"Eu tenho mais recordações do que há em mil anos.
Uma cômoda imensa atulhada de planos,
Versos, cartas de amor, romances, escrituras,
com grossos cachos de cabelo entre as faturas,
Guarda menos segredos que o meu coração.
É uma pirâmide, um fantástico porão,
E jazigo não há que mais mortos possua.
- Eu sou um cemitério odiado pela lua,
Onde, como remorsos, vermes atrevidos
Andam sempre a irritar meus mortos mais queridos.
Sou como um camarim onde há rosas fanadas,
Em meio a um turbilhão de modas já passadas,
Onde os tristres pastéis de um Boucher desbotado
Ainda aspiram o odor de um frasco destampado.
Nada iguala o arrastar-se dos trôpegos dias,
Quando, sob o rigor das brancas invernias,
O tédio, taciturno exílio da vontade,
Assume as proporções da própria eternidade.
- Doravante hás de ser, ó pobre e humano escombro!
Um granito açoitado por ondas de assombro,
A dormir nos confins de um Saara brumoso;
Uma esfinge que o mundo ignora, descuidoso,
Esquecida no mapa, e cujo áspero humor
Canta apenas aos raios do sol a se pôr."
Colecionando memórias...
Gosto da relação que ele faz, da recordação com a sepultura, algo estéril ou inerte, porque é o que passado é ou faz: absolutamente nada! Então por que se apegar tanto a ele? Por que eu me apego tanto a ele? Não sei, não imagino do que mais sou feito – além destas memórias – as outras peças que me compõe são deveras efêmeras, inconsistentes, contrastantes demais para eu me amparar sobre elas. Por isso prefiro aquilo que ainda não me esqueci, aquilo que minha caixa-amarela protege do tempo, aquilo que minha mente não faz questão de se desfazer.
sábado, 6 de dezembro de 2008
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Um comentário:
Olá Heitor!
Esse texto é fantástico!
É de sua autoria? Ele tem um pouco da melancolia de Álvares de Azevedo.
Belíssimo!
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