É uma curta caminhada de minha casa até a estação de trem, para torná-la atrativa e menos cotidiana eu a prolongo, traço um labirinto desnecessário por puro prazer; conduzindo por ruas estreitas e convidativas, sentimento de conforto expresso pelas bucólicas e pequenas casinhas que as rodeiam. Pequenas a princípio, porque minha experiência narrada aqui manifestará labirintos que eu jamais poderia espremer de minhas tolas jornadas matinais ou até mesmo impossíveis do próprio Dedalus conceber. Uma portinhola e nada mais, é assim que começo a minha história sem mais estas delongas iniciais.
Um convite, um iluminado e instigante letreiro que destoava de toda a paisagem; a mensagem, em letras garrafais e amigáveis, dizia: “Museu Lasar Segal - Entrada só para os amantes da Arte.”. “Que tal trazer um pouco de mais de cultura à minha vida?” foi o que pensei, idéia que mal tomara forma quando cinco minutos depois eu já estava entre os quadros, entre objetos que me suscitavam perguntas, entre olhos que perfaziam retratos ou auto retratos segundo outros, afinal pode ser qualquer coisa. Mas veja, eu que tanto queria desenhar uma narrativa, acabava cá a discutir sobre gêneros de pintura. Isso, pintura! isso era o foco de minha tela, quero dizer crônica; os dois no caso, pois não foram os objetos que, como fábulas, escorreram daquela superfícieeecheeeheheh arenosa e cubista das molduras?
Na exposição então, não era mais Segall quem me guiava, deixado livre transladava por meio àquelas vielas e becos de possibilidades até eu perceber que não eram apenas composições de óleo sobre tela, mas espelhos que refletiam um pouco do que eu era e mais do que eu poderei ser, quiçá um dos corpos cadavéricos e famélicos a espiar pela janela. E desse adensamento do olhar que, como uma curiosidade Alice, eu adentrava as diferentes portas sem nem saber se a passagem era minha ou se o artista permitiria. Em uma delas um primeiro grande abalo, uma sensação de aflição provocada por uma realidade nem um pouco abstracionista. O cenário era de medo e desengano, centenas imigrantes buscando refúgio no além mar contra os orgasmos políticos que explodiam seus lares e pátrias, muitos deles irmãos de meu anfitrião.
O trauma daquelas dores e a maresia do mar me fizeram regurgitar – um vômito de preces, elogios e desejos de esperança que vertiam de mim até transbordar do quadro para de novo me materializar naquele corredor de labirintos da mente humana. Contaria um pouco mais sobre as minhas outras viagens, sobre esses outros mundos da experiência humana, mas isso demandaria tempo e paciência para dizer-lhes o que aos poucos estamos aprendendo de que "a percepção, o sentimento das nuâncias na arte é uma espécie de treinamento não consciente para a percepção de outras coisas na vida.” Antes da despedida prematura receio uma última questão a despontar na curva final de minhas elucubrações e a faço para que o apito de partida não soe sem mim a saída de meu trem: será que eu poderia chamar tudo isso de mediação ou não?
domingo, 23 de maio de 2010
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