sexta-feira, 24 de julho de 2009

Quadragésimo aniversário

"...a todos os suicidas é familiar a luta contra a tentação do suicídio. Cada um deles é familiar a luta contra a tentação do suicídio. Cada um deles sabe muito bem, em algum canto de sua alma, que o suicídio, embora seja uma fuga, é uma fuga mesquinha e ilegítima, e que é mais nobre e belo deixar se abater pela vida do que por sua própria mão. Tendo consciência disso, a mórbida consciência que é praticamente a mesma daqueles satisfeitos consigo mesmos, os suicidas em sua maioria são impelidos a uma luta prolongada contra a tentação. Lutam como os cleptômanos lutam contra o próprio vício. O Lobo da Estepe era bastante afeito a esse tipo de luta; nela já havia combatido com várias armas. Finalmente, aos quarenta e seis anos de idade, deu com uma idéia feliz, mas não inofensiva, que lhe causava, não raro, algum deleite. Fixou a data de seu quinquagésimo aniversário como o dia no qual se permitiria o suicídio. Nesse dia, convencionara consigo mesmo, podia usar a saída de emergência, segundo a disposição que demonstrasse. Então poderia ocorrer-lhe o que fosse, enfermidades, miséria, sofrimentos e amarguras, que tudo teria um limite, nada poderia estender-se além daqueles poucos anos, meses e dias, cujo número era cada vez menor. E na realidade suportava agora com mais facilidade males que antes o teria atormentado profundamente, males que o teriam comovido até as raízes. Quando por qualquer motivo as coisas iam particularmente más, quando novas dores e perdas se vinham juntar à desolação, ao isolamento e ao desespero de sua vida, podia dizer aos seus algozes: "Esperai mais dois anos e eu vos dominarei." E logo se punha a imaginar o dia de seu quinquagésimo aniversário, quando, logo pela manhã, começariam a chegar as cartas e felicitações, enquanto ele, tomando da navalha, despedir-se-ia das dores e fecharia a porta atrás de si. Então a gota das juntas, a depressão do espírito e todas as dores de cabeça e do estômago poderiam procurar outra vítima."

Cada palavra, cada angústia expressada; os termos e projetos explicitados casam-se de uma maneira assustadora, com tais argumentos eu não consigo apenas me conhecer um pouco mais como também me auto-destruir. Da mesma forma eu idealizei o ano do meu quadragésimo inverno e com sensibilidade semelhante pertubei-me e me martirizei com a mesquinhez de tais pensamentos... Este então, é o meu fado, correto? O isolamento progessivo e paulatino de uma critura noturna e desgostosa com a existência e o afastamento cada vez mais irreversível da imortalidade.
Acredito mesmo que quem me dera tal livro, estava simplesmente com vontade de zombar de mim.

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