quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A garota da sacada

"Em toda parte, onde quer que seja a vida, quer nas camadas áspero-pobres e mísero-humildes da sociedade, quer nas monótono-frias e enfadonho-asseadas classes altas, em qualquer nível, surge uma vez na vida de um ser humano uma visão, diversa de tudo o que até então lhe fora dado encontrar, e que, por uma única vez que seja, desperta nele um sentimento diferente de todos aqueles que lhe foi destinado sentir em toda a sua existência."

E essa uma vez teve um dia para mim, algo realmente suntuoso e de um brilho fulgurante que por alguns minutos desembaçou a minha vista das cores foscas que minha vida ordinariamente toma. Não tenho certeza se conseguerei transpassar com primor em palavras aquela corrente que percorreu todo o meu corpo em um átimo de tempo. Um sentimento diferente que marcou profundamente a minha alma. Sabe, há fatos ou pessoas, tomadas como definitivo, em nossas existências que muitas vezes passam por ela deixando nada menos do que insignificantes pegadas na memória. Creio, desafortunadamente, que o que me passou por este dia seja um exemplo desta sorte.
Tenho não mais do que poucas linhas para narrar o acontecido antes de eu me perder em deleite com estas doces reminicências que vão e voltam sem sobreaviso. Engraçado o destino dos homens, bombardeados a todos os intantes com experiências sinestésicas sem concequencias maiores, e então, julgam-se desnorteados após uma mera visagem e após isso, nunca tornam a ser os mesmos.
Tardo a inciar o meu relato, porque o peso daquelas impressões ainda toldam minha capacidade de concentração. Este conto não trata de um assunto de literatura fantástica ou pretende devendar algum escuso mistério humano, mas antes, conta com poucos detalhes - aqueles que a fantasia ainda não violou - do conhecimento que tive no mirante de uma sacada, na última sexta-feira, com a mais bela das criaturas moldadas pelo trato divino. O porvir da encenação entusiasmaria até mesmo o amante mais envaidecido, entretanto o engenho do meu procedimento teria que desapontá-lo no segundo ato. Pois, nada mais fiz do que observá-la naquela noite escura, aonde sua alva pele era iluminada apenas pela lua e pelas poucas estrelas que a noite paulistana deixava entrever. De cabelos curtos e negros que mal conseguiam encostar os ombros nus, ela me instigava com aquela insistência no nada. O que tanto refletia?
Que consolos buscava naquele ar insípido de madrugada fria? Presumo que sua sensação de solidão não era afetada pela minha presença, por isso, me mantive queto a admirar aquele estado de graça intocado.
Juro que as linhas daquela face nunca mais me sairão da cabeça, porque não era só a inanição daqueles movimentos que me tocavam e sim, também, a sutileza dos suspiros que ela dispensava ao léu. Jamais antes, a certeza de que todos os ritos femininos, sejam com quais intentos, eram realizados com toda a virtude e elegância, ficou tão clara.
Não posso dizer que sacrifiquei uma possibilidade, não posso acreditar em um enrendo que terminava com aquela dama em meus braços; tendo somente a suspeitar de que as mesmas intenções que motivavam o meu isolamento daquela festa arruinada eram as mesmas que assolavam a heroína dos meus cantos. Logo, escrevo não em face da chance perdida, mas em função dos ternos sonhos que aquela recordação tem me despertado a cada sono.

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