Contarei aqui a história de um garoto tolo, qualidade não reservada somente a ele, mas que em sua pessoa ganhava preeminência. Estamos falando daquelas criaturas desacostumadas ao contato social, exemplar de feitio pusilânime, pouco afeito às massas e de comportamento travado ou reprovado. Ele expressava em seus olhos e cenho o que os desesperados alardeavam. Sentia um profundo desgosto pela vida e seus elementos, suas vestes ostentavam pretensões de dissimulação, em suma, ele não existia e tentava justificar a sua insignificância. Às ruas ele saia por impulsos abjetos e distraídos, não encontrava afeição ou aceitação nas faces anônimas e a relação com as conhecidas só fazia ele ser alguém que não queria. Não sabia se eram obstáculos transponíveis ou apenas tapas de escárnio as pedras em seu caminho, entretanto ele sentava sobre elas e sentia a vida passar, se levantasse os olhos, enxergaria além - disso tinha certeza - apenas mais motivos para se manter imóvel...
Uma dor interna corroia suas entranhas paulatinamente - indiagnosticável - ele escreveu livros, que não leram ou intenderam, sobre este pesar; de natureza frágil, ele não queria nada e por esse nada esperava. A manutenção do silêncio e a omissão eram suas estratégias desde a infância, porém prometia, em vão, mudar; verdade única: queria unicamente que os outros se calassem, apesar da tendência a revelia, apreciava a companhia destas e não negava o calor e alento que estas lhe propiciavam. Manteria, entretanto, sua convicção nas vozes em sua cabeça.
Um dia ele viveu um romance, esta ascendeu como uma estrela no céu, marcou o seu horizonte e lhe fez verdade um monte de mentiras, ele as sorveu com sede e entusiasmo. Não era um sonho, era uma simples indigestão, um doce inverno de dias contados. Moravam em um vale, embrigados pela aragem e pelo verde viçoso, iludidos com o reflexo das águas que pintava um quadro de idílio, comutavam um amor sem fim, lançavam juras e planos aos quatro cantos do quarto. Seus corpos eram telas vivas das sensações que descobriam e suas ações eram limitadas pelo pequeno colchonete que dividiam as noites e as manhãs. As esperanças de infinitude e de crianças povoando a casa se prolongavam horas-horas em diálogos inebriantes e inefáveis. Eram tolices, ambos sabiam, mas fantasiavam mesmo assim, queriam a intensidade que somente as fábulas poderiam portar...
- A primeira vez eu me senti forçado a dizer, mas com o passar dos dias sentia essa ventura, sentia-me em teus beijos e teus abraços e me dava vontade de a cada minuto te dizer, repetir, com absoluta certeza, toda a verdade que eu carregava comigo e eu não te dizia.. Me reprimia, suprimia este impulso - dito irresistível - mas a que tipo de tolice eu me entregava? Não, era como se já soubéssemos, se como a troca de olhares, os reflexos recíprocos em nossas retinas revelassem o que nossas bocas omitiam.
Como acabou ele não se lembra, guarda somente que, como primeiro e último, ele foi único! Perderam contato, se mudaram, trocaram-se os nomes e as indentidades, não mais se reconheceriam, em verdade, nunca se conheceram. Dizem até que um deles morreu prematuramente em um acidente - uma encruzilhada que aparece na vida de qualquer indivíduo e que produz tantos mortos-vivos.
Às máculas passadas se juntaram às presentes e o receio por futuras fez ele não mais refrear os modos. Era uma moeda de duas caras que concelhos ou drogas não poderiam segurar. Leu, reviveu, escreveu. Contam que se matou anos depois - não sabem se por questões maiores ou menores - tirou a própria vida simplesmente, apagou-se da memória alheia e destruiu os vestígios de suas aventuras vindouras. Viveu 40 anos em 20, marca impressionante para quem nunca saiu da cidade natal. "A terapia não adiantou - se matou", transfomaram essa sentença em ditado e nunca mais falaram dele...
Ele havia realmente deixado de existir.
(Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência)
quinta-feira, 23 de abril de 2009
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