domingo, 7 de novembro de 2010

Coletivo

É tarde e meu ânimo segue sendo chacoalhado pelas veredas em que o transporte público me conduz. É tarde e a garoa fina que cai do lado de fora avisa ao meu corpo cansado que já era hora de estar em casa. É tarde e mesmo em plena conciência desse fato eu continuo perscrutando os ponteiros de meu relógio. Por que eu insisto sempre no mesmo percurso massante quando eu sei bem que uma caminhada me faria bem melhor? Envolvido em diálogos alheios e o mormaço deagradável do aperto - que nada podem contra a gélida sensação de abandono que a fórmula homogeinizante da multidão me imprime - eu escuto uma melodia suave. Quanto de razão e emoção estavam mesclados naquele ato que me colocou dentro desse coletivo? O ministério público da saúde deveria colocar como situação de risco à sanidade mental condições assim... as vezes parece que o próximo esbarro desencadeará um surto irrefreável no meu corpo e mente, ou quem sabe na figura do próprio condutor [que mal observei o rosto] se for obrigado a abrir a porta pela quarta vez na mesma parada.
O sinal fecha pelar terceira vez e eu pela sexta escuto aquela canção que me recomenda regalarte com uma rosa. Não penso na validade da proposta, tento antes me segurar na recordação gostosa que foi o seu sorriso ao se deparar com o meu buquê. Da mesma forma que me agarro a essa memória delirante tento não me desprender das barras que oferecem a segurança da minha viagem. Naquele trajeto parece que o amparo de ambas concorrem para a sustentação da minha segurança. Onde fica a fronteria entre a sanidade e a loucura? Será a próxima esquina a divisa entre esses dois estados? Uma rotina de dias tão parecidos mas com cores tão diferentes, as vezes penso que minha teoria de simulacro cenográfico ganha valia nesses ambientes públicos de tão incomoda intimidade. Então, já na exasperação da minha claustrofobia eu tento buscar as verdades pessoais daquelas feições tão díspares que hoje compõem a minha companhia ou quem sabe encontrar abrigo ignorando a hostilidade de todas aquelas expressões. Sem sucesso, afinal é dificil ser escutado em uma multidão de headphones.
Agora falta pouco para o fim do castigo que todos nós assumimos em doses ameopaticas para não surtar em objeção. Não sei mais se quero te encontrar ou estar um pouco só finalmente. Meu juízo de escolha permanece atordoado pela lembrança daquela personagem anônima que nunca cruzou suas miradas às minhas, dona de um semblante que, não duvido, comparta muitos dos meus pensamentos.

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