sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Excadescere

"Nossa mente é porosa ao esquecimento; eu mesmo estou falseando e perdendo, sob a trágica erosão dos anos, os traços de Beatriz."

Caminhando de passo rápido e faceiro, um garoto andou a se esquecer, de uma hora para a outra abriu mão de todas as suas recordações, não sei bem por qual motivo, talvez ele também tenha se esvaido com todo este esquecimento. Para o personagem deste post que tinha tanto apreço pelas suas memórias, ouvidá-las parecia em um primeiro momento descuido ou simples egoísmo, sim, pois aquelas reminiscências não eram apenas dele, ele as compartilhava com dezenas de outros individuos e essa escolha, a da extinção de seus vestígios nestes retratos mentais, era também a rasura de parte destes quadros para as outras pessoas - o que os invalidáva por completo. Para estas então, o que restava era somente um conto sem fim ou com uma lacuna, como uma tela por terminar em uma varanda de casa abandonada, vazio este que comprometia a beleza da história/pintura. O que fazer?
Assim se explicava aquela expressão altiva e a condução de gestos seguros e firmes: aquele pequeno exemplar de gênero humano recomeçava do zero e fazia isso a cada esquina atravessada e a cada porta aberta, era como se fosse a primeira e também a última, porque nada tinha fim ou ínicio, era sempre o nunca. Desta forma não existiam laços, nem raízes e muito menos mágoas - todas as pessoas eram ninguéns para ele, assim como ele para todo os outros. Viveu assim por muitos anos ou quiçá muitas horas, quem sabe? Tempo e espaço neste conto não são medidas. Aonde ele estava, então? Lugar nenhum. Para onde ia? Não existia. Conta-se apenas um não-registro da imagem daquele menino caminhando sobre a calçada como se esta fosse a única tarefa de sua vida e ao mesmo tempo como se ele fosse principiante no seu governo.. misturado, entende?
Um dia ele conheceu alguém, na verdade ele a re-conheceu muitas vezes em sua vida, exatamente por esta sina ditar que todas as vezes seriam a primeira vez. Então por que a esta ele fazia menção? Na verdade não fazia, era apenas um lapso de memória que o pertubava ou melhor dizendo, um dejavù que se repetia. Entretanto esta era toda a sua vida, não? Fato que não sabia, se quer suspeitava, mas alguma coisa acontecia toda a vez que se sentava ao lado dela, no assento do ônibus, no banco da praça ou daquele momento em que ambos encontraram-se jogados no gramado verde-claro do parque. Em todas estas ocasiões alguma coisa ficava, não era uma pedra, carta ou qualquer objeto material, era sim, um resquício imaterial, um pequeno traço ou um perfil que o guiava novamente para onde ela estava. Assustador, não? No entanto ele não tinha certeza, isto o assustava mas também o enternecia, uma sensação um tanto ambígua que o perseguia. O que dizer para si ou para ela/elas?
Nada o fez, pois nada adiantava, guardava somente esta impressão e a ocultava bem dentro de si quando o re-encontro sucedia, não podia lhe dizer que ambos estavam fardados a não se conhecerem. Não sei bem se posso alcunhar isto de conclusão, pois nem bem escrevo um ponto, um novo parágrafo descorre sob meus dedos e me desconcerto por não satisfazê-los com um real fim. Penso ainda na responsabilidade que poderá recair sobre o meu personagem, quando na verdade, toda a culpa desta maldade pertence sobretudo sobre ela que nunca se preocupou em ser unicamente uma, mas apenas muitas.

Esquecer ou lembrar, este sim, é a maior dualidade da vida.
"Death is nothing"

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