Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos."
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"Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!"
Não é o talento com as letras ou as circunstâncias retratadas que me fazem escrever sobre estes dois poemas tão destoante e ao mesmo tempo tão próximos - como faces da mesma moeda - pois é justamente neste constraste que quero concentrar minhas mudas palavras. Sabe, meu íntimo se comove não com o destino ao qual o espírito humano está submetido, mas com o produto criativo de tais infortúrnios. A simplicidade e a sensibilidade que permeiam estes dois sonetos nasceram de um solo regado a água e sal, tamanha infertilidade de tal fórmula não impediu que nele brotasse rosas e cravos de rara beleza. Estes dois botões desvelam em seus âmagos uma das obsessões mais perniciosas (para mim) - pelo menos uma das quais transparecem nos textos deste blog - a 'dedicação' que ambos os amantes sentem na carne e transbordam em seus murmúrios ou vitupérios é idealizada como o verdadeiro laço que une dois seres da mesma espécie. É justamente o fervor deste vínculo que une dois enamorados no início de suas vidas até a prematura morte de um deles; à falta dele depreende-se injúrias e perfídias, a carência deste tempero desdobra-se na angústia e no desespero que é sentir-se enganado. Foi a uma vida de dedicação que se ergueu o altar sobre o "leito derradeiro" de Carolina, logo é à usurpação deste ideal que se refere à "ingratidão" do segundo poeta. Vc levaria margaridas ao túmulo quem te apunhalou pelas costas?
Á dedicação que todos os romances e hisórias de amores impossíveis estão devotados, foi em desfavor desta luz que os Montecchios e Capuletos tiveram que lutar. Dedicação são mãos dadas - a significância de uma união entre os dedos e as vidas entrelaçadas como amantes de uma noite fortuita ou como cúmplices de um crime perfeito, cuja gema preciosa cegou a muitos com seu brilho.
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