sábado, 12 de dezembro de 2009

Lepra

Tire as vistas de mim, não sabes quanto um olhar pesa? Está vendo estas marcas?! Os meandros, sucos e saliências de baixo relevo que o câncro cutâneo provocou, agora tomam toda a minha face... eu sei, não é uma bela cena de se apreciar. Este mal que consumiu meus dias em lágrimas de dor e agonia, também me tencionaram a este comportamento misantropo. Guardo então, meu dias com o mesmo ardor da tarefa que o rei Sísifo tinha de realizar, garanto-lhe, é estremamente penoso. Me refugio então, da existência sem nada dever a ela, porém ainda com a conta aberta, aguardo quando serei finalmente ressarcido.
Em eras mais antigas que esta, a minha condição seria a de expurgado, perseguido e encurralado por uma turba empossada de pedras e forcados - não teriam miséricordia - e minha miséria encontrariam um fim. Não, em momentos assim palavras não surtiriam qualquer efeito sobre rosnados ensandecidos. Então por que tentar? Não haverá outra Revolução e este anacronismo me deixa desnorteado e sem sentido. Tudo isto porque minha aparência para eles era repulsiva e perniciosa, mas nem sempre fui assim; nem sempre sai às ruas sob a corbetura da lua e protegido pelas sombras, meu rosto nem sempre esteve obrigado às vestes. E hoje? No tempo presente os homens nasceram como criaturas mais compreensíveis e inventaram novas formas de segregação.
Acho mesmo que poderia remeter a cada uma das chagas que cobre o meu rosto a cada uma das desventuras que compõe a minha história. Vê este furo que marca minha bochecha esquerda? Nesta pequena cavidade escondem-se todos os meus pesadelos - os males que atormentam meu sono e me fazem acordar gritando - que fizeram deste orfício o seu ninho. De fato, tudo que eu consigo despertar é a moléstia àqueles que cruzam o meu caminho. Mas então, por que persistes com este ritual, por que repousas suas retinas cansadas sobre meu estado desafortunado? Não achas que já tenho sobre as costas um fardo pesado por demais?! É o que dizem, a desgraça alheia só faz atrair olhares curiosos. Entretanto, não consigo distinguir o que tem neste brilho, pena ou desdém?

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