domingo, 15 de novembro de 2009

Chuva

Estava quase amanhecendo, exausto, agradecia enquanto arrastava os pés pelo sol ainda não ter nascido para iluminar a minha face lastimável. Aquele longo percurso que me agraciava com sua ruas vazias me fazia sentir que as coisas não poderiam piorar, mas então, es que ao dobrar a primeira esquina ouço um trovão e o prenúncio de que o tempo me reservava uma surpresa agradável. Aos poucos e timidamente gotículas de água começaram a cruzar o céus e cristalizar o asfalto. Apesar da escuridão e da nebulosidade a lua atrevia-se ainda a se fazer presente. Meus ombros tensos e doloridos começaram então, a esfriar e a amolecer, era o fino vel de garoa que me cobria e protegia dos demônios que estavam a corroer o meu estômago. Satisfeito e grato por esta epifania, meus passos recobraram os ânimos - exageros a parte - não posso desconsiderar as circuntâncias em que o céus descarregou suas nuvens como um sinal divino.
Como um sopro de vida comecei a caminhar sem mais o receio de me deixar jogar na próxima esquina e desistir do retorno ao lar. Ferido, o lobo da estepe dentro de mim uivava e pedia abrigo, não passava pela sua cabeça que essa crise, se motivada, poderia destruí-lo. Dissipado essas angústias, comecei a prestar atenção apenas na chuva, além da ânsia que me levava a desejar uma verdadeira tempestade, pensava na perfeição de cada um daqueles prismas líquidos que vertiam, individualmente e singularmente, sobre o solo. Era realmente um espetáculo louvável. Acho que não há na natureza metáfora mais poderosa e eu como um pobre menino tolo, não posso abrir mão destas analogias espontâneas.. Já me disseram que eu abuso das alegorias por demais, a estes eu os condeno - não por quererem destruir a minha faculdade verborrágica - mas antes por quererem abolir a literatura! "Haha, vê este cubo de gelo, neste instante de perfeição, ele é único e eterno, eterno nesta minha maldita memória, porém tão efêmero quanto sua resistência ao calor ou ao seu esquecimento." Cultivar este tipo de experiências, só poderá me deixar maluco algum dia, será? O que o julgamento do grande Estado da Negação me reservaria sobre este assunto?
Então, tomado pela insanidade da ventura me postei no meio da rua e comecei a bradar para esta grande abóboda celeste e para os ouvidos surdos das 5h da manhã, "quem está ai? quem me ouve e manifesta-se através dos signos mais simples da natureza?" Para os incrédulos, eu digo que não obtive qualquer resposta, para o meu registro memorífico fica guardado a imagem do estalo do raio que rasgou o firmamento naquele instante! Sabe o que é mais engraçado ou intrigante?! Após finalmente botar sobre a minha calçada meus pés fadigados, aquela garoa que me acompanhou todo o trajeto cessou de súbito, pergunto então, eu tive um diálogo aqui?

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