quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Placebo azul, Félix Gonzalez-Torres


Um tapete azul estendido rente e sobre o chão, composto por centenas de balas de menta ou simplesmente doces que envolvidos em embrulhos de celofane azul conformavam um retângulo delgado de 130 kg. Um ambiente que não podia inspirar nada mais do que desejos furtivos e tolos de reminiscências pueris, uma sensação branda e benigna invadia aquele espaço, a princípio, pertencente ao universo infantil. Mas algum de vcs aqui já sentiu uma paixão? Sim, uma paixão daquelas que arrebata e anula o raciocínio, atrai e monopoliza os sentidos? Como um fogo que arde e não se vê, uma ferida que dói e não se sente, esse descontentar-se de contente; algo que não te faz pensar a ser não como parte um de duplo cindido, um corpo uno divido pelas vissitudes da vida - separações que podem ser tanto de ordem geográfica ou mesmo mortal. Alguem já sentiu uma paixão assim?
Sim, essa formação volumosa e homogênia que atiça o pecado da gula também toca a um âmago ferido. Felix Gonzalez-Torres, artista plástico cubano nascido em Guantanamo e erradicado em Los Angeles trabalha com o sentimento da perda, uma ausência insoluvel, que é passível de criar laços de indentificação em todos nós. Placebo, do latim placere, quer dizer "agradarei" e é utilizado como denominação do fármaco que apresenta efeitos terapêuticos devido à reação fisiológica da crença do paciente de que está a ser tratado, ou seja, um falso remédio que atua apenas em nível psicológico. O sentimento de perda do qual o artista fala nasce de uma referência pessoal, o parceiro da sua vida,Ross. Entretanto, essa perda particular, torna-se universal a partir da relação de agrado com o público que é agraciado com possibilidade de retirar uma bala, ou melhor, um pedaço em nível simbólico da união de corpos unidos em vida e emoldurados na experiência daquele lugar sagrado.
É sugestivo pensar nesta obra que funciona sob o conceito da estética relacional como a partilha de uma dor que nunca pôde ser obliterada através do agrado singelo pequenos doces. Dessa forma, essa balas continuam sendo expostas pelo mundo e seguirão como um ritual funerário de preenchimento de uma perda que não tem fim.
Entre os povos indígenas amazônicos existe uma particularidade ritual no hábito da alimentação, especificidade que é traduzida pela antropologia como comensalismo (que pouco tem a ver com a relação de equivalência da biologia). Esse termo traduz o ato de comer junto como um processo de afinização, ou seja, nós tornamo-nos parentes a partir do momento em que sentado ao redor desse retangulo perfeito, que tanto pode remeter a uma mesa como ao buraco de uma cova, e banqueteamos com o que nos é oferecido. A distância entre um e o outro aqui é eliminada, não existem mais estranhos e somente iguais. Da mesma forma, pensamos na relacão com seus mortos dos povos de língua pano também da Amazônia que tem como costume aleofagia, ou seja, o consumo da carde de seus parentes falecidos em um processo funerário. Embargados e chorosos estes comem em comunhão a carne de seus entes queridos desejosos de afastar o próprio espírito do morto que está preso ao sangue do cadáver e retorna contantemente ao seu local de origem para trazer consigo seus parentes ainda vivos de quem sente tamanha saudade. Como disse a antropóloga Manuela Carneiro Cunha: "há pois algo em comum entre os termos de afinidade e os termos dos mortos. Isso parece ser o reflexo de algo comum que existe, também entre o comportamento para com os afins e o comportamento para com os mortos."
Naquela sala de paredes brancas e inundada pelas memórias de um indivíduo que dividia das suas e recebia a dos outros, todos eramos parte de um mesmo grupo de substâncias, os vivos e os mortos, mantidos coesos pelos discurso conceitual da obra, pelos desejos dissimulados e inocentes, pelo peso compartilhado, pelos lacos de parentesco temporário.

sábado, 29 de outubro de 2011

A Autonomia da USP!

"Não é comum ver livros como armas. Enquanto no dia 27 de outubro de 2011 a imprensa mostrou os alunos da FFLCH da USP como um bando de usuários de drogas em defesa de seus privilégios, nós outros assistimos jovens indignados, mochila nas costas e livros empunhados contra policiais atônitos, armados e sem identifica ......ção, num claro gesto de indisciplina perante a lei. Vários alunos gritavam: “Isto aqui é um livro!”.
Curioso que a geração das redes sociais virtuais apresente esta capacidade radical de usar novos e velhos meios para recusar a violação de nossos direitos. No momento em que o conhecimento mais é ameaçado, os livros velhos de papel, encadernados, carimbados pela nossa biblioteca são erguidos contra o arbítrio.
Os policiais que passaram o dia todo da ultima quinta feira revistando alunos na biblioteca e nos pátios, poderiam ter observado no prédio de História e Geografia vários cartazes gigantes dependurados. Eram palavras de ordem. Algumas vetustas. Outras “impossíveis”. Muitas indignadas. E várias poéticas... É assim uma universidade.
A violação da nossa autonomia tem sido justificada pela necessidade de segurança e a imagem da FFLCH manchada pela ação deliberada dos seus inimigos. A Unidade que mais atende os alunos da USP, dotada de cursos bem avaliados até pelos duvidosos critérios de produtividade atuais, é uma massa desordenada de concreto com salas superlotadas e realmente inseguras. Mas ainda assim é a nossa Faculdade!
É inaceitável que um espaço dedicado á reflexão, ao trabalho, à política, às artes e também à recreação de seus jovens estudantes seja ameaçado pela força policial. Uma Universidade tem o dever de levar sua análise crítica ao limite porque é a única que pode fazê-lo. Seus equívocos devem ser corrigidos por ela mesma. Se ela é incapaz disso, não é mais uma universidade.
A USP não está fora da cidade e do país que a sustenta. Precisa sim de um plano de segurança próprio como outras instituições têm. Afinal, ninguém ousaria dizer que os congressistas de Brasília têm privilégios por não serem abordados e revistados por Policiais. A USP conta com entidades estudantis, sindicatos e núcleos que estudam a intolerância, a violência e a própria polícia.
Ela deve ter autonomia sim. Quando Florestan Fernandes foi preso em 1964, ele escreveu uma carta ao Coronel que presidia seu inquérito policial militar explicando-lhe que a maior virtude do militar é a disciplina e a do intelectual é o espírito crítico... Que alguns militares ainda não o saibam, é compreensível. Que dirigentes universitários o ignorem, é desesperador."

Lincoln Secco
Universidade de São Paulo (USP)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) - Departamento de História

sábado, 8 de outubro de 2011

Entre o Sorriso e o Choro,

diante de ambos minhas defesas sucumbem, a bandeira branca é levantada e os disparos cessam. Diante do arbítrio inimigo abro mão de condições pré-estabelecidas e qualquer negociação é vã diante da inevitável rendição. Reconheço a derrota, sou fraco. Minhas posições são tomadas e todo o território é ocupado sob os últimos suspiros da resistência. Somente loucos ou cegos negariam a vitória destes semblantes refletida no branco de suas retinas. Toda diatribe deve ser regida ao compasso de argumentos postos com postura e destreza, a eloquência e erudição são então, instrumentos indispensáveis em uma contenda verbal. Mas aqui também, como no amor e guerra, tudo vale.
Descobri hoje mais um calcanhar de aquiles, claudicando diante desta verdade ganhei conciência de mais uma fraqueza. Não sou nada diante de um sorriso, ou melhor, diante de sua hipérbole, aquela gargalhada contagiosa, capaz de ressoar até dentro do ambiente mais estéril e cético. Há expressão mais sincera do que um riso descontrolado? Seja a gozação pela gozação, não me interessa a armadilha que porventura pode ocultar, estou preso naquele átimo de segundo que separa a inflexão das covas de um rosto e o brilho qu emerge do smalte de seus dentes. Me entrego porque estou encantado, me submeto porque me enamorei da melodia e da expressão de uma alegria ou desespero. Vos bien sabes la verdad. Igualmente não sou ninguém diante do choro incontido, me humilho jogando meus joelhos ao chão porque a culpa recai sobre meus ombros, me responsabilizo por cada cristal líquido vertido sobre o solo, água de salmora intragável. Mudo minha opinião e me traio, porque uma vontade não é nada frente um torrente emocinal. Seja aquele choro miudo e amuado que pinga como uma torneira mal fechada ou aquela cascata que borra o rimel e a suavidade da pele deixando apenas uma face desfigurada, eu me entrego e dou meu coração para que enxugues sua angustia e cure sua mágoa. Do mesmo modo posso traduzir minha sensibilidade em lágrimas se é de alegria que estamos tratando.
Manifestações de fisionomia tão contrastantes e opostos guardam entretanto, um paradoxo intrigante. Tanto o choro como o riso podem ser juízos da alegria como da tristeza. Rio de desesperança como posso chorar de ventura e tanto um como o outro gesto se refletem em um espelho, revelação de duas irmãs separadas desde berço e que me tocam quando nada mais chamaria minha atenção ou mudaria minha decisão.

domingo, 4 de setembro de 2011

Discípulo de Wilde e Sade

Deram-me esta face e eu humildemente a aceitei como disfarce às minhas trevas; diferentemente de meu rosto feito assim, desde a tenra idade, não nasci corrupto, mas aprendi o que a vida me ensinou. E aprendi bem, pois disfruto da glória contida na deshonra, aquele sabor prazeiroso e vil negado pelos bons de coração. Não, estavas enganada sobre mim, querida. Fui e sou bom enquanto me é conveniente, enquanto a mentira me oferece frutos, estes mais doces, quanto mais fáceis o são de serem colhidos. Passeio então, por entre trilhas e encruzilhadas que se espraiam sobre um grande pomar cujos os pomos exalam perfumes e exprimem sucos que não dependem de madurez ou carinho, mas apenas perícia para colher-los. Vejo o mundo assim, um terreno fértil de oportunidades ofertadas em um único período da vida, a juventedo. E de passos firmes e frescos analizo a candura e beleza daquelas que prendem o meu olhar, primeiramente, e meus outros sentidos de viés. Alguém tem duvidas de que as únicas coisas que importam são a beleza e juventude?
Vivo desde então, sob a escravidão dos prazeres, desde que descobri que a felicidade é algo inatingível e ausente, logo, que outro sentido poderia encontrar nessa existência oca que me concederam entre os homens? Não me deixo ludibriar pelos mesmo, somente pela beleza juvenil, esta que a duras penas sobrevive em mundo casto, tradicional e digno. Me culparias se antes de roubar-te tua inocência houvesse lhe incubado tais mandamentos? Não deves temer ou abjetar o prazer, todo o preconceito servirá apenas para adiar e tolher o gozo final, sensação inebriante e inefável, tornado vício por aqueles que o descobriram primeiro. Diga me, que quimeras despóticas criaram em tua mente para que adiasse por tanto tempo a realidade da carne? Que credo poderia se opor com tanta força a natureza humana? Não, a virtude que prego não está predescrita em textos apócrifos, as únicas confissões a serem consideradas nobres são aquelas realizadas na cama de nossos amantes. Dito no plural porque todos fazemos parte de uma única comunidade, aquela forjada no calor de suspiros e ejaculações. Toque-se, toque-nos e verás que digo a verdade, somos todos edificados em carne e passíveis de retornar à ela.
Não sou bom, o que pensavas não era verdade; jugaste antes pela aparências e descobriria mais coisas do que em anos de elocubrações. Idiotas são aqueles que não julgam pelas aparências. Quero viver o que as minhas palavras proclamam, quero me livrar dos grilhões de aconcelhamentos caquéticos, quero servir aos dois grandes formadores da minha conciência moral: Marquês de Sade e Oscar Wilde.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

El cementério de Elefantes



"Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!"

Vida Obscura, Cruz e Souza

São nos livros de Kafka que a vida aparece definida como labirinto, lá as múltiplas possibilidades que, dizem, a exitencia nos oferece permanência estéreis sob o chão da realidade comum a todos nós. Estar vivo então, resume-se a um jogo de provações e realizações, de sonhos e decepções, vontades e angústias; caminhos que se entrecruzam e desafiam a lógica do bom pregador. Personagem deste Requiem conduzido pelas ruas de La Paz e El Alto, Rubens vive a improbidade de uma vida clandestina e marginal, sua família, hermanos de la vida y joda, compartilham com que ele do mesmo gargalo e da mesma friagem de uma comunidade de desolados. Os labirintos da maior cidade do Altiplano produzem o cenário da miséria humana, recheada de alto e baixos como os violentos declives detas vias de passagem, morada de andarilhos, mendigos e ladrões, todas os espaços desembocam à Avenida 16 de Julio, à solidão do percurso ébrio.
A narrativa de Tonchy Antezana principia o prólogo de uma história cujo destino pareceu estar definido desde de antes de seu início. Exemplo destinguindo dos demais apenas pelo privilégio do não anônimato. O cadáver protagonista dos primeiros minutos de filme é então, na verdade, o desfecho de toda a história, fardada àquele mesmo fim; única resposta aos questionamentos sobre o destino de um homem. Resposta irônica à rogos desesperados. Todo o enredo nasce da voz de um falso mártir que faz as vezes de cristo, sacrifício de uma conduta de eleição não opicional, pede asilo à própria morte salvaguarda das recordações que o perseguem. Todas as alucinações são produzidas do medo de reproduzir aquilo que em parte ele acredita ter ajudado a construir. Tal constatação nasce dos últimos momentos de lucidez e assunção da sua versão como exemplo para os que vierem depois dele. Afinal, como ele, Cristo se sacrificou para salvar os homens de seus pecados terrenos.
Entretanto, a parábola do paceño alcoolatra sem rasgos indígenas ganha ar de ironia pelo desfecho que remete ao começo: cadáver abandonado a sarjeta. Cria-se a impressão de narrativa cíclica, à gênese de um povo condenado à orfandade e à vadiagem, apesar de garantidor de sua dignidade. Sina iluminada pela metáfora que da nome a obra - Cemitério de Elefantes - santuário mítico onde os africanos acreditavam ser o exílio dos paquidermes em estágio terminal - simbolo sacro para uns e auspício para a ganância de outros - áqueles ávidos pelo marfim dos sepultados. Dessa forma, el cuartucho de mierda, morada dos últimos sete dias de Rubens (outra referência bíblica) é o espaço da morte, mas também da riqueza de um homem que preservou até o derradeiro espamos de existência, a sua única boa memória.

domingo, 7 de agosto de 2011

Câmbio de mobília e gênios.

Entra na sala, sua vista percorre as paredes, passeia entre os móveis e tarda seu exame sobre as mudanças - aqueles desencontros entre a lembrança e os fatos do presente - descontinuidades portadoras de um certo desconforto, entretanto tal peso é demasiado leve para turvar os bons ares daquele ambiente. Espaço familiar, abre mais uma vez sua comodidade a este corazón viajero, quem poderia desejar mais? Lhe resta pouco, porém não lhe falta nada e pensa dessa forma querer viver para sempre. A dependencia marca sua relação com os homens e aos poucos reanima a chama da fé que tinha neles.
Algo há mudado porém, além da posição da mobília sente um tom distinto de palavras, gestos e atitudes. Passa a imaginar se existe uma relação entre a metamorfose da fotografia da casa para com os que habitam ela. Nem tudo está igual como deixou a quatro meses atrás; desapareceu uma das camas, a prateleira deslocou se à parede oposta a que estava e a sensação de afeto minguado pertuba sua paz. As pessoas mudam e isso é fato, lei imutável que emoldura a vida dos homens que nasceram uns e morreram outros, então o que fazer? A personalidade/carater/gênio então, são como uma massa maleavel sucetível ás intempéries da existência. Mas será que existe uma ligação entre os cambios domésticos e os cambios pessoais? Essa suspeita lastima mais minha mente já tão acumulada de receios e as hipoteses do "um leito a menos" criam um duro conflito de relação. Todos sabemos o que são o passar dos dias para a existência humana, não há fotaleza que resista à ação do tempo.
Ele também andou mudadando e cada dia reserva uma experiência distinta, as vezes transformado outras, simplesmente, um desafio a teimosia senil. Aprender mais não significa mudar para melhor, significa apenas mudar; qualificativos serão sempre externos a todo processo Ainda assim, se entrega a dúvida: mudou-se tanto até o ponto do pleno desconhecimento alheio? Ainda se reconhecem, mas não se sabe até quando - o tempo saberá dizer. Por enquanto caminha sobre ruínas..

Persistência


A imagem de aridez e penúria de uma paisagem erma pode ensinar muito sobre o povo que nela habita. O carater dessa gente é diretamente associado às benesses e privações que sua terra natal lhes impõe. São anos de aprendizgem, onde o hábito do cotidiano ensina a pratica e a observância das horas de ócio teoriza uma experiência de séculos. Essas primeiras palavras parecem querer reviver os teoremas do determinismo geográfico herdados do século XIX para explicar algo, na verdade, inacessível a qualidade mineral do solo.
Homens e mulheres dependentes de um ambiente cujas condições de sobrevivência parecem querer expurgár-los. Eles possuem todas as idades, estágios de vida atestados pela brandura das maçãs do rosto visível nas crianças ou pelos sulcos e relevos que dão uma nova textura a pele anciã. Um semblante taciturno que habita as mais altas altitudes do continente americano, um ar anônimo contrastante com as cores e desenhos das costuras dos tecidos trajados por eles. Estes homens, me parece, passaram de discipulos à mestres do terreno abaixo de seus pés e voltam a ela como os filhos que regressam aos braços de sua mãe no derradeiro suspiro. O Boliviano é antes de tudo um forte. Parafraseio Euclides da Cunha porque este escreveu sobre a raça da qual minha mãe pertence, referência sempre clara e viva na minha mente enquanto me descolava pelas paragens deste país.
A pintura Persistência (1993) de Fernando Peñaranda formalizou o conceito levantado já nas ruas de La Paz e estradas do Altiplano, o povo da montanhas é feito de pedra e poeira, - esta imiscuido a terra - dela retira seu alimento e com ela constrói seu abrigo. Caminhando, ingerido pela multidão, percebe-se como as mulheres acocoradas ao chão se confundem com o terreno; as cholas são como escultura vivas inertes e os homens tem a cor de suas pegadas. A persistência retratada na linguagem do pintor paceño versa exatamente sobre esse tema; as formas sinuosas daqueles cerros de composição marrom, panorama desértico dos Andes, assemelham-se as linhas do corpo dos sobreviventes a seu sopé. Em uma das salas de decoração colonial do Museu Nacional de Artes da Bolívia, meu estado de contemplação transformou-se em compreensão à relação ínitma deste povo com sua terra e atentei para a luta destes aferrada ao único bem que séculos de humilhação não conseguiram furtar.

sábado, 2 de julho de 2011

Companhia, Ausência

Nos sentíamos ligados pelo silêncio, ela sabia que nas próximas palavas estaria contida a despedida e eu pensava se a falta, ausência mesmo de discurso, coseguiria manter alguém não sozinho. Relação ambígua, diria até paradoxal, que surgia do nosso derradeiro encontro. Não sabia se tinha coragem de questionar a existência daquela companhia pela inexistência de contato, pois sim, nem nos tocar estavamos, mantinhamos afastados um do outro sentados em paralelo na beirada da cama. Sem carne, sem verbo: paganismo sem função. O que ela poderia esperar de alguém que sai de sua vida pouco tempo antes de ter entrado ou o que eu desejaria de alguém que provavelmente não voltaria a rever? Não me lembrava bem do que tinhamos conversado a poucos minutos atrás, assuntos tolos ou novidades dispensáveis, imagino que queriamos fugir do futuro, aquele tempo distante - nesse caso próximo - impronunciável. Até mesmo sua boca guardava um gosto de fel, duvidei sobre o uso de um novo batom, ela contestou dizendo ser o de sempre. Uma hora e outra acariciavamos o verso de nossas mãos, mas desistíamos logo em seguida, parecia que aspiravamos voltar ao passado. Era pela incapaciidade de se reverter as engrengens temporais que optávamos pelo seu congelamento, passara-se ao frio de verdade porque eu e ela tremiamos, porém não ventava. As pessoa sempre me interrogaram sobre essa tal mania de evitar o tchau, o até logo, o adeus; e ela nunca deixou de ser uma destas pessoas, entenderia depois de tudo isso? Já passava das dez da noite e eu estava tão longe de casa, não tinha feito nem as malas e necessitava exageradamente de algumas horas de sono antes de viajar. Queria saber que convenção social me guardava naquele lugar ou qual era minha concepção de amor naquela época. Nem um, nem outro, nada me faria sair daquele quarto e abandonar a última pessoa que me amara, ultima sim, porque eu não queria amar a mais ninguém e o motivo da minha aventura era de que não queria amar mais a ela também. Todas aqueles objetos em seu dormitória me faziam sentir se mal, parecia que as parees pintadas a mãos com motivos florais, a caixinha de música, os livros e aquela boneca de porcelana medonha me culpavam por algo que não havia feito. Meu único delito era alimentar todas aquelas mentiras. Seria preciso dispensar tantos outros itens superflulos da minha mochila para portar mais aquela carga extra.
A verdade era uma, não estava mais com ela, já a muito cruzava a BR262 em direção ao Altiplano e sabia que todas aquelas coisas ditas e não ditas pereceriam na estrada, seu destino seria o mesmo da bagagem desmedida abandonada no asfalto, me desconstruia daquela maneira para posteriormente me contruir com outras coisas que porventura encontrasse: novas relações, novas experiênicas, tudo naquele momento me parecia caber muito bem.

sábado, 19 de março de 2011

Adeus, Cine Belas Artes

Adeus, Cine Belas Artes
Na esquina da Consolação com a Paulista, ali está um lugar especial para São Paulo, um dos seus pontos de encontro mais tradicional, um focu de cultura e entretenimento, mas não só, é um lugar de histórias. Histórias individuais e íntimas que construíram uma memória coletiva a respeito de um dos locais mais charmosos da cidade. Falo da minha experiencia pessoal, claro, mas quantos não dariam depoimentos análogos aos meus? Ali, atrás daquelas portas de vidro corrediças, posters ornamentam as paredes vermelhas de um tom grave e sereno. Filmes que estão em cartaz e chamam atenção do grande público povoam nossas vistas ao adentrar o recinto, porém não apenas eles como os grandes clássicos também recebem um espaço reservado - naquele salão prestigioso - películas que construíram o imaginário dos cinéfilos e marcaram a história do cinema são o destaque. Entretanto não reservo essas linhas para escrever sobre meu amor ao cinema e sim para contar sobre outras paixões.
Cinema Belas Artes, uma fachada suntuosa que protege a magia da sétima arte das desilusões do mundo verdadeiro. Assim o conheci e por um bom tempo o frequentei até suas portas cerracem um dos refúgios da minha geração. Passo a entrada principal, minha posição permanece estanque a frente da biheteria até que defina meu programa. Sozinho ou acompanhado faço uma parada obrigatória no café para suprimir as horas de sono não dormidas e as do dia estressante que enfim, termina. Entretanto o motivo que tantas vezes me fez voltar àquele lugar não está unicamente nas emoções transmitidas pela grande tela e sim nas experiências vivas antecessoras de cada exibição. Subindo as escadas chegava-se ao segundo piso, tantas e tantas vezes eu perdi horas de contemplação no que considero uma das mais paulistanas paisagens de São Paulo. Sim, o fim da Paulista, alimentando o sentido centro da avenida Consolação, sempre me pareceu um dos cartões postais que melhor definem esse cosmos da cidade na qual nasci e me criei. Revelo aqui o que tantas vezes conversei com minhas companhias, verdade, aquela sacada conta muito da minha história. Apresentei-a a muitos dos meus amores e a revisitei com tantos outros, mentiria se dissesse que houvera trazido todas as mulheres da minha vida. Minha mãe nunca a conheceu e, infelizmente, tão pouco vai conhecer. Meu segredo é: com as mais importantes e ardorosas estive lá - mesmo todas tendo partido meu coração - não tenho receio em dizer que atesoro cada um dos bons momentos ali vividos. Sobre aquele terraço de mármore negro limitado por uma grande vitrine de vidro assistindo ao corredor de ônibus sempre congestionado naquele ponto, terminando a Rebouças, eu iniciei muitos dos meus romances. Aquele espaço sempre exerceu grande atração sobre mim, nunca o resisti como lugar de repouso e de sedução. Quantos não's e sim's aquele rincão resoou eu já perdi a conta. Gosto apenas de recordar que o último pedido foi aceito.
É triste, mas a vida não é como nos filmes de finais felizes e encantadores, as vezes penso: vivemos no real teatro da tragédia. Quem pode eliminar uma lembrança da mente ou quem pode inventar uma experiência não realizada? Para mim aquele sempre será o endereço do meu cinema favorito da capital paulista, disse adeus a ele como o direi ao meu ultimo e sempre grande amor! Adeus Cine Belas Artes.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

[...]

Tengo ganas de escribir un libro...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Para estarmos vivo.

"Um amigo me disse, certa vez, que o maior erro que podemos cometer é acharmos que estamos vivos quando, na verdade, estamos dormindo na sala de espera da vida. O segredo é combinarmos as habilidades racionais da vida desperta com as possibilidades infinitas de nossos sonhos."

Walking Life

Eu acredito na pontência deste momento, tenho fé que em cada ínfimo instante da minha vida existe a possibilidade para transformar toda ela. Por isso estou aberto às experiências, por isso não quero renunciar às oportunidades sejam elas dadas de bom grado ou conquistadas à suor e sangue. Duvidas de minha crença? Vejo a incredulidade em seu rosto ademais do ar de despeito e deboche. Tenho 23 anos e nada usufrui da vida, realizei lindos ensaios com ela e levei tantos outros golpes da mesma, entretanto sinto o peso dos novos dias que alvorecem à minha frente.
Sobre essa mesa despejo algumas angústias e anseios porque não ignoro a fertilidade deste solo. Sei que tu tem tanto a me ensinar e desejo ardentemente cada pensamento inacabado em cada frase desafinada. Refletir sobre a existência é racionalizar aquilo que somente pode ser sentido e tudo que aqui escrevo deve ser apenas tradução daquelas palavras de alento que ouvimos enquanto subimos nossa inifita escadaria. A vida começa quando decidimos valorá-la e gozá-la, por isso estamos aqui agora, para nos apercebermos desta dádiva. Antes admito, não creio somente em experiências humanas, entrevejo também o néctar da descoberta em cada greta escura de rocha, em cada folha orfã sequestrada pelo vento, em toda incessante verborragia do riacho. A natureza sempre foi a minha maior mentora e minha segunda mãe, por isso costumo dizer que a noite me protege e que não importa em que estado de solidão eu esteja, eu sempre posso escutar uma melodia.
Então, levanto da companhia de vcs, feliz por ter me acercado mais da minha própria verdade que não está somente no meu interior mas em tudo que porventura me tocar. Sigo o meu caminho e deixo livre o passo para o de vcs tendo em mente que o sonho que tive na última noite pode estar realizado na verossimilhança de amanhã.

Waking Life





"O homem autodestrutivo sente-se totalmente alienado e solitário. Ele é um excluído da comunidade. Ele diz para si mesmo: "Eu devo estar louco". O que ele não percebe é que a sociedade, assim como ele próprio tem um interesse em perdas consideráveis, em catástrofes. Guerras, fome, enchentes atendem a necessidades bem-definidas. O homem quer o caos. Na verdade, ele precisa disso. Depressão, conflitos, badernas, assassinatos. Toda essa miséria. Somos atraídos a esse estado quase orgiástico gerado pela destruição. Está em todos nós. Nos deliciamos com isso. A mídia forja um quadro triste, pintando-as como tragédias humanas. Mas a função da mídia não é a de eliminar os males do mundo. Ela nos induz a aceitar esses males e a nos acostumarmos a viver com eles. O sistema quer que sejamos observadores passivos. Vc tem um fósforo? Eles não nos deram qualquer outra opção, à exceção do ato participativo ocasional e puramente simbólico do "voto". Vc prefere o fantoche da direita ou o fontoche da esquerda? É chegado o momento de eu projetar minhas inadequações e insatisfações nos esquemas sociopolítico e científico. Deixar que minha própria falta de voz seja ouvida."

Velha montanha


"Entonces en la escala de la tierra he subido entre la atroz maraña de las selvas perdidas hasta ti, Machu Picchu.

Madre de piedra, espuma de los cóndores.

Alto arrecife de la aurora humana.

Pala perdida en la primera arena.

Ésta fue la morada, éste es el sitio: aquí los anchos granos del maíz ascendieron y bajaron de nuevo como granizo rojo. Aquí la hebra dorada salió de la vicuña a vestir los amores, los túmulos, las madres, el rey, las oraciones, los guerreros."


Penetro humildemente neste reino de pedras, oculta entre as nuvens e das vistas humanas. Passeio pelos seus corredores, cômodos e praças com a mesma cerimônia de um sacertote que se prepara para a liturgia, com essa disposição respeituosa pretendo ser merecedor dessa visita. Não busco suas benesses energéticas, procuro simplesmente o silêncio que ressoa dos meus passos. Investigar seus templos, tocar suas rochas, me perder em seu labirinto é o meio pelo qual eu optei para chegar até mim - para chegar até o centro do meu ser. Se o fim da minha jornada estava escrito entre as ranhuras de seus encaixes perfeitos eu não sei, o que transparece sobre o desenho de meu rosto são as gotas de suor e as lágrimas de emoção. Estou à conquista de um sonho ou à conquista da verdade?
Entre deslumbramento e curiosidade minha busca parecia não se contentar e assim eu caminhava e escalava aquelas escadas infinitas, degraus que pareciam estar sondando o céu e suas divindades. Apesar do cansaço que consumia meu corpo e debilitava minhas pernas um estranho desejo me alçava até o seu último pico, Wayna Pichu. Foi naquele caracol de escadarias que, envolto entre a névoa e o suspense daqueles séculos de segredos, eu pude observar a grandeza daquele monumento. Minha mudez e encanto só seriam interrompidos pela arfagem e pelo pavor da vertigem. Quantos miram a ti todos os dias e menosprezam a sacralidade de sua história? Uma turba de turistas que invade a privacidade dos nomes que ainda ecoam por aquelas ruínas e inundam os vales e cerros daquela parte do universo. Homens e mulheres de todas as idades e idéias que iluminam a banalidade de seus interesses com o flash de suas cameras e que ameaçam o real significado daquelas edificações.
Mesmo receando perturbar a tranquilidade daquele santuário adentrei e me estabeleci no templo do Condor e com calma observava seus rincões até chegar ao centro da sala aonde um relevo de pedra emergia do solo figurando aquela ave símbolo dos Andes. De lá a abertura era para o firmamento, aquela conjugação de tons e astros, abóboda que emoldura o Tawantinsuyu, um império quase tangível à imaginação. A paz e felicidade vertiam do meu peito e compunham um quadro onírico de sensações. Era a satisfação de um sonho, a conformação de mais uma etapa da minha existência: àquele cujas llamas conhecem tão bem. A experiência máxima de um ser humano concedida pela possiibilidade de estar vivo e poder decidir sobre o seu destino.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

La unica cosa que importa es el amor

Regresso destas semanas de distância para descobrir a importância do amor, pois de tudo isso é somente ele que importa. Reservo essa verdade para essas poucas linhas e para todo o resto da minha vida, quero saber que se hoje não sou totalmente feliz pelo menos eu me sinti e estou vivo. E usufrui intensamente dessa dádiva ou maldição outorgada por Afrodite para conhecer a origem de todas as dores que hoje molestam o meu corpo e alma. Claro, posto que amar é estar vunerável a dor, doação que conhece esse peso como única moeda de troca. Entretanto, furtarsse a esse sacrfício é também renegar a condição de humano.
"O amor é a única coisa, amor e perda, perda principalmente. O amor não foi feito para sermos felizes, mas para nos sentirmos vivos." A boa fé da existência apenas nos é demonstrada quando finalmente criamos a conciência de que dessa passagem nada adquirimos, saímos desnudos da mesma forma como quando entramos. Por isso não tenho vergonha de dizer que sofri e todavia sufro, é esse mesmo fardo que me mantém nessa realidade. Percebe então, a importância do amor? É dele que retiramos o alento para continuarmos respirando ademais de ser o responsável por nossa história pessoal. Ou vc duvida que tanto sua última batalha vencida como a sua primeira derrota não tiveram como mesmo fim o amor?
Costumo dizer que me enamoro todos os dias em todas as horas, mas que nunca me desenamoro porque isso que nasce de diferentes fontes com odores e tonalidades distintas me agarra para nunca mais largar. Sendo assim, guardo todas as minhas promessas para quando usted quiser ver-las cumpridas. A sinceridade do meu amor está em toda essa dor que eu sinto e seguirei sentindo até o fim da minha existência.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Mendoncina

Revolve o vaso de açúcar com intensidade e agressividade, miro seu olhos que expressam atenção e minúcia. Em sua soturna mudez enxergo uma vontade insustentável de gritar. A menina meiga que oculta suas dores atrás de movimentos nervosos e mecânicos respira não mais do que seus pulmões lhe pedem. Em quais regiões escuras e profundas estaria disposta a se esconder para que eu não a alcançasse? Sois fria quando fala, porém frágil enquando se mantém calada – diz me que me conheces e eu te digo que te conhecias.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Valparaíso

Volto a mirar os olhos de ressaca, aqueles cuja força tem o poder de me atrair e arrastar de volta ao seu interior, à sua perfeição. Uma relação pérfida esculpida através da beleza do movimento suave e violento, o que tenho para te oferecer? Volto a te mirar porque passei toda a minha vida te buscando, gritando por seu nome. Seja no plano real ou onírico meus chamados sempre ressonaram com a mesma resposta: aquela que vem do mar. Tantos segredos que guardas de mim, estando na condição de mero amante respeito seu desejo de reserva, mas pouco posso poupar de sua privacidade já que minha atenção é toda sua. Me faz chorar e me faz sorrir estar a deriva de seu destino.
Ah, playa San Mateo de La Joya del Pacífico... A verve desse verso esta no sentido que tem o ato de respirar, inspiração e respiração, um estado de meditação em que o homem e a natureza se encontram. Nesse ambiente eu não passo de apenas mais uma rocha dessa costa que será desgastada aos poucos pela ação do tempo e do mar. Não penso em minha vida porque ela é um ser finito, enquanto que o mar infinito és. Podes me dizer que não já que agora sabemos a localização de cada pedra nesse planeta, mas às vezes eu acho bom não crer que o homem chegou à lua.
Não há ordem que o caos de suas ondas não perturbe e tão pouco pode a magoa e o ressentimento contra esse amor que sinto. Assim que seu chamado é a resposta para todas as minhas perguntas, bálsamo para todas as minhas angústias e direção única para meus passos.