quinta-feira, 15 de março de 2012

Km 269


Sob a sorte de uma sombra que amenize o clima de verão levanto o polegar opositor e me ponho a esperar, entre as horas que passam e o desdém deixado pelos carros que me ignoram, a unica mudança na paisagem é a própria sombra a movimentatar-se ao ritmo do sol. Tenho um par de horas antes que anoiteça e eu me torne mais invisível do que estou para os automóveis de viajem ininterrupta. Essa é única certeza e não pode haver muitas quando se esta em meio a estrada pedindo carona, contando com sorte ou com a bondade alheia e a mercê das mesmas condições as quais vc espera receber ajuda. Faz-se isso porque deseja-se, faz-se isso porque não há outra maneira, faz-se isso porque tem-se que fazer; eu o faço para conhecer pessoas e dessa forma contemplo todas as outras respostas.
KM 269 da ruta 10, essa é minha casa, esse é meu mundo enquanto um bom samaritano não desviar meu destino. Preencho meus pulmões com o ar seco destes campos, essa vegetação de pradarias assoma toda a minha vista e não há uma viva alma a não ser um gaucho com seu fatigado cavalo que cruza a estrada. Segundo ele faltam uns bons kms mais para que eu cumpra a minha travessia, se kilometros fossem aqui usados como metafora para a vida, quantos teriam a história daquele homem de bigode grisalho e cabelos ocultos por um chapéu de couro mastigado? Penso nele como uma boa foto que teria guardado aquele instante, carregando com seu antebraço um termo preso junto ao corpo, o mesmo braço que leva o mate a boca e libera o outro para que maneje as rédeas. Diante de tal cenário dou menos atenção aos meus músculos magoados e aprecio aquela cadência distinta das pampas uruguaias, aquele outro tempo que imobiliza a gente e os animais. Falo como estrangeiro de coisas que não sei e que aprenderia somente da voz de um gaucho como o que agora já está embrenhado entre as gramíneis, alimento de rês, alimento, por isso, de gente também. Sou parte da paisagem, diria quem passa, mas prefiro pensar que ela é que é parte de mim porque estou de passagem.
Levo comigo não apenas a flor recolhida em um rincão da estrada, levo comigo também a pessoa que agora divide seu olhar entre a via e o meu. Levo na memória um pouco do veículo que me dirá algum dia muito de seu proprietário. Cada palavra sua é digna de nota, pois não pode-se ignorar quem te abre as portas da casa ou te levada da estrada. Não há limites para essa relação, ela depende apenas do tempo, como igual depende o hacer dedo em um dia de viagem.

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