domingo, 5 de dezembro de 2010

A 29 Bienal inteira é um mar

A Bienal inteira é o mar, uma grande massa de água em que milhares de ilhas compõem um estranho arquipélago, pelo menos era o que as crianças gritavam em uma das minhas visitas e nós, educadores, funcionários e visitantes nos encaixamos como nessa história? Como no verso de Jorge Lima ou na fotografia de Maiolino a metáfora do barco me parece atraente, um barco frágil de papel ou madeira que navega vacilante e sem definição de rumo. Seja em um copo, na palma das mãos ou aventurando-se pelo declive da rampa de Niemeyer esse espaço oferece diversas e incertas possibilidades. Como orientação temos as gigantescas bussolas artesanais, legendas camufladas nas paredes brancas e os membros da tribo dos camisas verdes da qual eu faço parte. Mesmo assim, sinto-me livre a deambular por entre veredas sinuosas e pelos salões escuros em busca de minhas experiências íntimas e convido os outros para o mesmo fim. Significá-las creio seja o mais difícil, mas também o mais desafiador e intento esse percurso todos os dias porque sei que dar significados a elas é o meio pelo qual eu tenho para revivê-las, como disse T.S. Eliot.
Já me perguntaram se é suportável lidar sempre com as mesmas obras todos os dias, contesto que meu trabalho não se dirige tanto as obras, mas antes as pessoas que as visitam, minha instigação então, ou o vento que não deixa as velas do meu barco mortas está nessas mesmas perguntas que me inquirem. Está no envolver dessas delirantes rotas da descoberta que se entrelaçam entre as minhas e as do público. Quem diria que algum dia eu estaria aberto ao diálogo com a Arte Contemporânea, quem, antiquado, sempre se mostrou adepto da arte contemplativa agora podia passar horas de intenso exercício reflexivo com o som da caixinha de música de Anri Sala. Muito do que eu disse para meus alunos de passagem hoje eu assimilo como parte de mim, pois, se o museu é mundo como ditava Hélio Oiticica acho que estive buscando inspiração nos salões brancos errados. Será que depois de tanto tempo emergido nas águas desse oceano hoje a arte desponta como um dos meus horizonte na conquista da verve (emprestando o termo de uma das grandes professoras do interior que me acompanhou)? Penso a acima de tudo como instrumento para transformação não apenas para mim, mas, da mesma forma, para os estudantes que me escutaram. Afinal todos nós estávamos e ainda estamos em um processo de formação nisso que convencionamos chamar aqui de Arte e Educação.
Nascemos e morremos muitas vezes durante a vida, não sou o mesmo de ontem e serei outro depois de amanhã. É difícil empregar essa equação nesse trajeto de sete meses onde tantas memórias se debatem com o benfeitor do esquecimento, tantas vezes que tropecei para no final revelar tantas outras coisas sobre minha pessoa. A arte de viver – lançando mão da expressão de Godard – também foi a arte de aprender/ensinar, de me perder na pergunta de alguns e empreender uma nova leitura na resposta de outros. Essa relação que nós educandos tivemos tem muito da sensualidade das obras de Arthur Barrio e Amélia Toledo onde o toque, o olfato e o instinto guiavam-nos em novas direções. Já nesses dias de epílogo sinto certa nostalgia dos diálogos que findam, da rotina cambiante e do espaço em vias de extinção que tanto me marcaram esses meses; como primeira experiência na educação vislumbrei o que acho que seja a minha vocação, desenvolvi o que talvez seja meu método e ultrapassei algumas barreiras que eu tinha como limitadora. Creio em suma e posso dizer que desapunhalei a minha língua. Em uma das minhas visitas favoritas terminei por falar da inexistência de uma verdade única e como aquele salão expositivo representava uma multidão de outras verdades, que se não necessárias serem levadas como máxima, deveriam pelos menos serem consideradas, pois a resposta crítica não está nelas e sim naquele que observa ou em como Bob Dylan canta: The answer, my friend, is blowin' in the wind The answer is blowin' in the wind.

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