sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Minha caixa de Pandora

"Esses papéis do passado qe guardo numa caixa são meu zoológico particular: ali estão trancadas feras de tamanho reduzido: lagartos, serpentes de pele fria. Basta abrira tampa para ver como se movem, minúsculos, tal como as minúsculas placas de gelo que navegam em meu sangue. No redil da história apascento os animais da manada: alimento-os com
a carne de meus próprios pensamentos.

Esta noite, ao mergulhar a mão direita na caixa onde guardo meus papéis, os animais subiram até meu antebraço, moviam as patinhas, as antenas, tentando sair para o ar livre. Esses répteis que se arrastam por minha pele cada vez que resolvo mergulhar a mão no passado provocam em mim uma infinita sensação de repugnância, mas sei que o roçar escamoso de seus ventres, o contato afiado de suas patas, é o preço que tenho de pagar toda vez que quero comprovar quem fui."

De tanto revolver aquelas pastas de alfarrábios deixo as criaturas atiçadas e perigosas. Aqueles papéis velhos não são tão meus hoje como o são deles agora a casa, pertubar aquele abrigo de memórias e poeira concorre um pouco contra a minha própria segurança. Não tenho medo apenas de picadas peçonhentas, mas também de que criaturas mais possam ter sido geradas naquele ambiente inóspito. É um pouco também daquele assombro que sinto ao contemplar as fantasias que minha mente ociosa põe-se a produzir em estado de vigília. Quimeras que não se relacionam apenas com alternativas encantadas de mundo, mas também com perspectivas bem reais ao mesmo tempo que pouco tangíveis para minha vida.
É de tal asco a sensação que se origina daquele movimento sinuoso e vertiginoso de mil pegadas e belicões em meu corpo, sobre a intimidade de minha epiderme que meus pelos se eriçam e a ânsia de vomito é de pouco controle. É a certeza ou a incerteza que me fazem arriscar a minha paz e insegurança ao reviver aquelas películas sem cores e muda que foram meus dias passados? Busco uma mentira que me ajude a negar a verdade sobre mim mesmo ou o inverso para dialéticamente reconstruir uma versão dos fatos e das minhas feições. Porém, antes que eu chegue a metade do segundo calhamaço de documentos já me vejo envolvido por espécies de bestas semelhantes só às das antigas lendas aborígenes. Sinto-me como embuído do mesmo atrevimento de Pandora ao abrir aquela caixa de males. Como para a humanidade foi uma perdição a mim mesmo não existiu um epílogo diferente.
A sede que enseja a ambição dos meus gestos convulsivos é parte daquela busca pelo autoconhecimento que guiou tantos homens. Só que em meu exemplo, não deslumbro a chave para meu caso em uma jornada de revelação espiritual, mas sim na faxina de um soltão velho. Versão se não tão épica ou romântica, é ao menos interessante nesses domingos novos cuja as horas se arrastam com a mesma morosidade em que sacudo o pó desses móveis sem donos. Do desprezo pela quantidade de vermes e insetos que espreitam pela frestas das paredes, penso que tal impressão não muda de caráter ao pertubar a tranquilidade de seus irmãos que guardaram minhas relíquias pessoais.

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