser feito, não há "pós-qualquer coisa"
E não há notícias de uma 'nova história' que o de lá vive _ou mesmo a indiferença de não haver notícias, simplesmente.
Às vezes meus 'arquivos' se abrem, por descuido,
Vêm sem avisar, de um pensamento que vai a outro que liga a um, dá uma volta e "puf", acabam com o meu dia!
Música, perfume, a lembrança da textura da pele, uma brincadeira, um "ele gostaria de saber disso" ou ainda orgulho ferido de reconhecer com um "é.. devo isso a ele, foi quem me ensinou".
Então, para seguir, censuro sim minhas memórias:
pode ser como que tentar me esconder de mim mesma, 'esconder andares de minha construção',
mas como senhora de mim e sabendo o que me faz mal, escolho pelo bem e evito recorrer a tijolos livremente.
O contrário seria mais ou menos como caminhar e olhar pra trás, a cada novo passo,
sem querer realmente deixar que o que 'foi' se vá...
É.
É.
- "A falta que uma ausência faz aos pensamentos"?
(*não, não. matar assim cada "passado" porque a morte física pode ser mais fácil de superar não seria uma idéia muito justa.. ehehe :))
p.s.: "(nossa escrevi demais)" - e isso agora? foi um comment ou um post?? 8-)
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