Eu machuquei a mim mesmo hoje; o tempo passa com grandes ventanias e mormaços insuportáveis e o que as horas dos dias me trazem são apenas mais motivos para me ferir. São cortes superficiais, às vezes este impulso se concentra em um mesmo lugar do meu corpo, tornando uma mera escoriação uma cicatriz profunda e evidente, tão claras que as pessoas que me rodeiam em alguns momentos a percebem e a apontam. Essas feridas expostas contam a minha história, faço delas os documentos comprovatórios das minhas desventuras, não que sejam infelicidades pouco críveis ou que eu as goste de rememorar, não, não é isso, simplesmente não consigo esquecê-las... Os vasos por onde transitam lâminas dão o eixo que me sustentam nessa realidade, por isso me concentro nelas e na dor que me transmitem, elas preparam a minha carne e nervos para os próximos golpes que essa existência me reserva. Não posso e nem quero deixar este mundo órfão da minha conciência, mas tenho em vista também que somente a panacéia oferecida pela loucura me fará tolerar mais algumas décadas neste espaço.
São as vicissitudes da vida que me presentearam com essas chagas, elas se espalham e deformam o meu corpo, mas a mácula maior é deixada no meu espírito; as ruas, meu domícilio e minhas companhias preenchem este quadro de extensa e intensa agonia - não são estes que seguram a faca que atravessará a epiderme e jorrará sangue deste ser agonizante que vos escreve, não de maneira fatal, claro - porque sofrimento combina a morosidade para adiar o epílogo - tenho assim uma intermitente dor que me acompanhará e me dará a justificativa para esta auto-mutilação. Justamente dessa latência que eu conquisto o direito e a sensação de estar vivo e gozo do desprazer deste privilégio. Por tudo isso me mantenho resignado e conformado com a cruz que repousaram em minhas costas e desta feita de modo algum saio apontando culpados: sejam meus pais, amigos ou anônimos. Foi a minha própria sina que me trouxe esse encargo em algum momento indizível ou indivisível que não me cabe agora precisar. Eu apenas sinto a sanha mortificadora deste utensílio enterrar mais alguns milímetros de sua folha reluzente neste tecido esquálido e gélido que é a minha pele.
O que eu me tornei meu doce amigo? Conduzirei-me assim até o final enquanto todos que eu conheço já se foram?
Ah, quanta sujeira!...
domingo, 23 de agosto de 2009
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